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Publicado a: 11/05/2016

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kaytranada

[TEXTO] Alexandre Ribeiro

O mundo virtual deixou de ser real para Kaytranada e o SoundCloud tornou-se demasiado pequeno para um dos mais talentosos produtores a emergir do digital. 99,9% é sintomático do que ouvimos durante as 15 faixas e só não chega aos 100% porque isso significaria fechar as tabelas de melhores do ano em Maio – e ninguém quer isso. Kaytranada tem a visão – os convidados encaixam de forma perfeita – e este lançamento pela XL Recordings – casa de ilustres tão diferentes como Radiohead, FKA twigs ou Adele – é um dos favoritos a terminar o ano no topo.

Partimos de um princípio óbvio para qualquer fã de Kaytranada: o produtor canadiano tem um skill elevado no que toca ao ritmo. As suas drums são exactamente o que qualquer cientista musical pode desejar numa faixa e, por norma, trazem fogo que chegue para que a pista de dança seja o teu melhor ou o pior inimigo. “Bus Ride” com Karriem Riggins e River Tiber é exemplo notório do que dois mestres – em estados diferentes da sua carreira – conseguem fazer com um som (aparentemente) despido, mas intrincado a nível rítmico. Reminiscências de J Dilla a serem emanadas por todos os recantos desta faixa. A ligação a Dilla não é inocente, já que o produtor de Montreal afirmou num pequeno vídeo para a FACT que o seu álbum favorito é Donuts, a bíblia do hip hop instrumental.



“Sou hip-hop em tudo o que faço”, conta Kaytranada numa entrevista perdida algures pelos milhares de milhões de vídeos do Youtube. O hip hop em 99,9% está com Vic Mensa no single “Drive Me Crazy”, música com bounce incrível onde vemos Chicago e Montreal ligados como se vivessem no mesmo sítio e respirassem o mesmo ar – a cultura vai-se disseminando e o Bronx é cada vez mais uma realidade longínqua.

A clarividência de Kaytranada vai a tantos locais e momentos da história que este álbum é o maior atestado de cultura digital que tivemos nos últimos tempos. Recupera Craig David – nome fulcral do r&b feito em Inglaterra – para “Got It Good”, malha que, provavelmente, envergonhará todos os nomes que surgem a fazer o – agora trendy – trap’n’b, e vai buscar Phonte – membro dos Little Brother e nome relevante no hip hop underground americano – para mostrar em “One Too Many” como na velha escola também se sabia cantar e rimar ao mesmo tempo de forma superlativa.



E saltamos para o futuro: AlunaGeorge, GoldLink, Anderson .Paak, BADBADNOTGOOD, Syd tha Kid ou River Tiber são tudo nomes a rasgar as normas do que se tem feito a nível do universo que envolve o r&b, electrónica, hip hop ou soul. Quem trabalha na indústria sabe quem são, quem anda mais desatento vai acabar por ouvir falar deles. Os nomes mencionados poderiam facilmente constar em qualquer artigo na Internet intitulado “6 nomes a seguir segundo Kaytranada”.

As qualidades do produtor canadiano para juntar um número de talentos emergentes e dar-lhes o que precisam são notórias. Os destaques aqui são Anderson .Paak – o novo diamante de Dr.Dre – e os sempre argutos BADBADNOTGOOD: o primeiro brilha em “Glowed Up” com o seu estilo reconhecido – voz rouca e swing no flow – sobre graves imponentes construídos pela mente iluminada de Kaytranada; os segundos entram logo com uma linha de baixo fantástica a introduzir-nos para uma composição que tem synths à Tame Impala e uma maturidade assustadora que continua a surpreender devido à juventude dos intervenientes.



Até agora só falámos das canções onde ele convida outros a brilhar através da sua luz, mas Kaytranada também brilha sozinho neste novo capítulo da sua história discográfica. 4 faixas a deixarem-no no escuro a brincar com as suas ferramentas. “Track Uno” abre o disco e tem balanço disco a mostrar que Kaytranada não tem medo de olhar para um género que esteve mal-visto durante anos, “Despite the Weather” é um instrumental clássico hip hop a pedir licença a nomes como Pete Rock, Madlib ou J Dilla para se chegar à frente num passado que não é dele, “Breakdance Lesson nº1” é mais um desafio para a mente do que para o corpo – apesar do nome da faixa –e “Lite Spots” é o produtor canadiano a mostrar que a música brasileira também passou pelos seus ouvidos – Sango, não és o único.



O mundo parou para ouvir a estreia do produtor e os músicos estão com ele – Questlove foi dos últimos a mostrar amor, como se pode ler no tweet acima. Os remixes ficaram para trás e a Internet também: Kaytranada é mais real que nunca.

 

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