pub

Publicado a: 07/09/2017

Tyler, O Criativo

Publicado a: 07/09/2017

[TEXTO] Samuel Pinho [FOTO] Direitos Reservados

Long Beach, Los Angeles. Julho segue precisamente a meio e apesar da temperatura alta, o sol só queima os mais incautos. Mas nem isso impede todos os envolvidos – artista e público – de transpirar por tanto se abanarem. O cenário é o The Agenda Festival e o show é, todo ele, dado por Tyler Gregory Okonma. Olha a plateia de surra enquanto lhe é adivinhada a falha característica entre os incisivos. Alterna entre dance moves mais excêntricos e rodopios bamboleantes sob si mesmo; suspira, pestaneja, limpa o suor da testa e ordena “put your fuck**g phones away and jump”. Não incita à revolta mas convida à celebração.

No corpo, traz um conjunto de roupa num pandã rosa exemplar, entre camisa, calções e calçado. Uma combinação feliz, ainda que só passível de deslumbrar nele mesmo, de tão sui generis que é. Depois do sistema de som anunciar a próxima faixa, há um urro distinto, uma indagação retórica. Da boca de Tyler sai uma pergunta que a mim não me sai da cabeça: “WHO DAT BOY”?

 



O exercício de rewind não necessita ser especialmente prolongado para chegar à ilação de que Tyler sempre foi um artista controverso. Desde os tempos – para alguns, tidos como áureos – da liderança subliminar do colectivo Odd Future ou de uma faixa com mais de 50 palavras censuráveis – em Goblin ouvimos “fuck” 27 vezes – o artista que se orgulha de ser abrasivo como sempre e profícuo como poucos nunca escondeu ao que vinha: abalar e moldar a cultura pop. Pode parecer um eufemismo, tratarei de mostrar que não é.

O trabalho de Tyler – tal como as suas pretensões, repetidamente professadas – extravasa o universo musical. Não é demérito constatar que há rappers que só aspiram a isso mesmo, enquanto outros vêm no género uma porta de entrada para abraçar toda uma cultura, ao mesmo tempo que se fundem nela. E neste caso, nem só de música se faz arte.

 


[Tyler, O Designer]

Este subtítulo seria prontamente censurado pelo próprio. É dono de um ódio visceral, e amplamente difundido, ao mundo da moda, abominando tudo o que remeta para esse imaginário. Não obstante, foi desenhando e criando as próprias roupas. Assim foi com 17 anos, tendo mantido o hábito nos tempos do Odd Future Wolf Gang Kill Them All e fazendo-o perdurar até hoje. O próprio reduz a opção aos… materiais: “I just like making stuff and it happens to be in cotton and, like, materials.” E não falamos de merchandising menor.

A Golf Wang, marca pessoal do artista, contempla produtos de toda a gama de vestuário, para além da colaboração Vans Syndicate x Odd Future, uma colecção exclusiva de ténis Old Skool Pro em várias cores. Com os anos, algo concebido para o vestir a ele e aos colegas passou a vestimenta de culto, pelo menos para os fãs mais obstinados. Excluindo o compromisso tácito de divulgar, no mínimo, uma nova colecção a cada ano, tudo o resto é quase sempre incógnita.

Blusões, robes, camisas, calções, meias, correntes… Há de tudo e todas as peças, para além de serem desenhadas por Tyler, estão embuídas naquela aura Tyleriana que não se sente mas se vê. Cores garridas, minimalismo e iconoclastia aos montes.

Só o calçado é feito em sinergia com marcas conceituadas: a Vans tem sido a feliz contemplada, ano após ano, com várias colecções limitadas, se bem que este ano o autor parece ter mudado de ideias. Já estão à venda as Converse One Star x Golf Le Fleur, desenhadas pelo suspeito do costume.

 



O primeiro show da marca teve lugar o ano passado e acabou por se afastar bastante do desfile convencional. Esqueçam todos os estereótipos que possuem acerca de desfiles ou apresentações sazonais de moda e mergulhem neste certame conceptual feito à medida do seu criador.

Com a inglória limitação de já só conseguirem apanhar a última colecção lançada, a compra pode ser efectuada através do website ou nas lojas que albergam produtos da marca, espalhadas um pouco por todo o Mundo.

Se provas fossem necessárias de que Tyler, The Creator começa a ser uma figura a ter em conta na concepção de moda mais vanguardista, a edição da Vogue de Janeiro passado, em que é capturado pela lente do lendário Mario Testino e acompanhado por Kendal Jenner, foram o remate final de um jogo que o rapper já joga há algum tempo.

 


[Tyler, O Realizador/Argumentista]

Os leitores não terão, porventura, notado que o realizador dos videoclipes de Tyler é, sempre e invariavelmente, o mesmo? Pois. Wolf Haley figura em todas as listas de créditos e não é mais que um alter-ego do próprio Tyler. Para lá de algumas indicações a propósito dos MTV Video Music Awards, entre as quais se contam Melhor Direcção de Arte e Vídeo do Ano, é inegável que os clipes dirigidos pelo rapper ganham vida própria para além da música a pretexto da qual foram realizados.

O grafismo aumentado e a paleta de cores no intemporal “Tamale”, a teatralidade inundada por bonecada em “IFHY” ou a proximidade sinistra e monocromática de “Yonkers”. E como em tudo o resto, Tyler parece ter atingido o seu estado de graça na realização também em 2017. Prova irrefutável disso mesmo? O incrível videoclipe de “Who Dat Boy”.

 



Nem prémios, nem número de visualizações, nem elementos identitários semelhantes: se não fosse pela excentricidade, ninguém seria capaz de conectar os projectos supracitados, não fosse pela direcção de Wolf Haley.

Sabemos de antemão que no reino do aleatório, a coroa pertence ao rapper/designer/realizador/ argumentista. E a manutenção dessa coroa foi garantida aquando da divulgação da nova série documental de Tyler, em exclusivo para a Viceland. Nuts+Bolts segue airosa na 1ª temporada e o seu enredo dá-nos acesso à vida do artista e ao(s) seu(s) processo(s) de descoberta. No 1º episódio, mergulhamos na arte do stop-motion, enquanto o 2º se debruça sob os métodos e técnicas de fabrico da mais recente colecção de ténis, assinada pelo Creator.

 



Para todos os efeitos, esta experiência documental dista imenso de Loiter Squad, primeira experiência televisiva de Tyler, inserida no plano de actividades do Odd Future. Aí, pequenos excertos de comédia – ao bom ritmo de qualquer sketch de comédia que se preze – eram protagonizados pelo nosso artista e outros membros do colectivo, como Earl Sweatshirt ou Taco Bennett. A série ainda sobreviveu durante 3 temporadas, para terminar abruptamente logo depois.

Menos fruto da criatividade de Tyler, ainda que igualmente estimulante, é Cherry Bomb The Documentary, um recorrido exaustivo pelos tempo, e pelos tempos, de produção do álbum editado em 2015; uma porta de entrada para o complexo e minucioso processo criativo de um dos mais produtivos criadores da nossa geração.

 


pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos