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Texto: ReB Team
Fotografia: Daniel Rocha
Publicado a: 10/05/2023

Em bom português.

#ReBPlaylist: Abril 2023

Texto: ReB Team
Fotografia: Daniel Rocha
Publicado a: 10/05/2023

Abril foi mês de mais um aniversário da nossa publicação e o momento foi aproveitado para puxar a brasa à sardinha da música portuguesa — primeiro com um ponto-de-vista, depois com uma entrevista a INÊS APENAS (uma voz activa no protesto contra a descida da quota de música portuguesa na rádio de 30% para 25%), havendo ainda uma playlist, a Portugal 200, planeada para aterrar dentro de breve, estendendo para Maio esse importante debate em torno da valorização daquilo que é nosso.

Sem resultados combinados, a #ReBPlaylist do mês passado quase que podia ser uma pequena amostra dessa Portugal 200, tal foi o foco a incidir sobre temas que têm ajudado a enriquecer o momento presente do cancioneiro nacional — em seis canções, apenas uma não é portuguesa, sinal de que estamos todos em sintonia e a remar para o mesmo lado. Ainda que publicada tardiamente, há motivos para sorrir na mais recente edição da lista de reprodução mensal do Rimas e Batidas.


[Chullage] “Sonhei Que No Meu Bairro”

Não se trata de um regresso porque Chullage nunca deixou de estar por aqui. Nas suas múltiplas metamorfoses artísticas, tem construído um percurso avesso ao congelamento da sua identidade estética. Nas ruas, o seu compromisso militante com quem luta por uma vida justa moldou um estilo de observação minuciosa, comovida e implicada. E está tudo aqui, nesta síntese impiedosa, onde sonhos por cumprir resumem cinco décadas de democracia amputada. Um regime onde persistem linhas de cor que definem fronteiras. Onde motivos de especulação derramam comunidades encarceradas. Onde processos de realojamento se tornam processos de segregação. Onde novos regimes de trabalho forçado se alimentam com pânico mediático e oportunismo institucional. Onde proliferam os diferentes aromas das continuidades coloniais e das suas necropolíticas. Onde se reproduz um projeto colonial de cidadania em cidades que dançam a música daqueles a quem não reconhecem nacionalidade e direitos. Há mais profundidade em cinco minutos de Chullage que nas muitas horas de álbuns onde tanto se rima e nada se diz.

Que Sam The Kid, enquanto produtor, tenha estado à altura da riqueza lírica e observacional de Chullage, não é nada que nos surpreenda, ainda que se deva registar. Mais que uma colaboração profissional, trata-se de uma comoção partilhada ao longo de décadas, entre dois criadores radicalmente livres e que se admiram profundamente. Talvez por isso seja quase instintiva a forma como o produtor de Chelas capta, sustenta e potencia a forma como Chullage usa a rima como instrumento rítmico e percussivo. Em três andamentos, Sam The Kid constrói um suporte seguro e flexível, espectral e dirigido, onde a modelagem do som se encaixa na forma da métrica e da sua intenção, sem que nenhum dos elementos se ofusque ou perca relevância. O futuro dirá se desde encontro nascerão novos frutos. Até lá, aproveitemos.

— João Mineiro


[DJ Danifox] “Tarraxo 001”

DJ Danifox não descansa. Quase um ano depois de nos presentear com um potente EP, o artista nascido Daniel Veiga está de volta com o álbum Ansiedade. Move-se a bom ritmo neste novo trabalho, especialmente em “Tarraxo 001”. À semelhança daquilo a que já nos tem habituado, há muita coisa a acontecer neste tema do artista “hiperactivo” que é Veiga. Mas o que a destaca das restantes é a maneira como nos embala docemente.

Há uma ginga semelhante a um berço, balançamos de um lado para o outro, entrosados em harmonia com a batida. Uma espécie de cravo simulado abre as hostilidades, que depressa se ouve rodeado por um ambiente de percussões aquosas. A melodia áquea que se junta ao restante ensemble de um só homem traz saudade nas suas notas, pede que nos aproximemos, enquanto a serra sonora encoraja a manter-se uma certa distância. É uma música que diz muito e as únicas palavras que ouvimos são “Danifox Beats”, a marca de água sonora de um artista que deixa a sua música falar por si. “Tarraxo 001” é o seu nome, mas será sem dúvida a última coisa a sair-nos da cabeça este mês. 

