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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/11/2023

Música que contorna obstáculos.

#ReBPlaylist: Outubro 2023

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/11/2023

Entre festivais — andámos recentemente pelo Mucho Flow, Space Festival, Novembro Jazz e Jameson Urban Routes — e problemas informáticos, os planos que tínhamos delineados não sairam tal e qual o esperado. O importante é não baixar os braços e fazer valer a velha máxima de que “mais vale tarde do que nunca”. Convocada a equipa do Rimas e Batidas para mais uma sessão de balanços mensais, está mais do que na hora para uma nova edição da #ReBPlaylist, que aqui recupera 6 faixas lançadas durante o mês de Outubro e que se movem seguindo as lógicas do hip hop, do jazz ou da música com base mais tradicional.


[Westside Gunn] “Mamas PrimeTime” feat. JID, Conway The Machine & Cartier A Williams

Nunca se quis tanto que uma Sexta-Feira 13 chegasse tão rápido. Westside Gunn está de volta (por uma última vez) aos álbuns e a derradeira amostra do multifacetado artista neste formato é uma despedida em bom plano. Numa verdadeira salada de frutas sonora, WSG não se restringe ao estilo mais sujo e frio a que nos acostumou, já que entre outras texturas, resgata um trap de outros tempos com a ajuda de algumas lendas como Jeezy ou Rick Ross. 

Apesar do transviamento, por aqui trilhamos terreno já familiar para o rapper da Griselda, com a faixa “Mamas PrimeTime”, num boom bap daqueles que o afamou não só a ele, como ao resto do grupo, e mesmo por isso convidou outro membro do seu trio nuclear, Conway The Machine. La Maquina e FLYGOD encaixam que nem uma luva neste beat aveludado de Beat Butcha e Mr Green, mas o horário nobre começa ao minuto e meio com JID — sim, esse mesmo.

À primeira vista, tal conexão quase parece mentira, mas a discografia de Westside Gunn já nos habituou a duvidar até da cor do céu, face à considerável lista de colaborações improváveis que só teima em aumentar a cada lançamento seu. Mas voltemos ao importante. JID, nascido e criado em Atlanta, tem pautado a sua música por ritmos alucinantes em BPM’s bem mais elevados que este “Mamas PrimeTime”, e, por isso mesmo, ver o seu nome na lista de créditos da faixa causa estranheza… até dar play. Apesar do aparente handicap, o rapper da Dreamville não teve dó nem piedade e ao longo de praticamente 2 minutos entrega um dos melhores versos do álbum através de um exercício lírico com alguma densidade, algo que é mais exceção que regra nos álbuns de Westside Gunn. Aliada a uma escrita requintada, a voz e o flow de JID são definitivamente a textura que não se sabia que precisávamos de ouvir no universo já grande da Griselda.

— Carlos Almeida


[GOkU] “Love Move”

As minhocas de Bristol continuam na escavação em busca de matéria sónica preciosa. E nestas aventuras pelo subsolo do jazz britânico, têm trazido à superfície bandas como Run Logan Run, Dundundun, Snazzback ou Ishamel Ensemble. Todas elas são bristolianas, e encontram-se profundamente empenhadas em lapidar groove-based jazz em estado bruto para o tornar em música polida e fulgente, cuja matriz tanto se entrelaça com as batidas digitais do nu jazz como as homólogas orgânicas advindas da música latino-brasileira e do afrobeat.

Mas quem anda sob terra, claro, arrisca-se a perder o norte. No caso da Worm Discs, esta “cegueira geográfica” foi uma maleita afortunada, uma deambulação de valor acrescentado, por assim dizer. Pense-se, por exemplo, na riqueza musical trazida para o catálogo da editora pelos glasgowianos corto.alto e AKU!, ou pelo coletivo TC & The Groove Family, originário de Leeds. Dado este contexto — e apesar da Worm Discs se ter mostrado ao mundo, em 2020, através de uma edição intitulada New Horizons: A Bristol Jazz Sound —, demonstram os factos que o labirinto de túneis cavado por Nathan, Jake e Jackson une já vários pontos de um Reino Unido sempre capaz de marcar tendências e de definir os caminhos do jazz do presente.

GOkU, a nova aposta da Worm Discs, não é, naturalmente, exceção a esses padrões. Apesar de ter nascido em Londres, Daniel Ashton reside atualmente, também ele, na culturalmente vibrante Glasgow. Aqueles que por já lá passaram sabem bem que esta cidade é terreno artístico bastante fértil. Intitulado 11:11, o álbum de estreia deste pseudónimo de Daniel Ashton reitera essa relação frutuosa entre Bristol e Glasgow, entre Glasgow e o jazz do agora.

No final de Setembro, tivemos acesso ao primeiro single deste trabalho, um groove de jazz espiritual inspirado pelas experiências de GOkU no Novo México. É um tema tórrido e miraginal, ritualístico e hipnotizante, que avança progressivamente como homem que caminha sedento, por vales e desfiladeiros, à procura de sombra num deserto de sol e aridez. A única brisa refrescante brota dos sopros e metais — saxofone, trompete e flauta —, que consigo arrastam melodias maviosas cujas trajetórias penetram na atmosfera enteógena tecida pela guitarra e percussões.

