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Fotografia: Kevin Winter
Publicado a: 12/08/2023

Um olhar sobre as produções que ajudam a tingir este meio século de vida do género musical nascido no Bronx.

Uma viagem pelas sonoridades do hip hop em 50 temas

Fotografia: Kevin Winter
Publicado a: 12/08/2023

Apanhámos as canas, curámos a ressaca e voltamos hoje para estender a celebração dos 50 anos do hip hop, cultura que nasceu de uma festa organizada no Bronx a 11 de Agosto de 1973.

Como forma de provar que, enquanto género musical, o hip hop pode assumir as peles que bem lhe apetecer, percorremos este seu meio século de vida através de 50 canções, dissecadas de um ponto-de-vista mais musical do que propriamente da qualidade das rimas ou do sucesso comercial. Do hip hop movido a samplers àquele que é criado totalmente nos domínios do digital, do boom bap ao trap com direito a passagem pelas casas do grime, do drill ou das batidas desprovidas de marcação vincada por parte de bombo e tarola.

Depois de uma primeira celebração, ontem, com uma peça do arquivo de Rui Miguel Abreu que atravessa 50 discos clássicos do hip hop lançados até 2006, nesta nova investida vamos dos primórdios até aos dias de hoje, promovendo um passeio pelas várias estéticas que o hip hop assumiu ao longo da sua história.


[James Brown] “Funky Drummer” (1969)

Nenhum género musical prestou vénias ao passado de forma tão directa como fez o hip hop, que na ausência de instrumentos “tradicionais” foi buscar os seus ritmos e melodias aos discos já editados por outros artistas. No início, o foco do sampling ia quase todo para os breaks de bateria e “Funky Drummer” foi um dos temas a que mais se recorreu: foi utilizado para edificar beats, animar festas de bairro pelas mãos de DJs ou até como banda sonora para as primeiras desgarradas — o freestyle de 1989 que colocou Percy P e Lord Finesse num frente-a-frente é um dos melhores tesouros que o YouTube guarda (até teve direito a um rematch) e recorre exaustivamente àquela que o WhoSampled considera ser a quarta faixa mais samplada de sempre.


[The Sugarhill Gang] “Rapper’s Delight” (1979)

Num meio onde ainda existem tão poucas mulheres a lidar com as questões da produção, é curioso como as primeiras edições discográficas de sempre oriundas do hip hop nasceram precisamente dessa presença feminina em estúdio. Nos anos 70, Sylvia Robinson fundou a Sugar Hill Records, responsável por carimbar os primeiros discos de vinil dentro do género, como este “Rapper’s Delight” (muitos consideram-no ser a primeira gravação de rap da história). The Sequence, Grandmaster Flash & The Furious Five ou Funky Four Plus One foram alguns dos pioneiros que se lançaram pela editora que cessou funções em 1986.


[Kurtis Blow] “The Breaks” (1980)

Quando olhamos para a história, “The Breaks” não só foi lançado bastante cedo — em Junho de 1980 — como foi o primeiro single de ouro do rap a nível mundial, alcançando um sucesso comercial inédito até então. Em termos instrumentais, esta faixa de Kurtis Blow, que também contém versos que se tornaram imortais, tem uma particularidade interessante: ao contrário da maioria dos temas que samplavam funk, a melodia funky e bem-disposta do beat é original.


[Afrika Bambaataa & the Soulsonic Force] “Planet Rock” (1982)

Quando as antenas dos beatmakers estavam principalmente alinhadas com os samples extraídos de discos de jazz, soul e funk, “Planet Rock” apontava numa direcção completamente diferente. O eterno êxito de Afrika Bambaataa & the Soulsonic Force recorreu a excertos de músicas de Kraftwerk para se erguer como um dos grandes hinos para a cultura de clube, tendo chegado ao mercado como um dos primeiros lançamentos de sempre da Tommy Boy Records, que viria a tornar-se numa das grandes casas editoriais para o hip hop durante os seus primeiros anos de vida. Sem o saber, Afrika Bambaataa lançava ainda com este “Planet Rock” a fórmula rítmica que veio inspirar o fenómeno (hoje mundial) do baile funk.


[Run-DMC] “It’s Like That” (1983)

Antes de “It’s Like That” se tornar um enorme sucesso no final dos anos 90 após ser alvo de uma remistura acertada por parte de Jason Nevins, DJ especializado em house, o primeiro single dos Run-DMC evidenciava, em termos sonoros, ao que vinha o colectivo de Nova Iorque. Com uma estética algo abrasiva e minimalista, menos melódica do que a norma edificada pelos artistas até então (talvez já adivinhando naquilo que se viria a tornar o som característico do hip hop nova-iorquino na década seguinte), é um tema de contestação social que reflecte sobre os problemas vividos na zona de Queens onde moravam, numa altura de forte crise económica e criminalidade galopante. A sonoridade vinha a condizer.