— Miguel Santos


[Pedro Mafama] “Preço Certo”

Ok, sei que estamos um bocado fartos de portugalidade, mas hear me out: e se o novo disco do Pedro Mafama, que se tudo correr bem verá a luz do dia neste final de mês de maio, for o pináculo destas explorações estéticas e sonoras? Não é uma tese totalmente improvável tendo em conta a qualidade de “Estrada” (abrir aqui discussão sobre o uso de Mafama do “Hino dos Mineiros de Aljustrel”) e a do mais recente avanço do disco, “Preço Certo”, mais uma vez produzido pelo próprio em colaboração com Pedro Da Linha.

Ora, primeiro, há que dar créditos extra a Mafama – gravar o videoclipe de “Preço Certo” no… Preço Certo é, simultaneamente, uma jogada de marketing genial e um sinal de que o seu coração está no sítio certo a olhar para esta estética que é algo mais do que um simples aproveitamento de algo que pode ser visto kitsch (relembrar as declarações de Mafama ao The Guardian sobre o assunto). 

“Preço Certo” é uma reinterpretação sincera do universo pimba por parte do olhar minucioso de Mafama, capaz de soar banger (prometemos que o refrão fica logo na cabeça), cativante e sincero ao mesmo tempo, mas que não perde o seu toque bastante corny e romântico. Se o resto de Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente contiver mais canções como “Preço Certo”, a tese inicial não parece muito errada. Até lá, é mesmo darmos um passo em frente e abraçarmos o novo universo bailante de Pedro Mafama. Zimbora!

— Miguel Rocha


[Contra-Bando] “Todos a Falarem” feat. Holly Hood & DJ Kronic

Em Abril, Rimas Mil. De forma curta e direta, podíamos resumir assim este novo trabalho que junta Amon, JackCrack e Stone Jones sob o chapéu de Contra-Bando, mas há mais. Se há uns meses a “Dope” do trio deu nas vistas, agora há mais nove motivos para estarem na mira de toda a gente. Desses nove, destacamos um, que parece partir bem à frente do resto — e tudo por culpa de um dos maiores contrabandistas de rimas do nosso país, Holly Hood. O rapper da Linha da Azambuja deslizou pela faixa “Todos a Falarem”, mas quando começou a debitar as suas rimas toda a gente se calou para ouvir os flows, métricas e duplos sentidos que já são a sua imagem de marca. O que não é tão inerente à sua identidade (nem à de praticamente nenhum rapper português num patamar acima a nível de popularidade), é esta união e espírito colaborativo com colegas de trabalho altamente talentosos que apostam numa sonoridade e trilho musical cujo compromisso é apenas com a cultura hip hop. E se pensarmos na produtividade de Holly Hood nos últimos tempos, este tema ganha ainda uma maior relevância, já que é apenas a segunda vez que o ouvimos desde o início de 2022 e a primeira este ano.

Um resultado altamente equilibrado, já que Amon e JackCrack não se intimidaram com a participação de Holly e também deixam nesta track dois versos perfeitos para um headbangin’ acompanhado de uma cara feia durante praticamente quatro minutos. Que sirva como pontapé de saída para um 2023 mais ativo de Holly Hood e como exemplo para jovens e veteranos rappers se reunirem mais em estúdio e produzirem boa música como esta que deixou “Todos a Falarem” e bem entusiasmados. Um tipo de colaboração quase inédito mas altamente importante para a cultura hip hop portuguesa.

— Carlos Almeida


[Palazzi] “Baza lá”

Há qualquer coisa desde 4 Taste e Morangos Com Açúcar a Blink-182 e American Pie — no melhor dos sentidos, por muito irónico que possa parecer — que nos conquista de imediato em “Baza lá”. Isto para quem tem bem presente o já ultrapassado (e bem resolvido) período de nojo sobre essa embaraçosa fase que é a adolescência, esses irresolúveis anos que até a própria ciência ainda está por decifrar, esse tempo em que a melancolia — mais tarde substituída pela nostalgia — se manifesta, não sem intensa concorrência, como estado de espírito dominante. 

