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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/02/2022

De dentro para dentro.

#ReBPlaylist: Janeiro 2022

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/02/2022

Das seis escolhas deste mês, quatro são produção nacional. Das quatro cá do burgo, três são de projectos que agarram pouca atenção para lá destas paredes digitais, mas que, espera-se, tenham mais luz em cima de si em 2022. Do outro lado da barricada estão os Fado Bicha, que terão a grande máquina do escrutínio a analisar-lhes os movimentos — que dessa análise saia um povo grandioso em vez de um “Povo pequenino”…


[Dust Devices] “Finally Automatic”

É uma das mais recentes novidades do “nosso” Sónar e se, para alguns, o nome Dust Devices ainda é uma descoberta, para outros, aqueles que têm seguido as interessantes edições da Mera, a presença do produtor no cartaz não é mais do que uma confirmação da atenção crescente sobre o seu entusiasmante trabalho. Assim sendo, chegam-nos novidades, não pela mão da editora portuense, mas pela neerlandesa Zodiak Commute Records. Um split EP que arranca com “Finally Automatic”, faixa onde o techno de Dust Devices, continua a encontrar-se com o EBM e o breakcore, mas em tonalidades ainda mais acid, mais musculadas e ríspidas para as sinapses. Não há tempo para descansar, sobretudo quando há um fat bass como este presente.

– Luís Carvalho


[Yard Act] “100% Endurance”

Para abrir 2022, que tal um cocktail de niilismo e fatalismo? É isso a que se propõem os Yard Act e o pessimismo optimista de “100% Endurance”. E se essa descrição soa antitética e impossível, deixará de o ser a partir do momento em que ouvimos os seus acordes saudosistas de guitarra pela última vez neste tema. A canção é um dos destaques do álbum The Overload, a estreia em longa-duração de um dos grupos mais excitantes a sair do Reino Unido nos últimos tempos.

A escrita do vocalista James Smith é a estrela desta música, imaginando um mundo em que os seres humanos se deparam com extraterrestres que são em tudo semelhantes a eles, incluindo na sensação de deriva em relação ao seu lugar no universo. Mas o instrumental desabrocha no pragmatismo do refrão: a maneira calma como Smith declara “It’s all so pointless” acolchoa o pânico da desorientação com teclas quentes e um baixo autoritário que nos tranquiliza com canções de abalar graves. 

“100% Endurance” é uma reflexão nua e crua, sem adornos ou falinhas mansas, e é por isso uma ponderação perfeita para encarar este novo ano. Olha a fatalidade e finitude da vida de frente, sem esconder nunca esse facto e com uma atitude guerreira. “Give it everything you’ve got knowing that you can’t take it with you”, ouve-se na última estrofe. E não poderíamos imaginar melhores palavras para nos acompanharem durante este novo ano.

– Miguel Santos


[Bandua] “Cinco Sentidos”

When Berlin meets Beira Baixa podia ser uma boa expressão para tentar caracterizar o encontro de tempos e de espaços que o músico e produtor Tempura, isto é, Bernardo D’Addario, tentou construir em parceria com o cantor e compositor Edgar Valente, que conhecemos de Criatura ou de They Must be Crazy. Ao duo chamaram Bandua, propondo-nos uma nova aventura em que a eletrónica global encontra as raízes poéticas e populares da música portuguesa, e em particular da Beira Baixa. Depois do primeiro single criar expectativa, este segundo confirma-a plenamente. O álbum está anunciado para 11 de fevereiro, mas neste “Cinco Sentidos” encontramos condensados todos os ingredientes que, muito provavelmente, farão deste um dos mais imaginativos discos da música portuguesa de 2022.

Com um videoclipe realizado por Cláudia Batalhão, o tema propõe uma fundição das sonoridades eletrónicas do downtempo berlinense, com as raízes da poesia popular da Beira Baixa, as suas tradições orais, aqui homenageadas e resinificadas. Talvez por isso, como nos relevaram em entrevista, as suas inspirações para o projeto tenham cruzado referências tão distintas como Nicolas Jaar, Aid Pauli, Four Tet, Catarina Chitas, as Adufeiras do Paul, o José Afonso ou o João Aguardela. E por entre tantas e tão diversas referências emerge um som realmente distinto e que só pode ser daqui e de agora, deste espaço e deste tempo. Edgar Valente assume-se, uma vez mais, como um vocalista de múltiplos recursos e possibilidades, com uma voz sensível até à medula, fundada que está nas raízes profundas do som, da palavra e das tradições orais portuguesas. Tempura acrescenta-lhe inventividade e bom gosto, construindo um espaço sonoro onde não só voz se amplia, como abre espaço para que a sua música possa ser ouvida e compreendida em qualquer parte do mundo. Temos Bandua! 

