Vinil / Digital

Sofia Kourtesis

Fresia Magdalena

Technicolor / 2021

Texto de Nuno Afonso

Publicado a: 20/04/2021

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Épocas de desafios trazem grandes reconhecimentos. Os últimos meses terão sido um amplo teste de resistência – física, psicológica e emocional – para a maioria, num momento da história que ainda se está a escrever. Também a história de Sofia Kourtesis se escreve com iguais desafios e os devidos reconhecimentos. Peruana, com ascendência grega e actualmente a residir em Berlim, a jovem produtora é um dos nomes de destaque na electrónica atual. Fresia Magdalena surge, delicado e inspirador, após o desaparecimento do seu pai, vítima de doença prolongada. A pré-assumida elegia deste trabalho leva-nos, na verdade, à surpresa de um tom celebratório, como hino à vida. Uma infusão de referências à sua infância e às suas origens num disco pessoal, sim, mas que encontra cor e genuína expressão no seu exterior.

O bálsamo da house, segundo Kourtesis, segue rasto de outros contemporâneos como The Field, DJ Python, Octo Octa ou DJ Koze. Ou, por outras palavras, o sentimento de ascensão é real e inevitável. Aqui, a repetição ganha balanço, a lume lento, numa receita hedonista que só deixa saudades de ver e sentir um dancefloor suado. Em cinco temas, Sofia Kourtesis deixa claro de onde vem e para onde vai; das imagens vívidas de uma ex-estudante de cinema que afinal se ficou pelo visual, mas que a música também consegue providenciar. É assim, a partir destes postais em que o mar é assumidamente um meio de inspiração, que encontramos a força pacificadora de Fresia Magdalena.

“La Perla” abre, como nunca antes abriu, espaço para confissões na primeira pessoa, numa viagem autobiográfica de quem escreve sobre o seu tempo passado em confronto com a incerteza do futuro. O que sonoramente reveste esta busca é um manto pop de variadas texturas, naquele que é o exemplo mais próximo do formato tradicional de canção. Um arranque perfeito que lança faíscas para “By Your Side”. Exercício rítmico crescente e hipnótico que em muito recorda a cristalização do brilho que Moodymann ou Theo Parrish tão bem vincaram ao longo da última década. Há teor funk, apimentado de soul, e há igualmente uma sensualidade que derrete até a pedra de gelo mais sólida no último copo da noite.

Com “Nicolas” os samples vocais alinham-se numa melodia entrecortada, a meio gás. Uma vez mais, a arquitectura em redor de cada detalhe traz luxo no gosto. Tudo flui, de forma orgânica e sem pressas, numa brisa balear impossível de recusar. E esse aspecto humano das suas produções, fundamentalmente digitais, confere a Kourtesis uma assinatura distinta da mera produtora de DAW, presets e metrónomo. Aliás, já no anterior disco homónimo, de 2019, se sentia não só as programações e as sequências da dança, como também ecos da herança tradicional da sua cidade, Lima, no Peru.

“Juntos” volta a evocar manhãs de Verão, numa eterna contemplação à costa. Escutamos, por breves instantes, uma velha canção em espanhol que irrompe para um arranjo de cordas com um cenário de clubbing ao fundo – é o tal poder imagético de que há pouco se falava, como se de uma viagem se tratasse. “Dakotas” encerra e é essencialmente um tema percussivo, numa leve e introdutória alusão à percussão andina, que rapidamente se dissolve numa Berlim efervescente de histórias e personagens variadas. A voz de Kourtesis regressa, já aqui no fim, como um ciclo que se presta a fechar. Contudo, o que resta é a sensação da presença de um capítulo que ainda agora se iniciou.


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