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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/10/2020

Começa a ficar frio lá fora...

#ReBPlaylist: Setembro 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/10/2020

Andamos, lentamente, a sair de casa para voltar a ter uma agenda regular de actividades culturais que se vão tentado adaptar a estes estranhos tempos. Porém, com a chegada do frio e da chuva para se juntar ao medo do “bicho”, é possível que nos preparemos para um dos Outonos e Invernos mais resguardados das últimas décadas, e por isso toda a música será necessária. E aqui vão encontrar de tudo um pouco, não há nenhum mood que fique de fora.


[ZULI] “Ra7aal [رحال]”

ZULI entrou nos radares da crítica de forma imperiosa com o seu LP de estreia Terminal, ainda em 2018. Editado com o selo de qualidade da UIQ, editora gerida por Lee Gamble, o primeiro registo de longa-duração atirou o egípcio para os tops de melhores do ano e tudo o que se seguiu não logrou em qualidade. O produtor sempre se apresentou ágil, saltando de género em género, de ambiente em ambiente de forma felina, e mais recentemente tem olhado aos ritmos do hip hop, primeiro com Swag Lee is Dead, a sua interpretação do trap, e agora através de Habibi Loops Vol.1. Este registo é a sua vénia a Madlib e baseia-se num trabalho de digging de bandas de funk e jazz do Egipto da coleção dos seus pais. O resultado, como se pode ouvir nesta “Ra7aal” é singular, ritmicamente desarranjado, mas magnético.

– André Forte


[slowthai] “feel away” feat. James Blake & Mount Kimbie

No final, restará apenas a verdade. E para slowthai, a verdade está clara desde os primeiros segundos: “We don’t go on dates, we went our separate ways”. É assim que o rapper e o seu mais recente single “feel away” nos agarram desde o início, com a verdade absoluta. Ao estilo do artista britânico, não há rodeios, grandes metáforas, ou profundas introspecções. São apenas confissões de um coração quebrado simples no seu assombro mas dilacerantes na sua entrega. 

O instrumental conjurado pelos Mount Kimbie que circunda as tristes declarações de Tyron Frampton adequa-se na perfeição ao que é dito, uma batida de primeiro floco de neve do inverno mais frio desde que há memória. Promessas vazias são proferidas ao som de um melancólico e esparso piano antes da percussão estática e sem vida despedaçar o refrão de arrependimento cantado por Frampton. O rapper é seco e bruto na sua entrega, como se não conseguisse olhar nos olhos a pessoa com quem está a falar. 

E é aí que James Blake como a outra face da moeda, uma espécie de segunda personalidade que canta o sofrimento do corpo comum sem um timbre derrotista mas sim harmonioso, sem nunca se esquecer da verdade final: “And you revealed who you are/ So this doesn’t feel like love”. O último salto antes do precipício é o mais difícil, mas também o mais necessário. “feel away” sabe-o e trilha um soturno caminho para o penhasco do desconhecido.

– Miguel Santos


[IDLES] “WAR”

“Wa-ching!
That’s the sound of the sword going in”

O novo álbum dos IDLESULTRA MONO, está a ser criticado pela menor elaboração das letras. A postura do grupo permanece a mesma, servindo-se de violência sonora e na performance para combater violência real, crueldade e falta de civismo. Onde em Joy as an Act of Resistance havia desenvolvimento lírico, disparam-se agora mensagens simples.

Estamos nos domínios da vitalidade e atitude punk. E, para essa postura, foco é uma característica valiosa. As onomatopeias que abrem “War”, acompanhadas por uma produção mais beat oriented e por guitarras chateadas com o mundo reflectido na letra, são suficientes para nos associarmos à missão dos IDLES. Há uma injustiça profunda a acontecer ao mesmo tempo que os ouvimos, e a única forma de a combater, antecedendo todas as decisões políticas, é com a compaixão.

Afinal, as onomatopeias servem para isso também.