– João Mineiro


[Fado Bicha] “Povo pequenino” 

Era o povo pequenino e ainda assim enchia a casa da liberdade de tantos que não a engrandecem. Haja quem cante outro país que o amanhã merece mais, não é? No próximo festival de canções nossas que querem ser de toda a Europa, a dupla Fado Bicha de João Caçador e de Lila Tiago apresenta uma canção-manifesto que quer derrubar as estátuas (pequeninas) que a nossa memória pensa que nos enaltecem a história e a identidade: as dos pés descalços na geada, da cartilha da pancada, da submissão à enxada, as de um povo fascinado com um mar cujo fundo se encheu de escravos, que ama o bastão e se contenta com tão pouco e por isso mesmo não sabe dizer “não chega” e gritar antes “queremos mais”. A canção dos Fado Bicha fala-nos disso, com nobreza afadistada, produção que aceita o passado e reclama com estilo certo o futuro, oferecendo-nos um balanço que convida à dança consciente. Tão bonito, não é?

– Rui Miguel Abreu


[J.I.D] “Surround Sound” (feat. 21 Savage & Baby Tate)

Há samples intocáveis, verdadeiros casamentos perfeitos entre canção original e recriação instrumental. “One Step Ahead” de Aretha Franklin e “Ms. Fat Booty” de Mos Def são exemplo por excelência dessa relação exclusiva, certo? Errado. Um passo à frente estiveram Nuri, Christo e DJ Scheme, os produtores creditados em “Surround Sound” que trocaram as voltas aparentemente imutáveis que Ayotollah deu numa das mais célebres faixas de Black on Both Sides

J.I.D encontra-se 10 passos à frente da maioria dos seus pares e aqui matou dois coelhos — que é como quem diz 2 beats — de uma cajadada, deixando os restos para 21 Savage e Baby Tate, que também não deixaram nenhuma batida por sobrar. Pensavam que já tinham visto tudo? Nós também. Mas, pelos vistos, não há samples para a vida toda. E quando menos dermos por isso, aparece outro para os levar.

– Paulo Pena


[ALMA ATA] “Pussurinhos”

Para termos um Por Este Rio Abaixo em 2021, Pedro Mafama teve de conhecer algumas pessoas que lhe deram jogo de cintura. Duas delas, nomes que acabam ofuscados quando são colocados ao lado de outros mais mediáticos, são Pedro, o Mau (aka VULTO.) e Caronte, uma dupla que parece andar em processo contínuo de descoberta desde que os ouvimos juntos, pela primeira vez, em “MIGUEL“, faixa que já data de 2017.

Alguns anos depois, já com um pensamento menos rap e mais canção popular/tradicional, o duo de COLÓNIA CALÚNIA desdobra-se em Pedro & o Lodo e ALMA ATA (com o guitarrista Tomaz) para nos embalar em melancolia, tensão que não se solta e palavras e electrónicas que se fecham em si mesmas. Música feita para quem começa o dia com um café e um cigarro — e existencialismo a rodos.

No ano passado, o projecto a três soltou sem qualquer pompa e circunstância os EPs um, dois e três, todos compostos por três faixas, lançando extensões disso em formato vídeo no YouTube e no Instagram. O último que mereceu esse tratamento de Maria Sécio foi “Pussurinhos”, tema com cerca de dois minutos em que a contenção, a indolência e a minúcia nos pormenores do instrumental fazem a cama para a escrita visual e apurada de Miguel Afonso — “Tiro férias quando me encho de conforto em copos gastos, vazios como eu”, canta-nos a certa altura, atirando, mais à frente, que “Visualiza uma cereja a ceder levemente ao cerrar dos teus dentes, o sumo espirrado como um Pollock”. Ok, já estão a ouvir, mas conseguem ver…?

– Alexandre Ribeiro

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