pub

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 28/09/2022

Uma relação (forte) que se foi criando.

SlimCutz: “O Maus Hábitos deve ser dos poucos espaços em que sinto que os músicos são tratados como devem e gostam de ser”

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 28/09/2022

Luís Azevedo, que é como quem diz SlimCutz, é DJ e um dos co-fundadores da Monster Jinx, colectivo que se foi estabelecendo como umas forças (pouco ou nada…) silenciosas mais potentes naquilo que diz respeito ao cruzamento entre hip hop e música electrónica em território português. Antes de mais uma Purple Hazin’, uma residência do Monstro Roxo no Maus Hábitos, no Porto, que desta vez estará incluída na programação da nova edição do evento Havana Beat, o membro dos Roger Plexico falou com o Rimas e Batidas sobre como se constrói uma festa com este sucesso e longevidade e como é que isso é um reflexo da filosofia da editora que ajudou a erguer.



Fala-me da tua residência no Maus Hábitos.

Esta residência já dura há uns sete anos. Vem de uma relação que se foi criando. É uma relação mesmo especial. O papel do Maus Hábitos foi muito importante, tanto para a Monster Jinx como para outros 500 projectos que andam pelo Porto. Acho que a primeira festa se chamava A Jinx Tem Poucos Amigos. Agora não me lembro. Mas o Salgado conta que, nessa primeira festa, estavam quatro pessoas a fumar lá fora e o DJ dentro [risos]. Nós começámos essas festas a vender tipo cinco bilhetes. E foi assim durante, para aí, meio ano. Depois parou e começámos a ver que o Maus Hábitos já começava a ter outro tipo de afluência. Como sempre tivemos uma relação com o Salgado, “vamos fazer uma festa, chamada Monster Jinx Fest”. Encheu. Eram umas 300 pessoas, que é algo que, hoje em dia, já consideramos uma festa vazia [risos]. Eu achava aquilo completamente absurdo. “Como é que isto está a acontecer?” Na minha cabeça, ninguém ia lá para nos ver.

Como é que se aguenta uma maratona dessas — porque são seis horas de música — apenas com três pessoas à frente? E o que é que mudou para que vocês, um dia, tenham dado com 300 pessoas dentro da sala?

Uma noite com três pessoas é horrível. Eu, pelo menos, tenho depressões se tiver a tocar para três pessoas. Custa-me imenso tocar para tão pouca gente e fico atrapalhado. Mando mais “pregos” do que o costume. É um handicap que eu tenho enquanto DJ. Se estou a tocar para pouca gente, eu perco-me um bocado, não sei bem o que fazer. E não te sei bem explicar [como é que passámos a ter mais gente], porque eu próprio, na altura, não acreditava que aquilo ia funcionar. Quando o Salgado perguntou se queríamos fazer outra festa no Maus Hábitos, o meu pensamento foi, “vamos fazer mais uma festa sem ninguém no Maus Hábitos? Para quê?” Fizemos essa Monster Jinx Fest e, não sei bem explicar porquê, mas a festa já tinha gente. A partir daí, foi sempre tendo mais gente. Não houve um declínio. As festas passaram das duas pessoas para as 300, das 300 para as 500, depois para as 800/900. Já são números absurdos para uma coisa tão pequena como nós, bem como para outros projectos pequenos que façam festas no Maus Hábitos. Na Purple Hazin’, que é a festa que nos corre melhor, nunca mudamos a equipa. A festa é a mesma coisa, ao nível da nossa dinâmica, desde sempre. Os cartazes dos últimos anos são praticamente os mesmos. Porquê? Se aquilo funciona, não vamos mexer.

Tu não me consegues explicar porque é que cresceu, mas consegues explicar-me porque é que se manteve? Há algo que vocês oferecem, musicalmente, que mais ninguém esteja a trabalhar?

Eu acho que funciona por causa de duas coisas. É pelas pessoas que estão lá a fazer os eventos e por causa do Maus Hábitos em específico. São os dois factores. Há, se calhar, uma energia que se cria ali entre os promotores, o público e o próprio Maus Hábitos, e que faz com que tudo funcione. Porque a verdade é que aquilo só acontece ali, daquela maneira. Não sei se já foste a alguma Purple Hazin’, mas é uma coisa que, para nós e para o público, é muito especial.

Já vi festas vossas mas foi no espaço que há em frente.

No Musicbox?

Também vi no Musicbox. Mas estava a referir-me ao Passos Manuel.

Não tem nada a ver. Há muitas casas que são especiais, mas o Maus Hábitos, a nível da equipa toda que trabalha lá — dos seguranças aos programadores, com todas as condições que oferecem aos músicos — deve ser das casas com mais princípios, daqueles que os músicos defendem mesmo. Nós sentimos isso da parte de toda a gente.

Estás a falar mesmo de ética e respeito profissional pelos músicos?

Muito isso. É a casa do país em que mais sinto isso. Já toquei em vários formatos — a solo com com bandas — e em muitos sítios. Deve ser dos poucos espaços em que eu realmente sinto: esta é uma casa feita por músicos, para músicos, em que os músicos são tratados como devem de ser e como gostam de ser. Tens, por exemplo, o técnico de som presente a noite toda. Tem dois quartos para os músicos que estão de fora poderem estar lá a descansar, ao invés de terem de estar a pagar por um hotel. Quando o nosso pessoal de Lisboa vem ao Porto, ficam a dormir no Maus Hábitos, com todas as condições — cama com roupa lavada, tem chuveiro… São coisas que eles não precisavam de fazer, porque nós íamos lá na mesma. Mas eles fazem pelos artistas, mesmo sem ter a obrigação de o fazer. É uma coisa que quase ninguém faz. E tu sentes que toda a equipa é feita por pessoas que vêm de um meio musical alternativo, que já passaram dificuldades como músicos. Não é fácil ser músico. Não é glamour nenhum. E há muitos sítios em que tu sentes que há muita coisa a falhar. Ou porque o promotor está mais preocupado com dinheiro do que com outra coisa e vê aquilo como um negócio… Depois há os sítios que são realmente culturais e que dão essa importância há música. Eu sinto que o Maus Hábitos faz isso bem. Até mesmo o público é sempre bem tratado e respeitado. É uma festa que tem seguranças, mas não sentes que há aquele segurança mais abusador ou extremamente mau. Os próprios seguranças, o briefing que recebem para trabalhar no Maus Hábitos é totalmente diferente do dos outros clubes.

No final do mês de Setembro, tu vais integrar a programação de um outro evento, o Havana Beat.

O Maus Hábitos está a fazer um projecto novo, que vem de uma parceria com a Havana Club, que é uma bebida. Querem fazer mais concertos de hip hop e eu também vou tocar.

És só tu ou há mais alguém da Monster Jinx?

Inicialmente, ia tocar eu e o E.A.R.L.. Depois, numa reunião com o Maus Hábitos, decidimos fazer antes uma Purple Hazin’ depois dos concertos. Ou seja, há concertos até à meia noite, depois, da meia noite às seis, é a Purple Hazin’.

Quem lá vai estar?

Vou tocar eu, o DarkSunn e o E.A.R.L., que somos os DJ mais “residentes” da Purple Hazin’. Também vai tocar o Xando.

Algum dos concertos está, também, associado à Monster Jinx?

Os live acts não. Vai tocar a Eva Rapdiva e o $tag One.

Muito bem. Qual é a “viagem” típica de uma Purple Hazin’? Como é a receita musical das vossas festas?

Pelo menos para aqueles que tocam mais activamente nas Purple Hazin’ — eu, o DarkSunn e o E.A.R.L. — o objectivo é que a viagem se faça sempre à volta do hip hop, das coisas mais antigas às mais recentes. Não fazemos festas só com coisas antigas, como também não fazemos festas só de trap. No mesmo set, tanto passo o Notorious B.I.G. como Future, como posso estar a tocar “Mo Bamba” e depois meto A Tribe Called Quest. Isso faz com que consigamos chegar tanto ao público mais novo como ao público mais velho. Acho que somos das festas com um range de idades maior, desde miúdos de 18 anos a gajos de 35, como nós. Os mais velhos podem não gostar de coisas recentes mas sabem que, garantidamente, vamos passar coisas antigas. Com os mais novos, sentimos que os conquistamos ao passar coisas mais recentes, mas eles têm muito mais abertura para ouvir o que vem de trás. Todos sentimos isto: eles confiam em nós como DJs. Se eu passo ATCQ, um puto de 20 anos não vai saber o que é aquilo, provavelmente. Mas lembra-se, “acho que já ouvi esta música”. Ou então, “isto já foi um hit, porque todas as pessoas à minha volta conhecem isto”. Ficam a conhecer o tema e, umas festas a seguir, se eu voltar a tocá-lo, eles já conhecem e vai ser muito mais fixe.



Que papel representa o próprio catálogo da Monster Jinx dentro das escolhas musicais nessas festas?

Não é uma coisa que aconteça muito. Há uma dificuldade que nós temos em diferenciar aquilo que é a Monster Jinx e a Purple Hazin’, dentro do público mais jovem. A Purple Hazin’ é uma produção da Monster Jinx, é nossa, mas que se distancia um bocado daquilo que nós somos enquanto editora. Representa mais a nossa atitude do que propriamente a nossa música.

Achas que há relação entre o crescimento das festas e o reconhecimento que há pelo trabalho que a Monster Jinx tem feito em termos editoriais?

Uma coisa tem ajudado a outra, sim. O sucesso de uma coisa vai sempre chamar atenção para a outra. E nós fazemos um bocado esse jogo, ao admitir que a Purple Hazin’ é o que vai financiar tudo o resto do que fazemos. Não queremos mudar. É o nosso “porto seguro” para continuar a lançar música cá para fora.

É quase uma outra maneira de fazer crowdfunding. Através dos bilhetes que vendem financiam a actividade a editora.

Sim. Os eventos da Purple Hazin’ são, principalmente, para financiar a editora. Nenhum de nós recebe um cachê assim… Todos os cachês dos DJs são simbólicos. Todas as pessoas que estão a trabalhar na Purple Hazin’ estão quase a trabalhar para a editora continuar a funcionar.

É uma excelente atitude. O que é que a Monster Jinx nos reserva ainda até ao final do ano?

O DarkSunn tem um projecto novo, chamado Beats For Plants. Vai ser editado em cassete. Vai ser uma série, uma coisa mais regular, da qual vai sair em breve o primeiro volume. O disco do Maria está a ser finalizado mas ainda não foi anunciado — nem está nessa fase. Para já, vamos estar a focar-nos no projecto do DarkSunn. Nós viemos de uma fase em que lançámos muita música. Pensámos, “se calhar é altura de acalmar um bocadinho. Vamos organizar-nos para fazer isto direito, porque estamos a lançar quase um release por mês”. Para uma editora pequena é muita coisa. Se calhar estamos a lançar tanto que, por não termos a estrutura de editora grande, já não conseguimos dar atenção a tudo em específico. Mais vale dizer, “ok, vamos parar um bocado. Vamos dar mais atenção aos próximos e fazer as coisas com maior ponderação.”

Falas desse crescimento no volume de edições, mas eu queria focar-me na questão do crescimento também ao nível do reconhecimento. Sinto, mesmo, que é uma marca/editora/atitude por quem o meio tem assinalável respeito. Achas que há uma ligação entre esse awareness do que é a Monster Jinx hoje e essa palavrinha pequenina, lo-fi, que tanto tem dado que falar nos últimos tempos? Vêem-se como uma editora alinhada com essa estética?

Vemo-nos como uma editora que lança a música que gosta, independentemente da estética. A prova disso são estes últimos dois anos — em especial na Cromática — em que lançámos artistas completamente diferentes uns dos outros. Lançamos músicas de amigos e de pessoas que nos são próximas, que fazem parte da crew. Defendo muito esta ideia de que a Monster Jinx, antes de ser uma editora, é uma crew. Seguimos mais os princípios de crew do que de editora em si. O que aconteceu com os Mazarin, como eles entraram ali na altura do COVID, foi que a integração deles foi bastante diferente daquilo que costuma ser. É uma coisa que ainda queremos corrigir. Temos de ir beber copos e temos de ser amigos. Falas das pessoas nos respeitarem mais, mas isso é também uma questão de muita persistência da nossa parte. Já passaram 14 anos desde que começámos isto. É muito tempo, na verdade. Nunca quisemos fazer disto um mega negócio — foi sempre uma coisa muito “para nós”, 100% independente, à nossa maneira e sem querer saber das outras coisas — e fizemos sempre as coisas muito bem feitas, sabendo que as pessoas vão gostar. Estivemos muitos anos a editar música, a dar atenção às capas das gravações, a fazer as coisas bem feitas, mesmo sabendo que o público não estava a consumir. O passar do tempo trouxe validade a esse princípio, porque as pessoas até podem não gostar, mas eventualmente vão respeitar a nossa postura, porque ela é verdadeira e nós gostamos mesmo de música e daquilo que fazemos. Isso transmite-se para o público. Mesmo que não consumam, percebem isso.

Dirias que as vossas festas são muito inclusivas? Sentes que há tantas mulheres quantos homens nesses eventos?

Penso que sim.

Faço-te essa pergunta porque é algo que ainda não se reflecte no catálogo. Vocês trabalham com algumas artistas mais na área do design e da ilustração, mas continua a não haver mulheres a produzir para o vosso catálogo, não é? Apesar do nome do Maria poder confundir alguém [risos].

Tens toda a razão. Quando entras num grupo já com muita gente, assusta um bocado a quem vem de fora. Convidar uma mulher para o meio de 20 gajos pode não ser uma coisa… É algo que tem a ver com o tempo. E hão-de aparecer mais produtoras.

Mas é algo que têm em consciência? Têm esse plano de continuar a abrir o catálogo e procurar talento feminino? É importante para vocês?

Claro que é importante. E podem não existir muitas produtoras agora, mas devemos desempenhar um papel para que possam aparecer mais. Com o trabalho que estamos a fazer e com o estarmos a falar disto, se calhar vão aparecer mais produtoras. É por isso que apareceram várias nos últimos cinco anos. E hão-de continuar a aparecer mais. É sempre uma questão de tempo. Ainda não aconteceu, mas vai acontecer. Nós trabalhamos com muitas mulheres, que fazem parte da equipa, como por exemplo a Marta, que não é música. A Min também não. Ainda não aconteceu, mas eventualmente há-de acontecer.

Há alguns anos, quando se entrevistavam aquelas bandas do universo das guitarras e que cantavam em inglês, como os Blind Zero, havia sempre aquela questão da internacionalização — “vocês têm planos para internacionalizar o projecto?” Se há uma marca em Portugal — que pela atitude, pelo som, pela construção do próprio catálogo, da imagem, etc. — faria sentido ter algum tipo de repercussão internacional, essa editora é, para mim, a Monster Jinx. Também já tiveram planos conscientes para essa área, tentando, por exemplo, trazer para o vosso catálogo nomes internacionais?

Sempre tivemos isso como um objectivo. Há certas coisas que vamos aprendendo. O que não sabemos fazer, vamos tentar aprender como se faz. É um processo. Essa parte da internacionalização, de ir tocar lá fora, nunca foi algo que nos fizesse, de repente, “vamos voltar-nos para isso este ano. A quem vamos mandar mails? Com quem temos de falar?” É uma coisa que nós pensamos como uma perspectiva para o futuro. Eventualmente há-de chegar o momento. Temos de estar preparados. Havemos de ter cá pessoal a tocar e de irmos nós a outros sítios. Haver essa partilha, até para termos acesso a mais lojas de discos, o ir lá pessoalmente, para criar essa proximidade. Havemos de lá chegar. A Jinx segue um passo de cada vez, mas essa é uma coisa que, eventualmente, vamos aprender e vamos fazer acontecer. Está nos planos. Nós só não sabemos bem ainda como é que funciona [risos].

Antes de terminarmos: quando vais a caminho do Maus Hábitos, já levas na cabeça a primeira música que vais tocar, ou tomas a decisão na hora?

Já percebi que há muitos DJs que não fazem isto, mas achava que era uma coisa mais comum. Eu planeio sempre tudo o que vou tocar. Eu ensaio, sei perfeitamente qual é a ordem das músicas, da primeira à última. Se toquei uma música na noite passada, não a vou tocar na próxima. Mas há pessoal que consegue chegar ali e tocar 100% de improviso. O DarkSunn e o E.A.R.L. chegam ali e tocam de improviso. Eu não consigo. Ou, se calhar, por querer fazer coisas mais técnicas, o scratch, ter um mix mais direitinho e bonito, trago as coisas preparadas.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos