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Fotografia: Rafael Farias
Publicado a: 05/07/2023

Isolado na cara do golo.

Yung Juse: “Quis mesmo fazer um statement com o Rio Tinto, Porto, Portugal

Fotografia: Rafael Farias
Publicado a: 05/07/2023

Quando o tópico é trap feito a norte em terras lusas, a lista encolhe e há alguns nomes que automaticamente nos vêm à cabeça, como o de Yung Juse. A meias com o irmão de rimas Joint One assinaram em 2020 um dos maiores sucessos espontâneos por cá quando lançaram “Tou Na Festa”, hit de Internet que os apresentou ao mundo — mas neste caso a primeira sensação não era a melhor se o objetivo era catalogar a dupla. 

O caminho para ambos parecia previsível, mas deram meia volta e o que se seguiu projetou rapidamente aquilo que os alimentava, e certamente não eram sonoridades mais palpitantes capazes de contagiar qualquer pista de dança. O sucessor “MONEYPUXAMONEY!” não alcançou nem de perto nem de longe os números do primeiro êxito, mas a influência, essa parece que não se mede por tal métrica, já que o beat de Chaylan a puxar pela West Coast norte-americana era algo ainda pouco ouvido por cá e ajudou a desbastar um caminho menos usual no último par de anos, quer fosse em conjunto ou a título individual.

Um dos exemplos perfeitos disso é o EP Rio Tinto, Porto, Portugal lançado no passado mês de Março por Yung Juse. Com um título bem sugestivo que não esquece a sua raíz, o rapper da CARAPODRE parece florescer e ganhar cada vez mais caule enquanto artista num trabalho maduro, bastante introspetivo, com lições de vida e reflexões que merecem um ouvido atento de quem o oiça, muito longe do festivo e descomprometido “Tou Na Festa”.

O jovem artista de Rio Tinto falou ao Rimas e Batidas sobre esta novidade e guiou-nos ainda numa visita cronológica aos primeiros passos na sua carreira, que nos levam até ao seus tempos do Twitter, onde foi lançando as primeiras demos amadoras que em pouco tempo se transformaram em hits e o profissionalizaram tanto a ele como à equipa já vasta da label CARAPODRE.



O primeiro grande impacto da tua carreira surge com o tema “Tou Na Festa”, mas ela já se tinha vindo a construir de há uns anos até lá no SoundCloud e no Twitter. Como começou esta jornada para ti?

Eu comecei mesmo a aparvalhar, não há volta a dar… com os meus amigos e tal [risos]. Eu já tinha assim uma famazita na altura, à base de dizer merda no Twitter e o people achava piada. Uma vez lancei um som com um amigo meu, o “Porta Errada”, e chegou ali a umas 30 mil visualizações, isso para mim era incrível, era top. Eu gravava o som hoje, e lançava hoje, ’tás a ver? Nem sabia o que era um master, enfim… Mas foi dessa forma que bué pessoal apanhou a minha cena e percebeu o que estava a tentar fazer na altura. Ainda consegui dar concertos só com isso.

Isso por volta de 2018, certo?

Por aí, por aí, ya.

Então, uns 2 anos depois surge o primeiro grande boom, e é engraçado que praticamente começas a tua carreira com um grande, grande hit. Tu e o Joint One provavelmente nem esperavam isso.

Ficámos todos estúpidos mano… e agora está quase em Dupla Platina, isso é louco. A faixa até surge de uma forma bué engraçada. Eu fui gravar um outro som, mas não estava a correr bem, estavámos só a queimar a cabeça, pusemos para o lado, e começámos a fazer outra cena e pronto, surge isso, que hoje é conhecido como “Tou Na Festa”. Ou seja, a “Tou Na Festa” surge aleatoriamente no meio de uma sessão fracassada [risos].

Basicamente para compensar o outro som que estava a correr mal… Como surge a conexão com o Joint One, suponho que seja antes música, não?

Por acaso não, já o conheço há bué anos, mas foi através do meu amigo e produtor, o Taye, que me mostrou um som dele, na conta secundária dele do SoundCloud, com sons que não lançava. Era uma sonoridade bué crua mesmo, identifiquei-me bué com a maneira com que ele dizia as coisas — ele tava-se a cagar, eu gosto de pessoas que fazem música assim. E, na verdade, ele na altura não estava a fazer a música para praticamente ninguém, portanto era uma cena que ele queria fazer mesmo. Não me lembro já bem, mas fomos ao estúdio do Taye juntos e foi uma cena natural. Isto na altura em que tudo começou, ali em 2018.

Passado uns anos dá-se esse tal boom, inesperado como disseste. Deve ter sido um misto de euforia e ansiedade para tentarem capitalizar esse momentum. Como geriram isso?

Do nada tínhamos uma grande quantidade de olhos em cima de nós que nunca tinhamos tido. Sabíamos que eram olhos que, se lançássemos, iam ouvir, mas senão saísse nada ninguém queria saber. Nós sabíamos que a música bateu porque era engraçada e não propriamente pelo talento musical, percebemos logo isso, mas ainda assim queríamos capitalizar essa atenção. Até porque nós os dois gostávamos mesmo de fazer música, portanto tivemos ali 1 ano ou 2 — e ainda estamos assim — a calcular os nossos lançamentos musicais, a ver o que saía e não saía, porque lá está, temos muitos mais olhos em nós e não queríamos estragar a cena que tínhamos feito.

Lembro-me bem dessa altura no Twitter, a explosão do som, muita gente a comentá-lo, mesmo. E agora soma mais de 6 milhões de plays no YouTube. Depois disso, começam a calcular mais minuciosamente a gestão das vossas carreiras, não é?

Agora é de uma forma diferente. O “Tou Na Festa” já nem nos passa pela cabeça. Agora estamos a trabalhar da melhor forma possível, não fazemos as coisas sem pensar, apesar de eu ter saudades dessa fase do SoundCloud, onde havia assim uma aleatoriedade. Mas agora há uma label envolvida, uma equipa, é diferente.

Terem o discernimento de perceberem quem vos estava a ouvir e de que forma o faziam quando lançam o “Tou na Festa” é algo muito interessante, mas devem também ter tido os vossos momentos de deslumbramento, que são normalíssimos, não?

Opá, essa cena sobe um bocado à cabeça, claro. Nós viemos do nada, tinha acabado de fazer 18 anos e em uma semana andava a dar 4 shows um pouco por todo o país, nunca imaginei que ia andar a fazer isto. Aliás, a “MONEYPUXAMONEY!” foi um som que eu fiz com essa mania, na minha cabeça, do que estávamos a viver. Regra geral conseguimos sempre separar as coisas, mas sem dúvida que desfrutámos e houve noites em que tivemos a mania, é verdade [risos].

Esse som na altura em que saiu ficou-me na cabeça pela lição condensada que transmite e que eu acho que percebi. Especialmente o teu verso foi algo que na altura me agradou mesmo, achei bué interessante.

Era o que estava a dizer, foi inspirado no lifestyle da altura, era bué real. E foi um lançamento diferente, já a jogar numa sonoridade que queria. O “Tou Na Festa” foi diferente, foi uma cena da altura.

Agora, a título a solo, estreaste-te com o Rio Tinto, Porto, Portugal, uma clara homenagem à tua zona, com algumas sonoridades frescas e muito mais, certo?

Sim, sim, foi uma cena que quis logo tirar logo da frente. Ninguém pode dizer que eu não sei de onde venho e que me esqueci do meu sítio. Gosto bué de ser daqui, foi onde tudo começou. Este EP é principalmente eu a distanciar-me da ideia que o meu rap é para aparvalhar, e prova disso são alguns sons mais sérios como a “Estrela” e a “Luz Vermelha”, em que falo com muito mais consciência das cenas. Quis mesmo fazer um statement com este EP de estreia. Esta é a minha sonoridade, é o que gosto de fazer, e é um bocado o reflexo de gostar de pensar muito à frente. Por exemplo, a “Estrela” é uma faixa que estava feita primeiro que a “MONEYPUXAMONEY!” e só agora saiu. Este EP já teve mil formas diferentes e esta foi a versão final. Já não conseguia ter mais aquilo na cabeça porque, lá está, depois de o EP estar feito já tinha mais 700 mil sons, estava 7 sonoridades à frente e ainda estava “preso” naquilo e estava-me a atrasar.



Este EP explora uma lane ainda pequena em Portugal, com umas sonoridades dentro do rap não muito afloradas por cá.

Ya. Nunca foi nada muito propositado. Sempre ouvi rap tuga, mas nunca me influenciei muito por aquilo que ouvia de cá, apesar do que não faltarem são bons artistas cá, obviamente. Neste caso inspiro-me nos beats de West Coast, bué synths e tal, sempre me soou bué bem. Eu ouço, gosto, faço — não penso muito. Mesmo se for um beat que 300 pessoas tenham usado, eu gosto de entrar na mesma à minha maneira e dizer as minhas cenas, não estou muito preocupado com quem fez o quê.

E nessa escola da West Coast, quem são os grandes pilares que vos inspiraram a fazer a vossa cena?