[Rammellzee & K-Rob] “Beat Bop” (1983)

À data de hoje, o 12” original onde veio servido “Beat Bop” é uma das maiores relíquias para os coleccionadores de vinil — no Discogs, por exemplo, há um único exemplar à venda por 3640 euros. Além do estilo mais lento e descontraído deste single, a sua principal particularidade vem do facto de os seus intervenientes serem figuras de proa das artes visuais urbanas: aqui podemos escutar rimas dos writers Rammellzee e K-Rob em cima de uma batida concebida pelo lendário Jean-Michel Basquiat, ele que também assina a capa do disco, uma verdadeira obra de arte per se.


https://youtu.be/bx14hca1z_c

[Boogie Down Productions] “The Bridge Is Over” (1986)

Umas vezes mais na desportiva do que outras, o beef e a cultura das diss tracks fazem parte do ADN da vertente do rap dentro da cultura hip hop. Um dos primeiros registos nestes moldes foi o atrito que levou ao desentendimento entre a Boogie Down Productions (de KRS-One, D-Nice e DJ Scott La Rock) e a Juice Crew (em especial MC Shan e Marley Marl). Já com uma batida bastante próxima daqueles que viriam a ser os standards do que hoje é tido como boom bap, “The Bridge Is Over” foi uma das principais respostas a nascer de uma disputa que se arrastou ao longo de alguns anos.


[N.W.A.] “Straight Outta Compton” (1988)

A par de gente como Schoolly D e Ice-T, os N.W.A. foram um grupo pioneiro da cena gangsta rap e de longe o nome mais mediático dentro dessa então embrionária vertente específica do hip hop, ao ponto de até terem tido direito à sua própria biopic. Em “Straight Outta Compton” podemos escutar como soavam algumas das primeiras batidas de sempre de Dr. Dre, que dentro do conjunto da Costa Oeste dividia espaço com Eazy-E ou Ice Cube, os dois principais rostos de um dos colectivos mais temíveis de sempre da indústria musical.


[De La Soul] “Me Myself and I” (1989)

Numa altura em que a América fervia em reacção ao gangsta rap que retratava (talvez até glorificava) a realidade violenta na West Coast, do outro lado do país aparecia um grupo chamado De La Soul que era o oposto disso tudo. Envoltos em flores e símbolos da paz, os nova-iorquinos apresentaram-se no final dos anos 80 com o álbum 3 Feet High and Rising, onde se incluía este “Me Myself and I”, uma canção alegre com versos extravagantes. Mostrava que os De La Soul eram filhos de outro ramo do hip hop, com uma veia mais pacífica, satírica, afrocêntrica, optimista e artística. Seriam eles a abrir portas para aproximar o rap do jazz e para incluir outro tipo de samples nos beats.


[Public Enemy] “Fight The Power” (1989)

Daria para escrever um livro apenas sobre “Fight The Power”, o infame single dos Public Enemy criado a pedido de Spike Lee — para integrar a banda sonora do agora clássico Do the Right Thing — que se tornaria num dos êxitos mais representativos do grupo liderado por Chuck D. O instrumental foi orquestrado pela Bomb Squad, a equipa de produção do colectivo, que agregou e manipulou uma série de samples para chegar ao resultado final. Os sons de percussão foram, de forma intencional, deixados fora do tempo, de modo a criar uma sensação de desconforto e tensão — afinal, a ideia era provocar isso mesmo com a letra que apontava o dedo aos problemas sociais experienciados pela comunidade afro-americana. O noise resultante fez com que os Public Enemy fossem conquistar muitos fãs ao mundo do rock. Aliás, haveriam de colaborar com os Anthrax um par de anos depois. Por outro lado, os seus versos levaram-nos a evangelizar jovens em todo o mundo para a sua causa. “Fight The Power” mantém-se como um dos temas mais importantes de todo o século XX, arriscamos dizer, representando ainda uma revolução na forma como a tecnologia foi usada para desconstruir as supostas regras das canções.


[A Tribe Called Quest] “Can I Kick It?” (1990)

Na linha dos De La Soul, os A Tribe Called Quest apareceram logo a seguir com o seu álbum de estreia, People’s Instinctive Travels and the Paths of Rhythm. Também de Nova Iorque, interessados em explorar pontes com o jazz e dispostos a apostar no pouco convencional, o grupo sobretudo produzido por Q-Tip teve em “Can I Kick It?” um dos seus maiores singles de sempre. Embora fundisse diversos samples, a apropriação de um trecho de “Walk On the Wild Side”, de Lou Reed, era mais do que evidente. E mostrava que era possível reinventar canções usando de forma tão assumida temas icónicos, já conhecidos. “Can I Kick It?” também foi um cartão de visita exemplar para os grooves marcantes que ficariam sempre associados ao grupo.


[Cypress Hill] “How I Could Just Kill a Man” (1991)

DJ Muggs é um símbolo de mestria e veterania dentro da cena da West Coast. Em 1991, era ele o responsável pelos beats onde aprendemos a escutar os versos de B-Real, ambos parte do grupo Cypress Hill. “How I Could Just Kill a Man” foi o primeiro single de sempre da trupe de South Gate, Califórnia, e tornou-se num hino para a comunidade latina, que mantém uma forte ligação com o hip hop desde o berço, tendo até sido alvo de um cover por parte dos Rage Against The Machine. E se em tempos os holofotes incidiam praticamente todos sob B-Real, hoje Muggs goza de um estatuto de lenda viva pelos inúmeros lançamentos que continua a protagonizar através da sua Soul Assassins.