Contudo, sendo esta playlist referente a Outubro, para ela escolho o segundo single de 11:11, de seu nome “Love Move”. Oferece-nos, por aqui, GOkU, um outro groove, inicialmente disfarçado de exploração pianística de caráter reflexivo, mas que rapidamente ganha tração através de harmonias sintéticas debitadas pelas teclas, linhas de baixo pungentes, e uma voz etérea e adocicada que se imiscui com as ruminações da flauta. Seguem-se vários segmentos mergulhados em reverberação que consagram os solistas, cuja ação confere detalhes narrativos a um tema que, novamente, tem na sua génese uma envolvência paisagística. A acompanhar Daniel Ashton na guitarra elétrica, flauta e voz encontram-se mais 7 músicos de quem vale a pena relembrar os nomes. Aconselho, por isso, a que leiam as notas de apresentação do disco, e que fiquem desde já a par desta envolvente estreia de GOkU.

— João Morado


[The Alchemist] “Nothing Is Freestyle”

“Take a needle, drag it across a plate and cut a groove on it.” Receita de sucesso nestes mais de “twenty years” a tentar não fazer DJ Premier type beats, como confessou numa espécie de entrevista que deu à Complex ao lado de Earl Sweatshirt — com quem editou VOIR DIRE em Agosto passado. Não nos é, por isso, estranho ver The Alchemist a fazer qualquer coisa como: “I told the sample lay on the ground and then I stripped it”, tal e qual um bom cavalheiro de senhoras batidas. E tudo palavras do próprio, sublinhe-se. Designadamente em “Nothing Is Freestyle”, faixa simbólica a vários níveis: tanto dá o mote para o segundo volume de Flying High — que conta com as participações de Action Bronson, Conway The Machine, Gangrene e Curren$y — como assinala mais um registo raro por estes dias do produtor que começou por ser rapper. É um dos melhores a fazê-lo na produção, mas sempre que Alan Daniel Maman volta a pegar numa caneta e num microfone fica mais uma marca indelével nos anais desta cultura. E lá volta ele, de discrição impenetrável, à sua cave de trabalho. “It’s big unc on the checkout.”

— Paulo Pena


[Danny Brown] “Tantor”

Danny Brown está de volta. Com álbum novo a ser editado este mês, “Tantor” é o primeiro avanço de mais um trabalho do inconfundível rapper norte-americano. No single, Brown leva-nos em mais uma viagem pelo seu frenético mundo de barras aguçadas e instrumentais inesperados.

O beat é cortesia do veterano The Alchemist e o sample é da psicadélica “Oreja Y Vuelta Al Ruedo” da banda argentina Tantor. O resultado é um instrumental alimentado por um riff de guitarra de super-herói de uma altura em que as onomatopeias gritavam no ecrã. Mas a verdade é que não é a coisa mais estranha por cima da qual Danny Brown já deixou a sua caneta fluir.

O rapper mostra-se imperturbável, empenhado num disparo de consciência separado por refrões de desafio. Ouvimos humor, ameaças e devaneios ao estilo de quem os profere. No final, um Anakin Skywalker de coração partido e um Michael Scott suplicante emulam aquilo que sentem os adversários de Brown. Este super-herói ciborgue não está para brincadeiras.

— Miguel Santos


[Mura] “Bate Certo” feat. DJ Stereossauro (prod. Nineties Kid)

Nos últimos dias foi anunciado um álbum conjunto entre Mura e Stereossauro, um dos melhores talentos da nova escola do rap nacional e um dos grandes produtores (e DJs!) deste país, que tem cada vez mais um currículo único e uma identidade ímpar. Enquanto esperamos por este disco que já deixa água na boca, podemos deliciar-nos com uma espécie de aperitivo servido no mais recente EP do MC, Frenzy, editado neste mês de Outubro. Embora o instrumental de “Bate Certo” não seja de Stereossauro — está creditado a Nineties Kid — o artista das Caldas da Rainha assina os scratches inventivos que fizeram a diferença nesta faixa que, tal como as outras, voltam a mostrar a destreza de Mura na caneta e o reforçam como um dos principais valores a surgirem no underground do rap português nos últimos anos. Venha de lá esse álbum, que tem tudo para bater certo.

— Ricardo Farinha


[O Mau Olhado] “José José”

O baile só pára quando deixamos de nos permitir dançar. Propostas não faltam, e João Cardoso, que assina edições enquanto O Mau Olhado, é mais um nome a ter em conta no som de vanguarda que eleva a tradição a estatuto de cool. Nas mesma linhagem de projectos como A Naifa, Dead Combo ou Expresso Transatlântico, o músico portuense até começou por alinhar num formato de banda em Advogado Do Diabo, mas percebeu que é num formato mais minimal e intimista que consegue fazer sobressair o seu virtuosismo na guitarra através de uma recente série de singles. Entre o fado, o gipsy jazz e a música cubana, O Mau Olhado começou por nos brindar com “Valsa Carrossel” em Agosto deste ano, sucedido no passado mês de Outubro por este ainda mais contagiante “José José”, dois minutos de pura farra sem grandes truques, onde as cordas ganham asas na companhia de uma melódica e uma secção rítmica pobre de timbres, mas riquíssima ao nível do groove.

— Gonçalo Oliveira

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