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Texto: ReB Team
Fotografia: Rita Seixas
Publicado a: 05/08/2023

Equilibrismo musical.

#ReBPlaylist: Julho 2023

Texto: ReB Team
Fotografia: Rita Seixas
Publicado a: 05/08/2023

Não importa se é underground ou mainstream, se é a next big thing ou o nome mais badalado do momento, se é fado ou electrónica disruptiva, se é feito por mulheres ou homens. Não fechamos a porta a nada e, mesmo sem resultados combinados, essa pluralidade manifesta-se na grande parte das vezes em que a turma do Rimas e Batidas se reune para dissecar as canções que ressoaram nos nossos peitos ao longo do último mês. Julho não foi excepção e ao longo destes 7 temas que se seguem podem encontrar um agradável equilíbrio entre diferentes sonoridades e criadores.


[Sara Correia] “Chelas”

Muito se tem falado de novos fados por estas páginas, de músicos que têm levado a canção tradicional portuguesa por caminhos distintos. Aquilo que Sara Correia fez com “Chelas” não só é refrescante como nos leva a pensar que talvez tenhamos atingido um ponto de maturação suficiente para que uma série de fadistas se permitam a libertar artisticamente, rompendo algumas normas (elas não foram feitas para serem quebradas?) e enaltecendo o melhor de outras.

Para Sara Correia, o single parece ser um autêntico grito do Ipiranga, um suspiro de Liberdade — o título do seu terceiro álbum, que há-de chegar mais no final do ano. Com um vídeo na mouche dirigido por Carlos Marta, uma produção auspiciosa de Diogo Clemente e versos escritos por Carolina Deslandes (que, mais uma vez, demonstra o seu talento na hora de rubricar canções), este é um verdadeiro statement artístico de uma fadista que empunha o seu malfadado bairro, que veste literalmente a camisola de Chelas — das tranças, das unhas compridas ou da cultura urbana incontornavelmente influenciada pelo hip hop, assumindo e ultrapassando os estereótipos — para afirmar uma identidade. E tantas vezes nos temos também pronunciado sobre essa importância por aqui. Sara Correia já tinha provado ser dona de uma tremenda voz; agora mostrou que tem coragem, ideias e a vontade de criar algo disruptivo. A julgar pelos ventos que sopram pela zona oriental da cidade, a Liberdade pode estar mesmo ao virar da esquina. E mal podemos esperar.

— Ricardo Farinha


[Ziúr] “Move On” feat. Iceboy Violet

Mais uma tirada da Hakuna Kulala, subsidiária da Nyege Nyege, mais um tiro certeiro. Justo que quando a atiradora é a berlinense Ziúr é mais difícil de não acertar na mouche, mas desta feita a mira foi bem traçada com um role de colaborações clínicas que dão uma nova dimensão à arquitetura sonora desconstruída da produtora na cassete Eyeroll. “Move On”, em particular, usa os sons abrasivos que lhe conhecemos num contexto aparentemente “ajazzado”, pintando o cenário que preparou a interpreção de Iceboy Violet, permintindo-lhe fazer aquilo que estx rapper de Manchester faz melhor: debitar rimas não genéricas (leia-se isto com vários entendimentos) e expansivas sobre a ideia de remediar as maleitas da humanidade que Ziúr tentou criar com este tento pós-pandémico.

— André Fortes


[Travis Scott] “Modern Jam” feat. Teezo Touchdown

Bem-vindos a mais um universo sonoro patrocinado por Travis Scott. O rapper de Houston lançou UTOPIA no passado dia 28 de Julho, o seu quarto álbum e mais uma fase do trap psicadélico que tem vindo a apresentar. E se em ASTROWORLD tínhamos à nossa disposição um parque de diversões, aqui temos planetas. Para agora, interessa aterrarmos em “MODERN JAM”, um dos mais habitáveis astros deste novo projecto recheado de estrelas.

Comecemos pelos corpos celestes que conjuram o beat: J. Sweet, artista musical que já produziu para nomes como Aminé, Eminem ou Drake, Mike Dean – que traz os seus sintetizadores cintilantes e os seus dotes de produção para a mesa – e Guy-Manuel de Homem-Christo, um dos homens por trás dos defuntos Daft Punk. O resultado é um instrumental comandante, de baixos sujos e frequências secas e distorcidas, contrastado pelas melodias resplandecentes que se fazem ouvir no refrão e na segunda parte da música. 

Esta dualidade da batida é espelhada pelas vozes: a participação entusiástica de Teezo Touchdown iguala a energia teatral das teclas que o acompanham, e Scott mostra uma atitude insolente, de desprezo e de húbris absoluta (“I just need the world, I ain’t hard to please”; “I got the formula like I own the race”). Mas não é só nos deveres vocais que vemos La Flame em forma: também tem mão neste instrumental e em quase todos os instrumentais de UTOPIA, o que diz muito sobre o seu papel de curador de talento. De que estão à espera para pegar na nave e dar uma voltinha por este espaço cósmico?

— Miguel Santos


[Drake & Central Cee] On The Radar Freestyle

Para o bem e para o mal, a Internet não perdoa e tem-se encarregado de apontar para o elefante nesta sala. “Middle of the Ocean” parece ter quebrado a quarta parede de quem ainda não tinha dado por isso, mas já bem antes de Her Loss era visível — e desde então tem-se revelado cada vez mais flagrante — a tónica de Drake em assinalar a sua riqueza financeira:

“I’m in the Missoni room at the Byblos
The boat was rockin’ too much on some Aaliyah shit
For real
We goin’ from the Vava to Cinquante-Cinq, then back to the Vava
If you know, you know, baby, I don’t, I don’t know what to tell you”

Nem nós. Nunca ficámos na suite Missoni do Hotel Byblos em Saint-Tropez, nem nunca estivemos a bordo do iate Vava ou fizemos praia no Club 55. E isto vale para a esmagadora maioria dos milhões de pessoas que o ouvem. O rapper canadiano versa sobre a sua realidade, é certo, mas a empatia com a história de superação — de quem, na verdade, nem começou bem lá de baixo — deixa de colar quando, no final de contas, chegamos a “The numbers are good with me as long as it’s comma then zero, zero, zero, zero, zero, zero, zero”, como canta neste On The Radar Freestyle ao lado de Central Cee. E não se fica por aí: 

“’Cah we know some demon guys with jealous and evil eyes
You know that’s how Jesus died, you know that’s how Julius Caesar died
I bet they were decent guys, I swear they remind me of me sometimes”

Diz o pinga-amor trintão de unhas pintadas e óculos emprestados pelas tendências elitistas angolanas. A arrogância chapada na cara de quem sabe que continua, invariavelmente, no topo do mundo também não ajuda — mesmo que, em conversa íntima com o “irmão mais novo” Lil Yachty, faça crer que quem o conhece na dita vida real descobre de que arrogante nada tem. E o mesmo poder-se-ia dizer de Cench, não fossem as idiossincrasias de um rapper britânico vindo dos ends que, apesar de tudo, mascaram esse desfasamento da realidade. Agora, e porque isto é mais sobre Drake do que Central Cee, cai por terra todo e qualquer julgamento à distância quando, no que à música diz respeito, Drizzy persiste incontornável. E a escolha da sua participação no segmento radiofónico para a playlist do mês prende-se, desde logo e acima de tudo, pela prestação de ambos, sim, mas do primeiro, sobretudo. 

A fazer o que lhe compete, não há ninguém como Drake: camaleónico o suficiente para encaixar numa “madness and badness, combination” à bela moda britânica, faz da voz instrumento principal sobre beats que, ao longo dos anos, têm-no desafiado a trazer novas abordagens sem perder o seu toque especial de hit maker. Não acerta sempre, mas acerta em grande parte das vezes — por exemplo, nos últimos três discos acertou menos em Certified Lover Boy, mais em Honestly, Nevermind e em cheio em Her Loss, sempre em registos frescos e diferentes entre si —, com este freestyle à cabeça dessa pontaria certeira. Por muito que nos faça espécie, não há como não ir na sua cantiga. E no final do dia é ao som deste On The Radar Freestyle que nos fazemos à estrada de confiança redobrada, contagiados por quem sabe bem o efeito que tem: “Cench might need vaccine when he see how this vid’ start going viral.” Realmente, ninguém está imune.

— Paulo Pena


[PJ Harvey] “Lwonesome Tonight”

Depois da imersão na omnipresença da violência, da guerra e do horror, uma viagem interior, contida e misteriosa à poética das origens mais longínquas. Ironia histórica esta, a de quem regressa a um lugar de maior transcendência quando as imagens da violência e do belicismo irrompem e se naturalizam nas narrativas mediáticas. Sete anos depois de The Hope Six Demolition Project, eis PJ Harvey numa viagem inesperada, nova abordagem ao espaço e ao tempo, embrulhada em guitarras dedilhadas, sintetizadores, melodias oníricas e ancestrais. Caminho exploratório e concreto, a lembrar a folk de outros tempos, embrenhada num manto de sonhos, voz e poética atmosférica onde os sons da infância na natureza de Dorset convivem com o mundo ondular do blues que se escutava em casa. Entre as luzes e as sombras, a ancestralidade e a manipulação, a sobriedade e o mistério, PJ Harvey continua a escolher caminhos nada óbvios, próprios de uma criadora radicalmente livre e que sabe que, mesmo em tempos de guerras, há muitas formas de resistir.

— João Mineiro


[African Head Charge] “Microdosing”

“Yah man! A bad attitude is like a flat tyre – you can’t go anywhere until you change it.” É com este aforismo que o percussionista ganês Bonjo Iyabinghi Noah nos introduz a A Trip To Bolgatanga, o novo dos African Head Charge. Prensado pela inglesa On-U Sound Records – etiqueta fundada por Adrian Sherwood, a segunda trave-mestra deste ensemble –, este trabalho marca o fim de um hiato de 12 anos do grupo no lançamento de originais. O single do álbum, “Microdosing”, é a síntese perfeita das sonoridades que nele nos são propostas: em trip pela terra natal de Bojo, atravessamos geografias em que percussão tribal polirrítmica se infunde com ecos de dub, dancehall psicadélico, eletrónica funkadélica e cantos ritualísticos. Se a descrição soa bem, a música soa ainda melhor. Da nossa parte, a recomendação é só uma: ouvir alto e em bom som. E de preferência num sound system, depois de vários dubplates tocados com o bass em máximos decibéis.

— João Morado


[Sideshow] “S.H.O.W. ENT”

MIKE crackou o jogo e todos os que se encontram dentro do seu círculo têm agora acrescida facilidade em fazer chegar a sua música o mais longe possível. Sideshow não precisou de dezenas de edições no seu Bandcamp até se fazer notar, já que é um dos protegidos do renaissance man na sua editora 10k e também aquele cujo estilo e mensagem mais se assemelham aos do homem que encantou o nosso Verão com um concerto de entrada gratuita no jardim da Galeria Quadrum. Acompanhar o trajecto deste jovem MC é, por isso, mais do que natural para quem está dentro deste universo, ainda para mais quando teve a amabilidade de nos entregar um par de discos no pós-Beware of the Monkey do seu mentor — primeiro com 2MM DON’T JUST STAND THERE!, depois através de JAM. É assim mesmo que as famílias devem de funcionar, a colmatar as ausências uns dos outros, porque se seguem viagem na mesma carroça o destino final será um bem comum a todos.

Retirado do primeiro dos dois projectos que editou este ano, “S.H.O.W. ENT” fala-nos de “falso amor” e da forma como este pode ser causador de ódio, ao mesmo tempo que recorda episódios menos felizes de alguém com poucas perspectivas de futuro e que recorre ao rosto da progenitora para encontrar algum conforto. Alexander Spit é o produtor de serviço, ele que, após assinar os instrumentais de boa parte dos temas de 2MM DON’T JUST STAND THERE!, assume-se uma parceria ainda mais séria com Sideshow ao ser o único beatmaker a contribuir para o novíssimo JAM.

— Gonçalo Oliveira

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