Nessa altura ouvia bué, e nota-se, Shoreline Mafia, essa sonoridade toda, sempre meio chapada. Mas agora, sinceramente, oiço cada vez menos música. Não sei, ouço mais podcasts e cenas do género. Tenho um problema que é encontrar música nova, portanto tenho a minha playlist com os mesmos sons há não sei quantos anos e oiço-os em repeat. Enquanto estou no carro é mais fácil ouvir podcasts e assim, entendes? Para além dos Shoreline, também oiço Future, D Savage, é isso. Devo-me estar a esquecer de bué gente, mas se me estou a esquecer é porque não são tão importantes.

Olhando para os últimos anos do rap feito no Norte de Portugal, tu e o Joint One são das duas grandes caras desta nova fase mais inovadora e com novas sonoridades por aí, depois de alguns anos se calhar mais estagnados.

Estamos a tentar puxar por isso. O Norte já teve grande domínio na cultura antigamente, tempos de Dealema, Mundo Segundo. Mas quando as coisas se começaram a modernizar isso perdeu-se um bocado e começou-se a jogar mais em Lisboa. Mas a cidade do Porto é muito orgulhosa, fecha-se muito aqui e prendeu-se muito no boom bap. Éramos top nisso, para mim tínhamos os melhores do país. Mas como esses artistas se calhar não procuraram muito coisas novas, e estão totalmente no direito deles, o público do Porto também se fechou um bocado a essas coisas novas. Portanto acho que custou um bocado mais existir esse desenvolvimento musical, mas isso agora está a mudar, há muita música boa e diferente a sair do Porto, e acho que daqui para a frente as coisas vão ficar mais competitivas para os nossos lados.

Há alguns nomes que gostasses de nomear que estejam a contribuir para isso? Diria que o Tiago Mob está lá no topo, certo? [Risos]

Vou sempre ter a tendência de puxar os meus boys, sim [risos]. Mas olha, temos o Gama a fazer cenas diferentes, outro chavalo que acho que vai dar bué é o Tinx e, claro, há também daqui o Big Jony. Mas nota-se bué que os putos passaram aquela fase e já não querem fazer o que se fazia antes, e querem puxar pelo que eu e o Joint One temos feito. Não estou a dizer que somos os verdadeiros e os reis de tudo, mas é um bocado verdade pelas mensagens que vou recebendo.

O “Tou Na Festa” talvez tenha assinalado ali um início de um novo capítulo no rap nortenho.

Nem tanto por esse som, porque lá está, quase ninguém olhou para aquilo como um som a sério, era mais visto como uma palhaçada e tal. Mas acho que o “MONEYPUXAMONEY!” impactou bastante mais. Eu, pelo menos, não conhecia nenhum som com aquela sonoridade em Portugal, não sei se copiei alguém ou não, mas acho que não. O que é certo é que depois desse som ter saído começaram a surgir assim novos sons com influências mais West Coast. Já tive a ver concertos de outras pessoas em festas de faculdade, gosto de fazer isso, e estava um artista a cantar nuns mais West Coast e tal, num desses shows, e um gajo veio ter comigo a cumprimentar-me e a dizer “Lembrei-me de ti por causa deste beat.” Deu-me ali props pelo novo EP e tal e pá, nessas coisas um gajo sente que tipo… inspirou algumas pessoas e isso é fixe. Mas lá está, mais pela “MONEYPUXAMONEY!”.

Sentiste algum tipo de críticas de artistas mais velhos da tua zona, assim mais puristas, ao explorarem sonoridades totalmente diferentes do que existiam?

Depende. As críticas nunca chegam a mim diretamente, só se for alguém à minha volta que diga que alguém disse algo. Mas, surpreendemente, houve bué mais velhos que se relacionaram bué com a cena, são puristas na arte deles, mas têm a cabeça aberta para mais sonoridades. Dou-me bué com pessoal de todo o tipo, mais novo, mais velho. Mas dessa malta mais purista, há bués que apreciam o que eu faço.

Estás também a desenvolver um projeto, a tua label, a CARAPODRE, com vários rappers e outra malta, certo?

Sim, é um projeto com muita gente que temos vindo a desenvolver. A nível de rappers sou eu, o Joint One, o Tiago Mob e o Razu, mas há muito mais malta envolvida na música e tudo à volta.

Há pouco na entrevista antecipaste muita música nova. Quais são os próximos passos da CARAPODRE? Talvez um regresso à tag team entre ti e o Joint One, não sei?

Hum… não sei também, não sei [risos]. Não posso explorar muito porque ainda estamos em desenvolvimentos e não queria revelar muito do que estamos a preparar. Mas fiquem atentos, prometo que vai aparecer aí uma cena bué fixe este ano ainda. É o que posso adiantar!


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