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Texto: ReB Team
Fotografia: Christopher Cargill
Publicado a: 03/12/2020

Tirar a pinta.

#ReBPlaylist: Novembro 2020

Texto: ReB Team
Fotografia: Christopher Cargill
Publicado a: 03/12/2020

O rap é venenoso? Algum dele, muito provavelmente. O r&b é tóxico? Bem, uma parte também será, possivelmente. As grandes indústrias são compostas por gente que olha primeiro para o proveito e só depois para as consequências das suas acções? Digamos que não será uma afirmação descabida, de todo. Se as escolhas deste mês têm exemplos de tudo aquilo de que falámos em cima? Talvez…


[Donte Thomas] “la manzana” feat. Corey G, Donta

Há uns meses, em conversa com Regula via Instagram (atentamente acompanhada pelo Rimas e Batidas), Sam The Kid chocava o país com uma revelação surpreendente: “eu nunca comi uma maçã”. E vocês, já provaram “la manzana”? 

how do you like them APPLES? serve de macieira a esta “la manzana”, a primeira faixa do novo álbum de Donte Thomas, partilhada com Corey G e Donta, e dividida em dois segmentos separados pelo interlúdio onde se ouve “I don’t know what the apples are for”.  

Na primeira parte, os instrumentos entram com a mesma determinação que Donte, e sente-se no sample (que bem podia ter sido podado por STK), na bateria, no baixo e na guitarra (emprestados pelos Yussef Dayes e Thundercats desta era)  a frutose que adocica os ouvidos de quem se arrisca a esta prova cega. Afinal, o rapper de Portland é ainda um nome desconhecido, pelo menos por cá, apesar de constar numa lista, que se alonga cada vez mais, de “rappers da internet”, escola esta altamente influenciada por uns miúdos com um “futuro estranho”. Sente-se na voz “samplada” o sabor do fruto proibido mais apetecido, e a entrega ingénua e destemida de Donte nos versos é o factor determinante que nos faz ficar para visitar o pomar. 

Colhida há poucos dias, e ainda verde nas nossas bibliotecas musicais, esta maçã apresenta já um corpo maduro, no ponto, pronto a consumir. Uma “manzana” por dia, não sabe o bem que lhe fazia. 

– Paulo Pena


[Antonio Neves] “A Pegada Agora É Essa” feat. Esguleba

“A Pegada Agora É Essa” — ou, como quem diz, isto é o que se ouve no momento — é o novo single do multi-instrumentalista e arranjador Antônio Neves. O tema fará parte de um álbum homónimo com data de lançamento prevista para 19 de Fevereiro de 2021 e que será uma edição da Far Out Recordings. Sob uma matriz de jazz modal, o músico incorpora várias sonoridades da música do Brasil, desde o MPB até ao samba, passando ainda pelo funk carioca e não esquecendo, pois claro, linguagens mais universais como o rock ou o pop. O resultado final é uma faixa de um ecletismo delicioso que toca em vários domínios sem nunca se comprometer. Um excelente preâmbulo que nos deixa expectantes para ouvir o que daí virá… 

– João Morado


[CFAS & Dinho] “Incoerentes”

Lembram-se da “Stress” dos Justice? Já faz conta com uns bons anos, mas não é difícil lembrar a revolta associada a violência presente no vídeo. Foi um falatório de meses e meses, em que se falava da componente visual, mas se esquecia que o som não ficava atrás, era um alarme aos sentidos, banda sonora perfeita para a revolta, para um êxtase de agressividade, de visceralidade e de tensão.

Em 2020, CFAS, com a ajuda de Dinho, volta a trazer esses sentimentos a tona, e da melhor maneira diga-se. “Incoerentes”, é um grito de adrenalina, uma fábrica de criar receios e medos, em que qualquer delicadeza que pudesse existir é substituída por um sentimento bruto e febril, tão bem exposto pelo timbre assombroso e único de CFAS. Produzido por Nyc Bangers, que desenhou este terramoto sonoro em forma de rap, “Incoerentes” veio provar que estamos perante um valor que devemos ter atenção. Num tema que fala tanto de falsidade, não há nenhuma mentira nesta afirmação.

– Luís Carvalho


[Aline Frazão] “Luz Foi”

Quando a luz vai, não volta mais? Noutros dias (como o de hoje), poderia pender para o cinismo, um golpe de asa para ver se tudo avança mais rápido, se passa tempo suficiente para que o filamento se conserte a si mesmo. Hoje, é Aline Frazão quem coloca a questão: deixemo-la responder também.

É-lhe talvez impossível ser menos do que luminosa, mesmo em dias insulares ou de chuva: a artista converte qualquer sinal de esmorecimento em melodia térmica, letra nobre, os mil refrães possíveis e a instrumentação que faz “Luz Foi” parecer a elegia mais festiva alguma vez gravada. O trompete de Diogo Duque é um ombro amigo, a bateria de Marcelo Araújo e a percussão de Yasmane Santos são forças anímicas a recrudescer, no trilho apontado pelo baixo de Mayo…

Mesmo quando Aline canta Angola, o seu amado reino de lata, 45 anos depois de uma independência infrutífera; o seu futuro roubado como um brinquedo, sabe-se lá por quem. Na sua voz, a esperança há-de ser sempre candeia. Até quando os braços fraquejam, até quando o fardo do dia desfigura o sorriso que o viu nascer.

Mas a nuvem que segurava a água do céu precipita-se, alaga as ruas. Só resta encher o bidon: um gesto que Aline não inventou. Pertence a um povo há demasiado tempo às escuras. Um povo cujo peito ainda segura o coração apertado, mas com que firmeza? Gente que, todos os dias, de algum jeito, inventa a luz ele próprio, sozinho. A luz volta, pois, e a que custo?

– Pedro João Santos


[Valete] “Indústria Dos Sonhos”

A voz é uma arma, e há poucos que a sabem usar como Valete. Keidje Lima está de volta com uma mão cheia de temas qual caçadeira do hip hop a disparar em múltiplas direcções. E apesar de haver muito para dizer sobre o ímpeto voraz de “Olimpo” ou sobre a electrificante estrofe de Viris no banger que é “Ilha de Honshu”, “Indústria dos Sonhos” chama a atenção de uma maneira especial. 

O beat, primaveril e polido, contrasta a lição de Schopenhauer que Valete declama nas suas palavras: “O nosso destino é sofrer nunca foi alcançar sonhos” introduz-nos ao tema marcando desde início o fatalismo desta música. Há um soturno storytelling de um observador nato e a sua poesia aguçada e pesada não deixa ninguém indiferente neste “cemitério dos vivos”.

Ainda que seja uma música pessimista, não é a primeira vez que Valete consegue cativar com temas sombrios. “Indústria dos Sonhos” faz parte de um conjunto de potentes temas de pesar sentimental como “Não te Adaptes”, “Revelação” ou “Serial Killer”, desenhados para que sintamos enquanto escutamos. Esta empatia que Valete consegue criar entre o ouvinte e temas desconfortáveis é o que a torna a sua música tão especial. Passado quase vinte anos de Educação Visual, Keidje Lima continua a mostrar o seu calibre. A voz é uma arma, e há poucos que a sabem usar como Valete.

– Miguel Santos


[Giggs] “Im Workin” feat. Jorja Smith

Jorja Smith e Giggs têm trabalhado (muito e) bem, disso não há grandes dúvidas, mas fizeram questão de prová-lo enquanto dupla em “Im Workin”, faixa de Now Or Never, o mais recente trabalho do rapper.

