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Fotografia: Rui Caria
Publicado a: 09/10/2023

Da insustentável leveza à cadência mais vincada.

AngraJazz’23 — Dia 3: um saxofone em estado de graça

Fotografia: Rui Caria
Publicado a: 09/10/2023

Começámos por exaltar o AngraJazz como palco/trampolim para boas ideias nesta nossa primeira abordagem a um evento que no passado sábado terminou com a apresentação do seu 153º concerto, a cargo da cantora sueca Vivian Buczek. Encerramos hoje esta nossa continuada reportagem do evento com a confirmação de que é sempre boa ideia fazer congregar gente de diferentes origens num mesmo espaço — da partilha e de cruzamentos de diferentes visões nascem amizades, novas perspectivas e, correndo tudo bem, mais ideias.

A música de Immanuel Wilkins também vive de pensamento — que é a parte em que se aplica intelecto e experiência para tentar resolver as ideias —, de assumida tensão entre passado e futuro, da vontade de deixar marca no presente, da vontade de harmonizar pulsões contrastantes: como as que derivam da escrita cuidada, por um lado, e da livre deriva improvisacional, por outro.

No derradeiro dia da edição 2023 do AngraJazz deu para ver mais uma apresentação do grupo de trabalho extraído do Coreto para as sessões abertas ao público na cidade de Angra, com entrada livre, com nova sessão do quarteto Formoso/Raro/Barbosa/Marrucho no Café Maçã Verde, opção inteligente do festival que assim vai fazendo por formar novos públicos, libertando o jazz dos seus contextos mais formais para o levar ao encontro de quem possa, de repente, encontrar ali um ponto de interesse. A verdade é que havia transeuntes que por ali se detinham, mostrando reverente atenção perante o som desenvolto, elegante e personalizado destes quatro “coretistas”.

O programa da noite, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, reservava-nos aquele que se confirmou como o melhor concerto do festival (falhámos a última das entradas do programa, reservada ao grupo da cantora Vivian Buczek, mas as opiniões recolhidas no dia seguinte confirmam-nos que podemos manter esta ideia de que cabe ao saxofonista norte-americano representar a cereja no topo deste bolo servido em Angra).

Acompanhado por Micah Thomas no piano, Rick Rosato no baixo e Kweku Sumbry na bateria, Immanuel Wilkins assinou ali (mais) uma lição de contenção e classe, de sobriedade, mas também de aventureira demanda, de capacidade de risco, de nervo à flor da pele. O saxofonista de 26 anos que acaba de ser distinguido nas premiações anuais da Downbeat com os galardões de Alto Saxophonist of the Year, Rising Star Group of the Year e Rising Star Composer of the Year confirmou em palco que todas as flores que lhe têm sido entregues são mais do que merecidas. 

O quarteto começou por atacar uma nova composição de Wilkins, “Apparition”, antes de se atirar — como aliás já tinha prometido na entrevista concedida ao ReB — a mais material ainda a aguardar registo discográfico: “Big Country”, “Motion” e “Pressure”. O alinhamento alternou entre a quase insustentável leveza, com a música a soar tão livre e solta como uma brisa, com o piano a fazer desaguar sobre os nossos ouvidos um tranquilo rio de notas, com o todo a soar quase como uma meditação feita de música, e uma mais vincada cadência, com Thomas a revelar precisão repetitiva na mão esquerda e expressividade inventiva — mas nunca intrusiva — na direita. As peças são longas, abertas, com espaço para muitos improvisos, sobretudo do líder, que aproveitou para demonstrar que domina muitos idiomas e que estudou atentamente muitos mestres. Kweku, por seu lado, começou por se apresentar muito solto, a explorar todas as peças do seu kit, sem nunca solidificar o seu groove, mas houve momentos em que se fechou num padrão e deixou claro que entende com quantos toques no bombo e na tarola se faz um groove, soando mais funky ou mais polirrítmico — no sentido africano do termo — consoante as peças o exigiam.

O espantoso é que Wilkins, do alto da sua imensa juventude, soa magnífico nas baladas e não menos espantoso nos temas com mais ebulição e fervor espiritual; é elegante nas longas frases e feérico nos “gritos” de intensidade espiritual máxima e parece incapaz de falhar por um segundo que seja, desviando-se do microfone e do centro do palco para deixar os companheiros brilharem ou até para apanhar uma pauta levada pela brisa do ar condicionado da sala (ou seria pela deslocação do ar provocada pelos braços do baterista?) e regressar ao centro no momento exacto que a música pede, como se tivesse o poder de se teletransportar para o lugar necessário no derradeiro momento. 

Se puderem apanhar o Quarteto de Immanuel Wilkins no próximo dia 21 de Outubro na 24ª edição do SeixalJazz não pecam a oportunidade: as recompensas serão mais do que muitas, fica aqui garantido.


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