[Eric B. & Rakim] “Don’t Sweat the Technique” (1992)

Inegavelmente uma das duplas mais importantes de sempre, estiveram no activo entre 1986 e 1993 (voltaram a reunir-se entretanto para regressar à estrada, em 2016), tempo mais do que suficiente para se tornarem eternos dentro do cancioneiro do hip hop. Eric B. & Rakim junta um produtor prendado àquele que é considerado um dos melhores MCs de todos os tempos, eles que, juntos, se despediram dos discos em 1992 com Don’t Sweat the Technique. No tema-título desse trabalho, salta à vista a desenvergonhada aproximação ao jazz, com um beat que podia muito bem ser criação de uma qualquer banda deste “novo jazz”, herdeiro da cultura das batidas electrónicas, que tanta tinta tem feito escorrer por estas páginas.


[Pete Rock & CL Smooth] “They Reminisce Over You (T.R.O.Y.)” (1992)

Principal single do álbum de estreia de Pete Rock & CL Smooth, “They Reminisce Over You (T.R.O.Y.)” não demorou a conquistar um estatuto de clássico. Inspirado pela morte de um amigo próximo, Pete Rock sentiu-se emocionado com alguns dos samples que estava a descobrir — sendo o produtor notório por usar trechos de discos mais obscuros de jazz ou soul — e construiu o instrumental sobre o qual Smooth escreveu os seus versos. Seria o primeiro sucesso da dupla, mas, sobretudo, de Pete Rock, que se viria a afirmar como um dos grandes produtores do hip hop norte-americano durante os anos 90.


[Dr. Dre] “Nuthin’ but a ‘G’ Thang” feat. Snoop Dogg (1992)

Em 1992, o conceito de West Coast rap estava já mais do que cristalizado e residia sob a asa do que então se denominou por g-funk. Em comparação com o que se fazia na costa contrária, esta era uma vertente do hip hop que ia beber muita da sua informação às corrosivas linhas de sintetizadores que invadiram as formações de funk a partir da década de 70, como os Parliment Funkadelic, Isley Brothers ou Ohio Players. “Nuthin’ but a ‘G’ Thang” é das melhores fotografias sónicas dessa era e serviu para promover The Chronic, disco clássico que apresentou Dr. Dre como um artista completo, a dominar não apenas a arte do beatmaking mas também a do MCing.


[Guru] “Loungin’” (1993)

Foi no início dos anos 90 que Guru, um dos rappers mais relevantes da época, metade dos Gang Starr ao lado de DJ Premier, apostou num projecto de vanguarda intitulado Jazzmatazz, que teria diversos volumes. A fórmula é simples e hoje até pode parecer banal, mas na altura era um rasgo em comparação com aquilo que se fazia, já que Guru rimava sobre uma base instrumental criada ao vivo por uma banda de jazz, sendo que o resultado final ainda continha elementos de produção tradicional de hip hop. Nestes discos marcantes de fusão, que estabeleceram pontes e abriram portas para o rap em vários circuitos, uma das faixas que sobressaíram foi esta “Loungin’”, com uma participação fulcral do trompetista Donald Byrd.


[Wu-Tang Clan] “C.R.E.A.M.” (1993)

Numa fase em que o g-funk da West Coast parecia dominar o rap game, o hip hop nova-iorquino foi assumindo uma forma mais crua e hardcore no início dos anos 90. Um dos colectivos que encabeçaram essa resposta e que definiram uma era foram os incontornáveis Wu-Tang Clan, que em 1993 se estrearam com o álbum Enter the Wu-Tang (36 Chambers). Sob a batuta de RZA, produtor e cabecilha, o grupo apresentou-se com uma sonoridade suja que coincidia com os relatos das vivências de rua. Se também havia faixas mais focadas no egotrip e no universo quase fantasioso alimentado pelo imaginário dos filmes de kung-fu, outros temas destacaram-se pela sua sobriedade, sentido de realidade e consciência social. Foi o caso de “C.R.E.A.M.”, com versos de Raekwon e Inspectah Deck, e refrão de Method Man, que demonstrava como um sample sublime repetido em loop poderia ser a simples linha orientadora de um beat minimalista mas profundamente impactante.


[Warren G] “Regulate” feat. Nate Dogg (1994)

Uma das vantagens do g-funk era a sua versatilidade na abordagem, já que a sua riqueza musical tornavam-no num ambiente propício não apenas para rappar, mas também para cantar. Warren G destacou-se entre essas duas vertentes, aplicando mais melodia nas rimas, quando surgiu com Regulate… G Funk Era, inteiramente produzido por si e recheado de convidados. Entre eles estava Nate Dogg, bem mais arrojado nas cantorias, cuja contribuição em “Regulate” foi fulcral para o estatuto de clássico da faixa. Embelezar temas foi algo que viria a fazer com outros êxitos ao longo de uma carreira bastante peculiar — o malogrado “King of Hooks” espalhou o seu perfume em hits como “21 Questions“, “The Next Episode” ou “Shake That“.


[Beastie Boys] “Sabotage” (1994)

Enquanto os Run DMC se aproximavam do rock de forma mais pontual, os Beastie Boys assumiram essa fusão de forma constante desde o álbum de estreia, Licensed to Ill (1986). Depois do empurrão dado por Rick Rubin no início da carreira, através de singles como “Fight For Your Right” e “No Sleep Till Brooklyn”, foi ao quarto álbum (Ill Communication) que o trio de Nova Iorque alcançou aquele que é o seu maior êxito oriundo deste encontro entre punk e rap, “Sabotage”, aqui auxiliados pelo produtor brasileiro Mario Caldato, Jr., ele que é também uma referência a nível mundial e com quem o trio passou a trabalhar desde o segundo LP.


[Nas] “N.Y. State of Mind” (1994)

Passaram-se quase 30 anos, mas Illmatic, o álbum de estreia de Nas, mantém-se como um clássico incontornável da cultura hip hop. Um jovem rapper exibia as suas capacidades líricas (e que capacidades) enquanto descrevia a sua realidade dura em Nova Iorque e os problemas que o rodeavam, por cima de beats impactantes com samples de jazz ou soul, reforçando a magnitude do boom bap. DJ Premier foi um dos principais responsáveis pela componente sonora do disco e serviu a Nas o instrumental que viria a tornar-se numa das melhores canções deste álbum histórico, a icónica “N.Y. State of Mind”.


[Common] “I Used to Love H.E.R.” (1994)

Antes de ver nascer para a música gente como Kanye West, Chance The Rapper, Chief Keef ou Juice WRLD, houve uma altura em que Chicago tinha Common, No I.D. e pouco mais. Os dois bastaram para chegar ao resultado de “I Used to Love H.E.R.”, uma das canções mais bonitas da história do hip hop e, provavelmente, exemplo máximo de um tipo de metáfora que se tornou comum no rap — falar de uma mulher a representar a cultura. Com o passar dos anos, nos bastidores, No I.D. tornou-se um rosto de enorme respeito — foi presidente da G.O.O.D. Music (de Kanye West) e vice-presidente executivo de A&R para a lendária Def Jam Recordings, sendo hoje vice-presidente executivo da Capitol Music Group. Ao longo de mais de três décadas produziu para Jay-Z, G-Unit, Pusha T, Vince Staples, Big Sean ou Jhené Aiko.


[Mobb Deep] “Shook Ones (Part II)” (1995)

Até surgiram um pouco antes dos Wu-Tang, mas nem o beat de DJ Premier em “Peer Pressure” os conseguiu catapultar imediatamente para a ribalta. Os Mobb Deep tiveram de esperar até ao segundo disco, The Infamous, para provarem que eram dignos de representar uma Nova Iorque mais sombria dentro dos quadros do hip hop. As mandíbulas de Prodigy e Havoc foram suficientemente letais para manter activa uma carreira que, apesar dos altos e baixos, foi sempre olhada com bastante respeito. A segurar a grande parte da produção do duo esteve Havoc, detentor de uma habilidade que lhe permite criar facilmente beats que nos causam calafrios, como é este “Shook Ones (Part II)”.


[Three 6 Mafia] “Tear Da Club Up” (1995)

Muitos anos antes da explosão do trap, precursores como os Three 6 Mafia — colectivo de Memphis, no sul dos E.U.A. — faziam faixas como “Tear Da Club Up”. Com percussões digitais que mais tarde se tornariam o padrão rítmico característico do trap (e, pelo meio, do crunk), operavam no underground uma autêntica revolução interna no hip hop, plantando a semente que mais tarde originaria mil frutos. Curiosamente, “Tear Da Club Up”, que apareceu numa fase em que o grupo deixava para trás o horrorcore mas se mantinha a fazer música abrasiva para o clube, foi proibida de ser tocada em muitas discotecas graças à letra incitadora de problemas.


[DJ Screw] “My Mind Went Blank” (1995)

Quando o hip hop entrou na sua era dourada, já Robert Earl Davis Jr. era um DJ que acompanhava e participava no movimento a partir do Texas. É nos anos 90 que se começa a dar por ele, quando a sua técnica de mixagem introduz ao mundo o que viria a ficar conhecido como chopped & screwed, uma forma de apresentar as faixas em rotações mais reduzidas, com cortes no tempo e vários tons abaixo, acabando por criar uma paleta sonora completamente diferente. DJ Screw liderou a Screwed Up Click (onde contracenou com algumas das figuras mais proeminentes dos early days do rap de Houston) até morrer de overdose em 2000. O seu legado tem sido constantemente alvo de estudo, gerando ensaios em publicações e documentários em vídeo.


[Outkast] “ATLiens” (1996)

Os Outkast tinham tudo para dar certo. Ambos donos de um enorme carisma, as evidentes diferenças que existem entre André 3000 e Big Boi acabam por ser aquilo que musicalmente os une, e ainda por cima integravam a grande Dungeon Family, um colectivo sediado em Atlanta, Georgia, onde coabitavam com outros grupos, como os Organized Noize, equipa de produção composta por Rico Wade, Ray Murray e Sleepy Brown, que assinaram a poderosa “Waterfall“, das TLC, em 1995 — peritos, por isso, em estéticas próximas do r&b e da neo-soul. Foi, essencialmente, destas cinco cabeças que nasceram os primeiros discos com a assinatura dos Outkast, peça fulcral para a ascensão do rap sulista e que apresentava uma proposta bem diferente do habitual. No seu segundo ATLiens, a dupla inspirou-se na temática do espaço e recorreu a elementos do dub para atribuir uma profundidade adicional à sua música.