Os primeiros quatro acordes soam logo a desejo de libertinagem, amizades incondicionais e amores incompreendidos. A partir daí, é o vídeo realizado com base nas memórias soltas de Palazzi que dá cor aos nossos próprios enredos editados em Adobe Premiere. Como se tudo se resumisse a um Verão que não acabou (ou que não queríamos que acabasse…), tão eterno quanto efémero, que, agora reavivado, se mantém cristalizado enquanto retrospectiva de um sonho profundo. No fundo, como uma ferida que nunca sarou. São essas as dores de crescimento que ficam em forma de saudade — até do que não se chegou a viver.

— Paulo Pena


[Jay-Z] “NEW YORK (CONCEPT DE PARIS)” feat. Gil Scott-Heron

No hip hop as canções raramente existem como assuntos arrumados, como corpos cristalizados e imutáveis. O que não muda quando é transposto para palco, pode sempre transformar-se por via da intervenção certeira do DJ, porque serve de ponto de partida para uma nova apropriação via mixtape, porque é alvo de remistura, porque é samplado e repensado noutra nova criação. Os clássicos são muitas vezes enredados em espirais de reinvenção que os empurram sempre na direcção do futuro. Porque haveria de ser diferente com “Empire State of Mind” de Jay-Z ou com “New York is Killing Me” de Gil Scott-Heron? No caso do dorido poeta desaparecido em 2011, o seu álbum I’m New Here, de onde se extraiu essa profética e dramática visão da Grande Maçã, já foi alvo de duas profundas transformações: uma às mãos de jamie xx e outra, mais recente, a cargo de Makaya McCraven. Agora, e com o pretexto de uma passagem por Paris, foi Jay-Z que resolveu colar o seu “Empire State of Mind” a “New York is Killing Me”. Desta forma, Alicia Keys passa a ser eco espectral e distante e o tema deixa-se tomar pelo atormentado fantasma do poeta que cantou sobre o Inverno da América, que espreitou para o fundo da garrafa e que nos disse a todos que a revolução seria ao vivo e não na televisão. A nova versão não é melhor do que o original clássico, mas a diferença é bem vinda, relembra-nos a todos que Jigga continua relevante e aumenta as saudades de um poeta que não conseguiu fugir dos seus próprios demónios. Ficamos a ganhar, pois claro.

— Rui Miguel Abreu


[Ivandro] “Chakras” feat. Julinho KSD

Um é cantor e é de Rio de Mouro, o outro, apesar de também arriscar em melodias com a voz, está mais próximo do arquétipo de MC e é oriundo de Mem Martins. Embora trabalhem a sua arte de forma distinta, Ivandro e Julinho KSD ocupam posições de destaque dentro do actual cenário da música portuguesa e ajudam a colocar em evidência uma zona bastante concreta daquilo que é compreendido como a Linha de Sintra, onde os sonhos são, muitas das vezes, o único escape possível para os que pouco ou nada têm.

De área segregada a terreno fértil onde novos artistas florescem a um ritmo impressionante, o território que compreende estas duas freguesias é hoje um espaço capaz de ajudar a potenciar príncipes e princesas das ruas, transformando-os em vedetas e role models admirados no país inteiro. Mas nada se conquista per se: tudo começa no talento, que deverá fazer parte do ADN, e expande-se através de disciplina e trabalho árduo, da mentalidade correcta (Free, de preferência) e da visão de futuro. São estes os principais “Chakras” a alinhar quando a fome de sucesso é muita. E não há nada mais bonito do que ver dois artistas, que têm estado próximos desde o início das suas carreiras, a colaborarem juntos uma vez mais, agora já debaixo das luzes dos holofotes, quando ambos “vieram do nada” — há cinco anos praticamente ninguém os conhecia, hoje são eles dois dos nomes mais requisitados nos mercados do streaming e dos concertos no nosso país.

— Gonçalo Oliveira

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