O “boss flow with a lower tone” do MC é confortovalmente colocado em cima do instrumental, uma entrega sem esforço que quase parece dizer nas entrelinhas: “faço isto com uma perna nas costas, nem vale a pena tentarem comparar-se a mim”. E ainda se ri aqui e ali, um desdém que ganha outro volume quando entra o tom contrastante da autora de Lost & Found, que aparece mais venenosa do que nunca: “The snakes giving out the biggest hugs, I’m poisonous too/ I’ll choke you on your words and spin them on my next record, boo”. Sheesh

– Alexandre Ribeiro


[BAD BUNNY x ROSALÍA] “LA NOCHE DE ANOCHE”

El Conejo não é, na verdade, assim tão Malo. Muito pelo contrário. O lugar que ocupa no panteão pop deste estranho 2020 é inequívoco: prolífico, por esta altura já não restam quaisquer dúvidas de que a sua criatividade não se conforma com as regras de distanciamento musical e a verdadeira avalanche de música que produziu durante estes meses traduz uma inquietude criativa que mais do que saudável é bem vinda. Este tema com Rosalía é mais uma pérola: duas estrelas brilhantes unidas por uma língua ainda que separadas por um oceano, num pedaço de sensualidade ritmada a que é extremamente difícil resistir.

– Rui Miguel Abreu


[Dylan Joshua] “Delete”

À saída de ASTROWORLD, Dylan Joshua deparou-se com um carro abandonado e rapidamente se meteu ao volante para dar umas voltas. Foi uma viagem sem regresso. Tudo começou em Alternate: The Mixtape e, sem tirar o pé do acelerador, rapidamente chegou a hologram° com uma noção técnica bem mais aprimorada. Depois vieram os singles. Primeiro um também recomendável “can’t stay” (não confundir com “CAN’T STAY“…), seguido de um “LOADING… [432hz]” e agora “DELETE”, apresentado como um freestyle ou, se quiserem, uma espécie de desvio da trajectória que parece estar a levá-lo a bom porto, ele que já anda o radar do Spotify Canadá. Entre o esgotamento e a clarividência, Dylan Joshua vai ao futuro buscar a nova colaboração que Travis Scott e WondaGurl ainda nem planearam.

– Gonçalo Oliveira


[UNITEDSTATESOF] “(wing​)​fFrii”

A cargo do selo Rotten / Fresh, João Rochinha tem sido um dos principais dinamizadores da música mais onírica e imersiva nessa mesma editora portuguesa, mas não só. Agora, na Rádio Quântica – fora da vertente editorial criadora de UNITEDSTATESOF; de ADW, num registo mais rasgado e possante; ou da parceria ambient com FARWARMTH, Purga –, o produtor iniciou a nova residência “for 0”, “onde as franjas mais distantes da arte underground são bem-vindas e reunidas para criar duas horas de submissão musical sem géneros e categorizações”, na qual assume uma maior regularidade que a que nos tem vindo a habituar, tendo lançado várias mixes para diferentes rádios e etiquetas a nível internacional.

A ponte para o seu currículo enquanto DJ serve apenas para denunciar a relevância e a influência que o seu gosto e a sua atenção à actividade musical dos seus pares está intrinsecamente ligada à sua motivação na procura por novos ambientes sónicos por gravar. Enquanto as seus mixes demonstram interesse em música bastante diversa (num âmbito mais experimental, claro está), a sua produção sob o pseudónimo UNITEDSTATESOF mantém uma conexão muito próxima ao estilo ambient, espaçoso, imersivo e contemplativo em momentos.

“(wing)fFrii” sobressai neste refresh, com texturas sedosas de mãos dadas a samples dissonantes, animalescos ou mais humanos, assim seguindo um raciocínio lógico (embora impreterivelmente onírico, não esquecer) que vem já desde outros trabalhos seus, particularmente Selections 1. O ritmo volta a existir em segundo plano, em samples e percussões que ainda não secaram totalmente do seu mergulho na piscina de reverb. Os sintetizadores longos e etéreos são a gravidade duma música que insiste em ser escutada numa insónia que talvez se queira mesmo ter. 

– Vasco Completo

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