pub

Texto: ReB Team
Fotografia: Máquina 3
Publicado a: 04/11/2020

Doze em linha.

#ReBPlaylist: Outubro 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Máquina 3
Publicado a: 04/11/2020

Há aqueles que só precisam de dar o mínimo para estar na frente da primeira liga (e até aparecerem duas vezes nesta lista…). Há aqueles que precisam de lavar a roupa suja em versos curtos e incisivos. Há aqueles que encontraram no confinamento novas formas de se ser criativo. Há isso… e muito mais.

Numa dos meses mais concorridos desta playlist mensal da equipa do Rimas e Batidas, olhamos para dentro e para fora, para cima e para baixo, para todo o lado e para lado nenhum. Enquanto meio mundo tem os olhos colocados nas eleições no país que, supostamente, manda nisto tudo, por aqui tentamos colocar os ouvidos longe dessa loucura. Venham connosco.


[NERVE x Ghost Wavvves] “Mínimo”

Depois de ouvirmos “Mínimo” ficamos com a sensação que acabámos de assistir a um documentário sobre predadores alfa. O novo tema de NERVE é tanto música como um showcase selvagem da proeza dos animais mais sedentos de sangue, todos invocados por Tiago Gonçalves, o “sacana nervoso”.

A produção de Ghost Wavvves é a paisagem sonora perfeita para a caminhada perscrutante de um lobo solitário, o saxofone a soar em vez do uivo à Lua cheia, enquanto os bombos graves disfarçam nas ondas marinhas a barbatana do grande tubarão branco que domina estas águas. E os versos ameaçadores disparados a velocidades estonteantes e com flows complexos mostram as fileiras de dentes de crocodilo que levam os haters às lágrimas. “Na tua cara e a pés juntos, sem pachorra p’a ser sniper”, entoa o rapper, abrindo as hostilidades com potente veneno réptil e honestidade crua. A própria mistura do som faz com que o tema soe a um voraz e fugaz salto de leão sobre uma gazela, que felizmente foi capturado pela lente de um observador atento. 

Mas a displicência com que entoa o refrão mostra uma bipolaridade estranha: tudo acalma, mas ao mesmo tempo tudo parece ainda mais aterrador. A maneira como declara o óbvio — que a sua proficiência literária não se materializa do ar e que exige trabalho — encosta suavemente a um canto aqueles que não foram tão abençoados pelo dom da palavra como Tiago Gonçalves. A selva tem um rei que nunca será visto como tal, mas as provas ouvem-se a bom som. Mais um dia, mais uma matança: as presas que se escondam.

– Miguel Santos


[Kojey Radical] “PROGRESSION FREESTYLE 2”

“I don’t wanna hear about top ten nothing. How my name get left out? How many times has a man been slept on?” 

Questões que ficam no segundo capítulo de “PROGRESSION FREESTYLE”, com Sir William Radical, do alto da montanha de concreto a apontar acusações audazes – “goodness gracious, so audacious” – mas pertinentes, pelo menos no que diz respeito ao universo anglo-saxónico. A arrogância tipicamente britânica ferve-lhe no sangue, elemento esse praticamente indispensável no formato freestyle. A autoconfiança nunca é factor em excesso num exercício de rap, e neste “PROGRESSION FREESTYLE 2”, essa vertente revela-se ingrediente-chave para a força dos versos em cadeia. 

O peso das batidas drill facilmente se dissipa assim que Kojey Radical as toma de assalto com “stood steady on my lonely, thinking about progression”. Aqui são as rimas que marcam os tempos e ditam as passagens. Não há versos a fazer de pontes; em cada linha há uma pedra de David, e debaixo dessa pedra está um lagarto Radical, cujas cores visíveis em projectos como Cashmere Tears não reflectem o veneno apurado que aqui se manifesta pela língua de Kojey. É um artista que oscila entre a crueza e a extravagância, entre o brilho ofuscante e a escuridão ameaçadora. E se sabe dançar e cantar como ninguém, também é capaz de bater o pé no chão e gritar bem alto – “shhh! Low it, convo dead now”. 

“Struggle for progress not perfection, little by little a little becomes a lot”… 

– Paulo Pena


[Lindstrøm & Prins Thomas] “Martin 5000”

Novembro marca o regresso do duo norueguês às edições. III é o título do próximo álbum colaborativo de Lindstrøm e Prins Thomas com data prevista de lançamento no dia 20, pela Smalltown Supersound. Ambos têm protagonizado algumas das mais relevantes interpretações no que respeita à esfera da música disco e electrónica durante dos anos 00. Foram já muitas as remisturas, as aventuras a solo e as colaborações diversas que aconteceram nos últimos anos, resultando, por sua vez, num silêncio de onze anos no que respeita a novidades conjuntas.

“Martin 5000” dá a apresentar o que aí está para chegar. A ascensão em fogo lento continua a contaminar a delicada arquitetura sonora numa incursão que tanto resgata referências ao mindset do krautrock como à liberdade intrínseca do jazz. O termo eletrónica é meramente cenário para explorar o que está além, quando se abraça a curiosidade. Há espaço para manobras caleidoscópicas, para delírios selváticos apaziguadores e sente-se, afinal, uma enorme sede por paisagens fora do quotidiano – vívidas de tão imaginadas que são. Lindstrøm e Prins Thomas seguem em 2020 iguais a si mesmos: pertinentes, livres e em terra de ninguém. Não buscam maremotos, mas acabam sempre por trazer novas marés à costa.

– Nuno Afonso


[James Blake] “Before”

No momento em que o Covid-19 ganha mais força e se volta a falar em medidas de confinamento, eis que surge o sempre oportuno James Blake com aquilo a que chamou de versão de quarentena do vídeo de “Before”, tema-título e um dos grandes momentos do seu novo EP.

Como já é seu apanágio, é neste formato que o músico solta o seu lado mais dançante e experimental e Before, apesar de mais contido que edições anteriores, continua a seguir esta linha. Abstraindo-se, em parte, da linguagem sonora de Assume Form, este é um regresso ao passado denso, intrigante, dançante e intenso de James Blake, mas onde, desta feita, a cor e o optimismo do seu último álbum continuam a assumir as palavras e a emoções presentes.

Um tema absolutamente viciante que começa lento e reflexivo e termina num apoteótico e catártico momento que pede o nosso melhor balanço. À falta de uma boa pista de dança, James Blake oferece-nos um regresso na sua melhor forma para dançarmos em casa, bem confortáveis e sem qualquer vergonha.

– Luís Carvalho


[HHY & The Kampala Unit] “Science of Dust”

A beleza do processador HHY de Jonathan Saldanha, ou seja, a sua massa encefálica em ligação com o que acontece nos canais de uma mesa de mistura, é que o seu servidor opera sem ligações geográficas. É algo que se ouve em Macumbas e que se processa em Kampala Unit, com o cérebro dub a transitar continentes. Lithium Blast, que não é a estreia de Saldanha na Nyege Nyege Tapes, é o culminar de um percurso de meses do produtor portuense em África, onde colaborou com artistas locais para criar este LP. “Science of Dust” é apenas um exemplo de tudo o que preenche o disco — e se souberem como o descrever, cá estamos nós abertos a sugestões que combinem percussão do Uganda, dub como método e ambientes quase litúrgicos. No que a adjectivos diz respeito, ficamo-nos apenas por um: imperdível.

– André Forte


[ESCALPE] “THOMASIN”

Se tudo fosse perfeito no mundo, hoje seria o primeiro dia depois de Trump, a pandemia teria os dias contados, a harmonia seria restabelecida, os ordenados subiam tal como a temperatura, as salas de concertos voltavam a receber-nos a todos, de braços abertos e sem máscaras, e ESCALPE estaria lá em cima, no topo da montanha.

ESCALPE é Il-Brutto a tomar conta das batidas e dois dos mais excelsos artistas das palavras e dos flows que percorrem os caminhos da nossa terra: Tilt, homem da Raia e de Orteum, e NERVE, o ideólogo da Purga para quem as palavras são pura poesia, mesmo que torcida, como a vida. Ouvi-los aos três é como assistir a uma aula em que Picasso e Dali nos ensinam a pintar direito, mesmo com linhas tortas, enquanto o Hitchcock os enquadra e lhes empresta a luz certa para que tudo faça ainda mais (ou menos…) sentido.

A tripla acaba de se estrear com “THOMASIN”, arrancando-nos o escalpe sem apelo nem agravo de forma a melhor poder comunicar directamente com os nossos neurónios, dando nós nas nossas sinapses e obrigando-nos a ter o botão de rewind afinado para que não se perca pitada. São mestres dos subterrâneos a pedirem mais luz. Não há-de tardar, até porque nada dura para sempre, nem Trump, nem a pandemia, nem as salas fechadas. Lá chegará, também, a hora de ESCALPE. Vão-se preparando.

– Rui Miguel Abreu


[Nosaj Thing] “Opal”

Nosaj Thing deixa saudades de tempos a tempos. O seu Parallels, último longa-duração, data já de 2017, e foi especialmente marcante pelo mergulho vertiginoso numa electrónica mais sombria, com uma direcção estética bastante mais vincada, afastada do beatmaking menos denso que o caracterizava. Depois disso, alguns remixes surgiram à tona e, já este ano, o single “For The Light” apontou para um arranjo surpreendentemente indie, mas algo estéril. 

Assim, e finalmente, “Opal” abre caminho para um EP (No Mind) que entusiasma qualquer fã de beats imersivos e sonhadores. Um loop de teclados de textura dócil contrasta com um breakbeat que faria qualquer raver levantar as sobrancelhas. O baixo repetido só pede o sistema de som certo – ou os headphones, porque a música de Jason Chung sempre funcionou bem num quarto à meia-noite com um candeeiro a meia-luz — para poder ressoar. Embora se sinta o potencial para ver este loop subir até outras altitudes mais íngremes, Nosaj Thing deixa-nos a meia-catarse, a salivar por um crescendo maior. Ele deixa saudades de tempos a tempos, já tínhamos dito?

– Vasco Completo


[Fred again..] “Jessie (I Miss You)”

As colaborações à distância não são de agora mas começam a fazer sentido — e cada vez mais do que nunca. No caso de Fred again.., os resultados estão a ser o mais honestos possível e oferecem uma outra cor a este tipo de parcerias. Sabem a pessoas “reais”, vulneráveis, que deixam de lado as máscaras que os tratamentos dos grandes estúdios e equipamentos oferecem, como quem quis deixar de ser celebridade por um dia.

O produtor inglês tem estado na grande montra do hip hop e da música pop durante a última década e é por esta altura um nome já consagrado no que toca a criar êxitos, tendo trabalhado ao lado de gente tão distinta como Ed Sheeran, Eminem, Stormzy, Roots Manuva, Charli XCX ou Headie One, este último um forte candidato a rapper do ano e com quem dividiu GANG, o LP em que Fred Gibson se atirou sem receios às novas tendências do drill e do afroswing.

Depois da pandemia e consequente isolamento social, o compositor e multi-instrumentista não quis deixar de aproveitar os inputs de outros artistas e arranjou uma forma prática de o fazer. Através do sampling, recortou alguns soundbytes de vídeos que lhe vão surgindo no feed e nas caixas de mensagens das suas redes sociais ou em pequenos memorandos audiovisuais que arquiva no telemóvel, com o objectivo de criar temas originais em torno daquelas ideias em formato bruto. Daí têm nascido exercícios executados a partir de contributos indirectos de Billie Eilish, Aminé, CHIKA ou, mais recentemente, Jessie Reyez, cuja doce voz se deixa embrulhar pelas várias camadas do produtor neste “Jessie (I Miss You)”, uma das mais bonitas baladas pop que ouvimos até agora em 2020 e que nos oferece uma forma mais positiva de encarar todo este clima atípico que atravessamos.

– Gonçalo Oliveira


[Angel Bat Dawid & Tha Brothahood] “Black Family”

LIVE aconteceu, passe-se a redundância, ao vivo em 2019. No entanto, ficou gravado no tempo para se revelar o que o mundo perdera. Exactamente um ano depois, Angel Bat Dawid, juntamente com o seu grupo Tha Brothahood, deu-nos a conhecer o que o Haus der Berliner Festspiele presenciou durante o JazzFest de Berlim.

A experiência não foi a melhor: a cidade revelou-se uma desilusão para a artista e activista norte-americana, tal como se pode perceber no sample (uma gravação captada por um elemento da sua banda) utilizado em “Enlightement”: “ever since I’ve been here y’all have treated me like shit!”. Durante a estadia, Angel viu-se confrontada com situações em que foi alvo de racismo, como referiu no comunicado que acompanha este lançamento. Porém, o que aconteceu durante a feroz atuação, e que ficou registado, comprova, mais uma vez, a força revolucionária do jazz enquanto pilar da expressão cultural.

Apesar do infeliz desenrolar dos acontecimentos da banda na cidade alemã, Dawid realça que o concerto a fez “pensar em todos os artistas que no passado sofreram muito mais do que alguma vez sofrerei nesta indústria musical. Foi um concerto muito bonito e libertador… Demos tudo!!”.

Tendo em conta o ambiente e sentimento que precedeu o concerto, é de realçar a quarta faixa do disco, “Black Family”, em que se expurga a incompreensão, a fúria e a perpetuação de princípios desumanos de forma cativante e sedutora.

– Rita Matias dos Santos


[M’Cirilo] “Falhas” ft. Roke (Prod. TK)

É sabido que a escola de hip hop do Porto tende a envolver-se com a auto-reflexão. É uma dança fria e melancólica que se solta dos desabafos dos MCs e é absorvida pelos beats.

M’Cirilo pertence a uma geração recente desta tradição. Autor de É o Que É, de 2014, e de singles com o carimbo Paga-lhe o Quarto, como “Consumismo”, “Tu nem Notas” e o último “Falhas”. O seu appeal é imediato. “No Outono há uma dor que desespera/ E chega sempre que calculo o que perdi na Primavera”. A letra abre desta forma e mantém-se em caminhos pouco concretos. Acompanhada por um sample igualmente desalentado, a música aponta ao de leve para uma pessoa, mas nunca o faz de forma palpável. É sobre falhas e, mais do que compreendermos o que falhou, sentimos que falhou. Roke e a sua voz estrondosa seguram o segundo verso e explicitam o assunto. Ainda assim, o grande trunfo de “Falhas” é a sua dança fria com a melancolia. É a sua capacidade de servir os demónios do autor com musicalidade e sinceridade.

E é esperançoso perceber que a escola do Porto se auto-alimenta sem se dar conta.

– Gonçalo Tavares


[Zé Manoel] “Pra Iluminar o Rolê”

“Pedindo que a bala perdida se perca de vez, p’ra gente se encontrar/ Teu retorno é macio, teu retorno é alívio/ E quando chegar, não esquece de mandar mensagem/ O céu convida e as ruas seduzem/ Que as deusas te guardem”. As palavras são de Bell Puã, poeta do Recife, e sublinham a preocupação de Zé Manoel: “esse medo que a gente tem com as pessoas que a gente ama e que tem suas vulnerabilidade. Pessoas pretas, pessoas LGBTQI, mulheres” — e especial atenção para gente negra e trans, em permanente risco a cada passo que dá na rua.

Esse é só o interlúdio. Depois, um batuque intermitente por via de “Why Can’t We Live Together?” (a mãe de “Hotline Bling”), que cai para pano de fundo. A voz roça o tom de Paula Morelenbaum, a cadência aproxima-se de Luca Argel. O arranjo é primo da resplandecente MPB de Djavan ou de Paulo Diniz: pianinho, percussão macia, até uns apontamentos sintéticos, que nem páginas arrancadas do último álbum de Helado Negro. A afinidade com This Is How You Smile não está no som, mas na forma como o adequa ao sentimento, à sua luminescência. 

Se quisermos distorcer a letra, fica aqui uma mensagem passivo-agressiva à luz de eventos recentes. “Não quero fuçar mais seu Instagram para saber/ Só me resta pedir que Deus proteja o seu rolê”: uma boa mensagem para as Kendall Jenners e os The Weeknds desta vida erroneamente pós-pandémica. Que a escolha deste “Rolê”, contudo, não seja entendida como definidora de Do Meu Coração Nu (onde talvez “Adupé Obalauê” seja o hino mais imediato). Cada canção é equivalente no seu incentivo ao despudor da emoção, para que também ousemos mostrar um ventrículo ou outro.

– Pedro João Santos


[Yung Bleu] “You’re Mines Still” (feat. Drake)

Se existisse uma cadeira de Toxicidade numa qualquer universidade desta vida, Drake seria certamente um dos seus professores mais reputados — e, muito provavelmente, um dos maiores entendidos na matéria, aquele a quem se recorreria quando se precisasse de todas as respostas sobre o assunto.

Não estávamos ao lado de Drizzy quando se deparou pela primeira vez com “You’re Mines Still” de Yung Bleu, mas projectamos um cenário muito semelhante a este: bastou-lhe o título para saber que queria entrar — nem precisou de ouvir a música. E as suas rimas — não recomendáveis para aqueles que tenham visto o seu coração partido por uma cara bonita — já lá estavam à espera, mágoas que guardou para servirem de matéria-prima para este veneno musical que nos torna a todos um pouco mais tóxicos.

Num instrumental que dita o tom para esta balada r&b sem medo de ser piegas, o autor de Dark Lane Demo Tapes atira-nos ao tapete com as quatro primeiras linhas: “Pretty face, pretty tempted/ But pretty taught me ugly lessons/ Pretty had me giving more than I was getting/ So if pretty don’t come with something well then I dead it”. A partir daí, o artista canadiano não se segura, deixando-nos saber tudo o que vai lá dentro, sempre naquele seu registo confessional que nos deixa quase à beira do desconforto e com vontade de perguntar: Aubrey, estás bem?

– Alexandre Ribeiro

pub

Últimos da categoria: #ReBPlaylist

RBTV

Últimos artigos