[DJ Shadow] “Organ Donor” (1996)

Foi há quase 30 anos que DJ Shadow lançou a obra-prima de seu título Endtroducing..…, o seu primeiro álbum, que rapidamente se tornou num enorme marco não só para a história do hip hop mas também para a da música instrumental no geral. Primeiro aclamado na Europa e só depois nos seus E.U.A., a manipulação sofisticada de samples e a construção única de arranjos fizeram com que este fosse um disco ultra-influente, contribuindo também para a corrente daquilo a que se começava a chamar trip-hop em meados dos anos 90. “Organ Donor” é um dos melhores exemplos deste disco variado, que junta samples de tantas origens para gerar autênticas pérolas sonoras. Como dizia Grandmaster Caz, “o hip hop não inventou nada, mas reinventou tudo”.


[DMX] “Ruff Ryders’ Anthem” (1998)

Após as mortes de Tupac Shakur e Notorious B.I.G., o próximo nome que viria a brilhar seria o de DMX. Foi em 1998 que lançou o seu álbum de estreia, It’s Dark and Hell is Hot, onde se destacou este single produzido por Swizz Beatz, que se tornaria num nome cada vez mais relevante no panorama. O tema tem uma produção bastante peculiar, já que tem a cadência de uma marcha militar. O uso de ad-libs como elementos rítmicos, que anos mais tarde os Migos tornariam a sua imagem de marca, já se fazia pressentir aqui, ainda que de outra forma. Alegadamente, DMX não gostou do beat à primeira escuta, não o considerando hip hop o suficiente por fugir à norma, mas terá sido a sua energia que o levou a recuar e a acolher rimar sobre ele.


[D.I.T.C.] “Day One” (2000)

Quando o motto era diggin’ in the crates, a D.I.T.C. era a crew certa para se estar. Lord Finesse, Buckwild e Diamond D já estavam a ganhar alguns créditos no circuito do hip hop ao nível da produção, ao mesmo tempo que se encontravam a edificar um colectivo que quis dar nova vida à técnica do sampling e abordagens diferentes à arte da rima. Os primeiros a colher os frutos deste conjunto foram os MCs, que automaticamente garantiram uma luxuosa equipa de beatmakers para os seus primeiros trabalhos a solo durante os anos 90. O verdadeiro poder da D.I.T.C. só se veio a manifestar no virar do milénio com um álbum homónimo de fino recorte e contornos clássicos, onde se destacam as vozes de Big L, Fat Joe ou A.G. em temas como este “Day One”, mas também o vertiginoso “Thick” ou o cru e pujante “Da Enemy“.


[Jay-Z] “Izzo (H.O.V.A.)” (2001)

Embora Jay-Z tenha tido a sua carreira algo revitalizada com o seu sexto álbum, The Blueprint, a presença de “Izzo (H.O.V.A.)” nesta lista tem mais a ver com o momento em que Kanye West começou por dar nas vistas enquanto produtor da Roc-a-Fella. Manipulando samples de soul com um olhar renovado, dando novas sonoridades ao hip hop dos anos 2000, deu provas do seu talento e do monstro musical em que se viria a tornar. 


[Gorillaz] “Clint Eastwood” (2001)

Em 2001, Damon Albarn já dirigia o leme numa banda de rock de sucesso, os Blur, mas estava certamente encantado com todo um novo mundo de possibilidades sónicas que vieram com a implementação da cultura do hip hop à escala mundial. Da vontade de explorar a sua criatividade noutros contextos inventou uma banda de desenhos animados completamente enquadrada com os parâmetros desta cultura, como se nota desde logo na capa do seu primeiro LP — um “gang” de personagens fictícias com cara de poucos amigos, montados num bólide todo-o-terreno e o nome do projecto estampado ao estilo do graffiti. Devido à maleabilidade do género, a alma musical do grupo foi sempre além do óbvio, conjugando a estética beat com elementos de dub, punk, trip hop, disco ou até mesmo bolero. A componente do rap, não só também fez parte como foi executada por um praticante nosso conhecido: Del the Funky Homosapien, dos Hieroglyphics, emprestou a sua voz para esta missão e foi estrela em “Clint Eastwood” e “Rock The House“.


[Cannibal Ox] “Atom” (2001)

Na transição para o presente milénio, a Definitive Jux era a editora a ter em conta para os amantes do pensamento e execução mais disruptivos. Quem fundou e capitaneou a editora de Nova Iorque foi El-P, ele que hoje é metade dos Run The Jewels e um dos nomes mais respeitados dentro do circuito do indie rap. Mais do que um mero líder, Jaime Meline andou sempre com as “mãos na massa”, quer fosse em investidas dos seus Company Flow, a editar projectos a solo ou a produzir para os seus muitos pupilos. Foi ele quem assegurou a produção integral para The Cold Vein, álbum de estreia de Cannibal Ox e um dos maiores clássicos a constar no catálogo da Def Jux, mas a sua afinação ao nível das batidas estendeu-se a gente como Mr. Lif, Murs ou Cage.


[Lil Jon & The East Side Boyz] “Bia’ Bia'” feat. Ludacris, Too $hort, Big Kap & Chyna Whyte (2001)

Para compreendermos a forma como o hip hop evoluiu na América, e como Atlanta acabaria por dominar o panorama nacional com a explosão do trap, temos de recuar até às origens dos subgéneros associados ao sul do país e até à segunda metade dos anos 90. Foi nessa altura que, inspirados pela Miami bass music, uma série de artistas de hip hop começaram a construir um estilo enérgico (quase caótico), recheado de sintetizadores e graves, com refrões repetitivos que pediam para serem entoados num ambiente de clube. Assim nascia aquilo que viria a chamar-se crunk, do qual Lil Jon, rapper de Atlanta, foi um dos principais precursores. O single “Bia’ Bia’”, do seu terceiro álbum Put Yo Hood Up (com os The East Side Boyz), é muitas vezes creditada como a primeira música do género que conseguiu atingir uma dimensão nacional (e depois além-fronteiras), levando o crunk até ao mainstream, influenciando inúmeros artistas que mais tarde viriam a formar as bases daquilo que chegou até nós como trap. Lil Jon e companhia tiveram definitivamente uma força transformadora que iria alterar por completo o paradigma do hip hop.


[Missy Elliott] “Work It” (2002)

Entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, um dos produtores mais marcantes no universo do hip hop — mas também do r&b e da música pop feita na altura — foi, sem sombra de dúvida, Timbaland. Com os seus instrumentais calorosos e envolventes, de ritmos muito próprios, fez história e deixou um autêntico legado. “Work It”, de Missy Elliott, uma das suas principais colaboradoras, é um belo exemplo entre tantos — sendo que este tema em concreto foi algo inspirado pela estética do hip hop do início dos anos 80.


[Clipse] “Grindin’” (2002)

Pharrell Williams e Pusha T são, hoje, figuras autonomamente maiores da praça do hip hop norte-americano, mas há que relembrar que ambos ganharam tracção, primeiro, a partir de respectivas duplas formadas na década de 90: um conquistou meio mundo ao lado de Chad Hugo em nome de The Neptunes, o outro fez escola com Clipse junto do irmão No Malice. Haviam de se cruzar, então, em Lord Willin’, disco que deixou pegada mais profunda dos irmãos de Virginia Beach nascidos no Bronx — muito por culpa de temas como “Grindin’”, exemplo máximo da identidade rítmica dos Neptunes que tanto impacto teve ao virar do milénio.


[Madvillain] “Figaro” (2004)

Por muito curta que se faça uma lista dos discos mais importantes das cinco décadas de existência da cultura feita género musical dominante, dificilmente Madvillainy não terá um lugar garantido. Com o malogrado MF DOOM (sempre em maiúsculas, nunca esquecer) a encabeçar uma das mais icónicas duplas que o rap viu nascer, Madlib é quem está por trás do homem por trás da máscara. O génio do reservado produtor de Oxnard, Califórnia, espalha-se por mãos cheias de trabalhos e parcerias, mas algumas das suas mais emblemáticas batidas alinham-se entre as engenhosas rimas de Daniel Dumile, casamento perfeito celebrado num retiro criativo que os juntou, debaixo do mesmo tecto — em salas separadas e praticamente sem se verem —, para criarem uma peça irrepetível.


[Little Brother] “Lovin’ It” (2005)

Foi como membro dos Little Brother, ao lado dos rappers Phonte e Big Pooh, que 9th Wonder, um dos produtores mais conceituados deste milénio, se afirmou no panorama do hip hop. Ficou conhecido pelo uso de samples suaves de soul, de batidas de recorte clássico recheadas de musicalidade e sentido melódico, sem o peso do boom bap dos anos 90. “Lovin’t It”, com a participação de Joe Scudda, foi um dos singles do segundo álbum do grupo, o aclamado The Minstrel Show, que seria o último trabalho com a participação activa de 9th Wonder. O produtor deixaria o grupo em 2007 para protagonizar uma carreira com sucesso, colaborando com nomes importantes do rap, r&b e da música pop.


[J Dilla] “Lightworks” (2006)

É impossível escrever sobre a história instrumental do hip hop sem falar de J Dilla, um dos produtores mais inventivos e influentes do género, que partiu demasiado cedo mas deixou uma vasta obra. Donuts é, provavelmente, o expoente máximo do seu espólio, além de ser um disco profundamente simbólico por ter sido construído no hospital e lançado apenas três dias antes da sua morte. É o álbum icónico que inclui esta “Lightworks”, que mostra o estilo diferenciado de Dilla na produção, com uma densidade ímpar no sampling, um beat recheado de camadas e camadas de sons.


