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Publicado a: 30/05/2018

JPEGMAFIA, o veterano urbano voltou

Publicado a: 30/05/2018

[TEXTO] Nuno Afonso [FOTO] Micah E. Wood

Quase a assinalar um ano após os trágicos acontecimentos em Charlottesville, durante a manifestação da Unite the Right, a poeira ainda não assentou completamente. São muitas as questões e as emoções envolvidas, tão baralhadas quanto alinhadas, quase em simultâneo. Ficou demonstrado que a repressão é real, a violência tem caras e há uma trincheira aberta, dividida em diversas outras. O rap, por tantas e óbvias razões, tem sido um canal onde esta informação tem corrido durante décadas a fio. E continua a sê-lo. O Pulitzer ganho este ano por Kendrick Lamar vem apenas reforçar esse facto.

Distante desse campeonato de reconhecimento, mas incessante contribuidor para essa luta, encontra-se JPEGMafia. Projecto de um homem só. Produtor, MC, pensador e provocador inteligente, dele emana uma energia especial, aplicada às actuações intensas e aos vídeos inusitados. JPEG, Peggy ou Barrington DeVaughn Hendricks são os diferentes prismas de um genuíno criador dos nossos tempos. Cada álbum que tem editado parece acrescentar mais uma peça para uma instalação sonora em progresso.

 



Veteran veio a assumir-se como um esfíngico objecto musical em 2018, numa narrativa crua e algo filosófica, sobre uma América envolta em paranóia e desconfiança. Se estas ideias se condensam na lírica assertiva e mutante de JPEG, esteticamente assiste-se a todo um desenrolar sónico, onde sujidade e musculatura são características omnipresentes. As programações rítmicas espelham um encontro entre J Dilla e Throbbing Gristle com espaço ainda para experimentações mais cinematográficas. Vocalmente, Ol’ Dirty Bastard parece um bastião maior, unindo algum humor a tiradas igualmente surrealistas.

Como não poderia deixar de ser, sente-se uma carga política borbulhante. Afinal ele próprio cumpriu serviço militar e viveu o fado de ter pele negra numa comunidade regida por um racismo latente. Há algo de marginal em toda a sua história de vida biográfica cuja ponte com a vida criativa é apenas uma inevitabilidade. Escutá-lo é sinónimo de percorrer boa parte da realidade do “agora”, o que o torna num porta-voz (em jeito de anti-herói) de primeira linha.

Todavia, antes de Veteran já existia um corpo de trabalho imenso com vários mixtapes, em que se destacam Communist Slow Jams e Black Ben Carson. Já aí a intensidade dos sons e das palavras se mesclavam com a natureza híbrida resultante de tamanha alquimia. A melodia, lado a lado, com a cacofonia, é um um jogo de cintura belo e intrigante o qual o rapper definitivamente domina. O seu passado ligado ao punk, e a todo o espírito DIY, são experiências que não ficaram de fora quando decidiu também agarrar o microfone e dar voz às suas produções.

Num campeonato tão sobrepovoado como o do rap, com tantos fabulosos e atravessando uma momento especialmente criativo, JPEG é uma voz única. Consegue sê-lo, sem o procurar ser; fá-lo com um natural sentido de entrega, como se de uma missão se tratasse. Faz sempre falta alguém assim na música, independente de géneros ou épocas. Trocar as voltas, desafiar e deixar bem claro, se dúvidas houvessem, que ele está cá para entregar algo de maior. Um patrão, obviamente.

 


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