-Gonçalo Tavares


[T-Rex] “Duvidava”

De promessa a certeza, e a deixar cada vez menos dúvidas, Tóy Tóy T-Rex extraiu uma Gota D’Espaço – o seu novo projecto lançado no início de Setembro – que reflectiu mais um ponto luminoso no céu estrelado da música lusófona.

O seu potencial é astronómico, e de onde esta gota foi colhida há ainda um Mar Negro por explorar, já que “luz que é luz cria sempre sombra”, e o T-Rex, por cima destes mares, parece “um deus da mitologia nórdica”, tamanha a voz que ressoa em “Duvidava”. Entrou com a força de quem tão cedo não se vai calar, e a fome com que vocifera no single do EP demarca uma afirmação inequívoca relativa à defesa do seu valor.

Nesta, a voz foge do controlo, mas não do tom. Combustível em forma de palavras que nos alimentam a cada BPM cavalgado pelo T-Rex. Esta é das que toca sucessivamente no nervo, que nos faz querer fazer mais como o Tóy Tóy fez. Há faixas que nos relembram que somos maiores do que nós próprios, e que somos capazes de engolir o mundo de uma só dentada. Afinal, “o que é que esses wis querem?” Gostem ou não, chegou a vez de Tóy Tóy T-Rex, “tão condenado à elite”. Por cá, estamos “a rezar para que esse mal não dobre”. E não dobra. Não duvidem.

– Paulo Pena


[Broshuda] “Cypher”

Broshuda parece definir a contemplação figurativa como um exercício subreptício de melodia – e fortuito no que toca à textura. As faixas do seu oitavo disco (o seu primeiro pela Soda Gong, editora que se posiciona perto “compreensão fluida do sagrado e do sublime”) são aéreas, crocantes e simulacrais: nunca se exilam no subconsciente distraído, mas raramente reclamam a atenção que poderiam roubar.

Uma destas, “Cypher”, com a sua micro-abrasão modular, recorda o mais suave trabalho dos Matmos em 2001 – tanto no seu próprio A Chance to Cut Is a Chance to Cure como nos préstimos a Vespertine de Björk – sem que os samples derivem de material doméstico, médico ou plástico. Os sons do produtor alemão, imbricados em grooves mais velozes, não parecem tracejar qualquer origem mundana nem espiritual; alocam um vago vácuo de som, cuja medula é a capacidade de se harmonizar com o cenário de quem ouve (de forma não dissimilar ao que Huerco S. conseguiu com For Those of You Who Have).

Broshuda estima um curioso balanço entre a propriedade intrínseca, adaptável da sua música – o meio é a mensagem – e aquilo que é por função negativa: a vereda musical para todo o nervoso miudinho que a rotina maquinal nos faz suprimir.

Pedro João Santos


[Croatian Amor & Scandinavian Star] “Power Corrupts”

Loke Rahbek é um daqueles produtores prolíficos e insaciáveis, incapazes de se manter na sombra muito tempo. Embora silencioso, a música grita incessantemente por si. Depois de um incrível Isa, álbum lançado no ano passado, a sua agenda de 2020 demarca-se principalmente pelo seu disco colaborativo com Frederik Valentin, o emotivo Elephant, e o trabalho a solo, o luminoso All In The Same Breath; mas dá ainda espaço para lançamentos curtos e esporádicos com outros parceiros da sua Posh Isolation.

Nesse mesmo registo, o produtor presenteou-nos, no mês de Setembro, em colaboração com Scandinavian Star, a dançável e sugestiva “Power Corrupts”. Conjuntamente com o sintetizador —compassando em arpejos — a voz mergulhada em auto-tune dita o poder emocional do single — e o kick rapidamente demonstra um peso que nos transporta à pista de dança mais sombria, com o resto da bateria a confirmar o peso da faixa e a ditar o groove. Uma deambulação em loop que, de cenário em cenário, apresenta uma nova perspectiva desse mesmo motivo repetido, com um arranjo em várias camadas esplendidamente misturadas.

– Vasco Completo


[Conway The Machine] “Front Lines”

Quando se utiliza frases do género, “já não há adjectivos para descrever o enorme talento deste artista”, muitas das vezes está-se a assumir que não se consegue encontrar um novo ângulo para falar sobre a pessoa em causa. Esse foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça quando escolhi este tema para a selecção deste mês, admito. No entanto, e porque a “máquina” da Griselda foi brilhar aos escritórios da NPR Music, a vontade de se repetir o mesmo falou mais alto.

Em “Front Lines”, as palavras encaixam no instrumental que nem uma luva que só Conway sabe calçar. Pode-se tentar replicar, mas sejamos sinceros: é difícil reunir todas estas condições (e esta talvez seja a mais importante, lado a lado com a presença de Westside Gunn ao seu lado). Juntem-lhe a isso uma fome voraz e uma confiança à prova de bola para devorar todo o género de instrumentais, e este de Signalflow Music & Beat Butcha denuncia perigo na conjugação piano-baixo, e terão o rapper mais destemido da actualidade.

Entre Gunn, Benny, Boldy e Armani, o autor de From King To A GOD parece o mais preparado para nos entregar um álbum verdadeiramente clássico. A bagagem emocional, a técnica, as punchlines e a vontade de ser o melhor já estão lá. Podem escolher continuar a vê-lo lá de trás, mas depois não venham reclamar um lugar à frente…

– Alexandre Ribeiro


[Pink Siifu & Fly Anakin] “Richard Pryor”

Em A Cold World, ANKHLEJOHN arriscou em afirmar que nesse ano, 2019, não quereria partilhar o microfone com mais ninguém para além de Fly Anakin. Uma declaração ousada, que visava engrandecer o ego de outro MC da mesma geração que a sua, eles que têm trocado rimas de forma frequente nos seus respectivos trabalhos a solo e de quem esperávamos, no mínimo, um disco colaborativo.

Talvez fique para outra altura, já que o jovem de Richmond, Virgínia, assumiu recentemente uma dupla de sonho ao lado de Pink Siifu, também ele um nome emergente no circuito underground norte-americano mas a quem já lhe reconhecemos o estatuto de figura de culto, confirmado na sua mais recente investida em nome próprio, NEGRO, um álbum assumidamente punk e protestante no qual deixa de lado a sua faceta de rapper, no sentido mais tradicional do termo.

O nome Fly Siifu até já vem de há um par de anos e os dois artistas têm vindo a colaborar pontualmente nos projectos um do outro, o que nos dá a ideia de que o álbum a duas vozes era inevitável. Junta-se a britânica Lex Records à equação — que muito tem feito pelo rap indie, ao editar material de MF DOOM, Danger Mouse, Ghostface Killah ou, mais recentemente, MIKE e Haleek Maul — e temos aí à espreita um trabalho que pode muito bem revelar este par enquanto uma das mais importantes colisões no microfone deste ano.

A próxima “sexta-feira 13” é por isso dia de sorte grande e acontece já em Novembro. “Dollar Dr. Dream” e “Richard Pryor” são os avanços já apresentados pelos dois MCs, num registo descontraído de que está nisto pela rima cristalina e não pelo hype ou pelas tendências.

– Gonçalo Oliveira


[Silab & Jay Fella] “Circolar”

Em cima do beat de Taser que parece ser feito de fumo e essência extraída da raiz da árvore boom bap (espécie natural da América do Norte, mas que se encontra bem disseminada por todo o território português), a dupla Silab e Jay Fella destila amor pela cultura, com barras carregadas de (figuras de) estilo, com um flow com mais curvas que a estrada que nos leva ao alta da serra. Mas como essa estrada, também este “Circolar” nos leva até ao topo, onde nos espera uma admirável vista para uma paisagem de cortar a respiração. É parte de Ed Harris Tape. Arrisquem que vale muito a pena.

– Rui Miguel Abreu

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