[Plastician] “Intensive Snare” feat. Skepta (2007)

Nascido a partir do UK garage, jungle, dancehall ou hip hop, o subgénero do grime apareceu em Londres no início dos anos 2000. Com beats acelerados e melodias agressivas, rapidamente casou na perfeição com os discursos de rappers que rimavam sobre as suas vivências urbanas. Em 2007, um dos produtores que exploravam esta nova sonoridade, Plastician, aliou-se a um desses MCs, o agora célebre Skepta, que até tinha começado o seu percurso como DJ. O resultado foi esta “Intensive Snare”, uma descarga eléctrica explosiva que viria a inspirar muitos outros e abrir caminho até ao circuito mainstream.


[Tyler, The Creator] “Yonkers” (2011)

Foi o single que colocou o nome de Tyler, The Creator no mapa. Ele bem avisou no início da letra que era um walking paradox e este tema demonstra isso mesmo. O rapper e produtor alegaria mais tarde, numa entrevista, que construiu este beat em apenas oito minutos de forma a satirizar o estereótipo do rap nova-iorquino. Enquanto o fazia, construía a sua própria escola e estilo disruptivo, quebrando as normas do género para o levar por um caminho mais experimental e electrónico. Foi a primeira grande criação de Tyler, que influenciaria inúmeros artistas que viriam a seguir.


[Captain Murphy] “Between Villians” feat. Viktor Vaughn & Earl Sweatshirt (2012)

Alter ego de Flying Lotus, Captain Murphy foi responsável por cumprir um velho sonho de Thebe Neruda Kgositsile: para quem cresceu a ouvir e se formou a estudar as letras de MF DOOM, dividir versos com o eterno herói no papel de vilão — por sua vez, sob o alter ego de Viktor Vaughn — terá sido, certamente, um dos pontos altos da carreira de Earl Sweatshirt. E um cruzamento entre duas gerações dos mais brilhantes letristas dedicados a um rap mais técnico, ainda para mais estreado através da Adult Swim com o título “Between Villains”, só poderia ter sido feito sobre uma camada instrumental lúgubre e tenebrosa — com o baixo de Thundercat a acentuar essa tónica.


[Kanye West] “Black Skinhead” (2013)

Hoje, Kanye West é muito mais uma figura bizarramente mediática do que um artista disruptivo, mas o legado do rapper e produtor de Chicago é incontornável desde que ele apareceu em cena. Há, definitivamente, um pré e um pós-Ye na história do hip hop, e existe, também, uma divisão histórica igualmente profunda na discografia do autor de Yeezus. E, depois de conceber uma obra prima como My Beautiful Dark Twisted Fantasy (considerado pela crítica como um álbum perfeito e o melhor da década passada), Kanye veio a provar que conseguia ir ainda mais longe na produção de canções capazes de conduzir revoluções.


[Kendrick Lamar] “Momma” (2015)

Não há dúvidas de que To Pimp a Butterfly é um dos álbuns mais marcantes deste século. Foi o disco que realmente catapultou Kendrick Lamar, depois de já ser um nome consagrado no circuito hip hop graças a good kid, m.A.A.d city, e que o levou por um caminho mais aproximado do jazz, funk e soul contemporâneos — o que fazia todo o sentido sendo um disco tão focado na experiência afro-americana. Revivalista e vanguardista ao mesmo tempo, influenciado pela tradição africana mas também pelo g-funk da West Coast, combinou os melhores sons e arranjos (num disco com créditos de Sounwave, Terrace Martin, Flying Lotus, Thundercat, Pharrell Williams, Dr. Dre, Boi-1da, Knxwledge, Ronald Isley ou George Clinton) com uma mensagem politizada e de grande consciência social. “Momma” é um belo exemplo do experimentalismo sedoso e da neo-soul que também pauta o disco.


[KAYTRANADA] “Glowed Up” (2016)

Produtor canadiano, KAYTRANADA é um dos artistas que já podemos enquadrar num conceito de pós-hip hop, no sentido em que foram fortemente influenciados pelo género (e pelo método), mas acabaram por o levar noutras direcções. No seu álbum de estreia, 99.9%, KAYTRANADA apresentava-se com beats dançáveis em que o hip hop se revestia de texturas electrónicas e digitais, mostrando uma sonoridade original, refrescante e melódica, embora sem o peso que muitas vezes caracteriza o hip hop. Um dos temas que sobressaíram nesse disco foi este “Glowed Up” com a participação de Anderson .Paak, uma faixa que tanto evidencia o talento do produtor como do rapper.


[Migos] “Bad and Boujee” (2016)

Revelou-se um dos principais exemplos de canções que representaram a ascensão do trap ao mainstream. Com uma estética algo pesada (talvez até arrepiante) mas ainda assim inegavelmente catchy, recheada de graves, esta faixa produzida por Metro Boomin (um dos produtores essenciais nesta era do hip hop) contém os Migos a fazer uso dos seus característicos ad-libs como elementos rítmicos da canção. Ainda que o conteúdo não fosse particularmente distinto ou entusiasmante, a forma era certamente fresca. E tornou-se num modelo para tantos outros artistas pelo mundo fora.


[67] “Let’s Lurk” feat. Giggs (2016)

Com a trajectória em ascendente do trap nos últimos 20 anos, seria normal que entretanto fossem surgindo ramificações a este estilo específico dentro da cultura hip hop. O primeiro “laboratório” de drill foi montado em Chicago no início da década passada, tendo tido Chief Keef, Lil Reese ou Lil Durk com principais rostos. Em boa verdade, a agressiva cadência original falhou em também ela conquistar o mundo, mas fez pelo menos o suficiente para plantar uma bela semente em Inglaterra, mesclando-se entre a sua paisagem sonora urbana e inspirando artistas a reformulá-la. Tida como uma das primeiras tentativas de sempre em emular o pattern que virou standard, “Let’s Lurk” colocou o veterano Giggs a somar uma nova entrada nos manuais de história, que foi convidado da crew 67 neste seu mais emblemático single.


[Drake] “God’s Plan” (2018)

Com os nomes de Cardo, Boi-1da e 40 na produção, este gigantesco hit de Drake tem um apelo trap mas sobretudo um calibre pop. Ao longo dos anos, o rapper canadiano experimentou diversas tendências musicais (desde o grime ao afrobeat), como se fosse uma máquina pop a absorver sonoridades refrescantes para criar um produto apetecível para o seu enorme público. “God’s Plan”, que fala precisamente sobre a fama e o impacto de Drake, foi mais um tiro acertado que representa bem o rap mais pop que se fez nos últimos anos.


[JPEGMAFIA] “Baby I’m Bleeding” (2018)

A evolução do hip hop na sua vertente musical ao longo das décadas abriu espaço a ramificações várias, e os circuitos alternativos do rap desenvolveram-se a olhos vistos por essa América fora. Para uns perdeu a essência, mas para outros ganhou mil e uma novas formas de expressão — uma elasticidade representada por gente como JPEGMAFIA que, com “Baby I’m Bleeding” a título de exemplo, veio dar real significado ao adjectivo “irreverente”, não só na sua expressiva voz, mas sobretudo na inusitada inventividade subjacente às suas matrizes de produção. Veteran é um clássico do rap de vanguarda e digno descendente de uma linhagem disruptiva iniciada pelos Death Grips.


[Daringer] “Villa” (2019)

Se Griselda é um dos selos mais diferenciadores do rap contemporâneo, tal conquista muito se deve à mestria de Daringer. É certo que a inacreditável capacidade lírica de Conway The Machine, a entrega brutal de Benny The Butcher e a visão artística de Westside Gunn vieram, por si só, reformular as regras do jogo, mas a sedimentação de uma estética sonora que os une enquanto líderes de uma temível turma de atiradores furtivos de barras e bricks deve-se, em grande medida, ao cunho do produtor de Buffalo, Nova Iorque. E esse padrão define-se pela estrutura de beats como “Villa”.


[Roc Marciano & The Alchemist] “Quantum Leap” (2022)

Apesar de, nesta listagem, The Alchemist só aparecer em 2022, a sua marca na história do hip hop já se estende para lá das últimas três décadas. O “discípulo” de DJ Muggs até começou pelas rimas, mas o seu longo percurso no rap estava reservado à manufactura de inesquecíveis batidas que, gerações atrás de gerações, permaneceram relevantes. Prova disso são os últimos anos, em que Alan Daniel Maman tem produzido mais que nunca e acrescido à sua discografia uma série de volumes incontornáveis por estes dias. The Elephant Man’s Bones é, por excelência, exemplo da longevidade que, aqui ao lado do incomparável Roc Marciano — mestre da palavra que, por sua vez, tem também uma palavra a dizer no que diz respeito à produção —, continua, ainda hoje, na linha da frente do corte e costura das mais preciosas peças instrumentais que o género já testemunhou. Em “Quantum Leap” é elevada a estética drumless, que atravessa neste momento um novo pico de popularidade, já que a ausência de um drum kit vincado parece abrir espaço para que os MCs alcancem maior elasticidade nos flows.


[Kenny Beats] “Hold My Head” (2022)

Depois de mais de uma década a produzir para uma infindável lista de reconhecidos artistas (Ab-Soul, Aitch, Denzel Curry, Dominic Fike, Freddie Gibbs, Gucci Mane, JID, Pink Siifu, Remi Wolf, Rico Nasty, Roddy Rich, ScHoolboy Q, slowthai, Smino, Smoke DZA ou Vince Staples, para mencionar “alguns”), Kenny Beats fez-se, finalmente, ao seu primeiro álbum de estúdio em nome próprio em Agosto do ano passado. A razão que o levou a demorar tanto para fazê-lo prendeu-se, segundo o próprio, pelo tempo certo em que teria, então, algo realmente importante para dizer através da sua música. O diagnóstico de um cancro terminal ao seu pai serviu, pelas piores razões, de alavanca para o primeiro longa-duração a solo do produtor do Connecticut — e em LOUIE são vários dos músicos para quem Kenny já havia produzido que o assistem na sua demanda maior. Mas projectos como a série The Cave (em que se propunha a produzir um beat na hora para cada artista convidado sacar um freestyle em tempo real) ou o seu canal da Twitch (onde dava a conhecer os seus segredos da arte da produção) bastam para cimentar o seu valor neste ofício.

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