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Fotografia: Raquel Montez
Publicado a: 27/04/2023

A cultura também se educa.

INÊS APENAS: “Acho que a rádio tem de ser a representação da música que há num país”

Fotografia: Raquel Montez
Publicado a: 27/04/2023

Sejam muito bem-vindos ao universo eclético de Inês Oliveira da Costa. Não reconheceram o nome? Não se preocupem! Se dissermos INÊS APENAS, já é mais familiar? Esperemos que sim.

Para os mais atentos, INÊS APENAS foi uma das revelações de 2022 com o seu curta-duração de estreia, um dia destes, e com a sua participação no assumido bop “Batata Frita”, incluído no Volume I da AVALANCHE. Para um público maior, a artista leiriense nascida em Paris mostrou-se na mais recente edição do Festival da Canção como uma das livre submissões, onde atingiu a grande final com a sua “Fim do Mundo”, ficando em 12º (e último) lugar, e mais recentemente, compôs e escreveu um dos temas – “Vou Tirar um Break” – do mais recente longa-duração de Aurea, Moods.

Agora, INÊS APENAS está prestes a reinventar-se. Descobriu-se. Libertou-se. Abriu-se além das canções de amor e desamor de um dia destes. Está mais relaxada. Mais confiante e arrojada nas composições. 

Na passada quarta-feira (19), revelou “Tensa”, o primeiro avanço de um novo curta-duração – Leve(mente) – a ser editado a 5 de maio, que conta com participação de Malva e produção de Joana Rodrigues. É cocktail pop de excelência, perfeito para o verão (tenham cuidado para não viciar!). Esta quarta-feira (26) foi a vez de fazer-nos descobrir “Shhinfrim”, segunda amostra do disco a contar com produção de NED FLANGER, mais um exemplo da pop mais relaxada e veranil – e claramente sempre orelhuda – que poderemos encontrar no segundo EP de INÊS APENAS, cuja apresentação ao vivo está marcada para o dia 13 de maio, no Musicbox, em Lisboa.

Mas esta entrevista com INÊS APENAS não é apenas sobre a sua música e sobre o seu percurso. Durante a sua presença no Festival da Canção, a pianista, compositora e cantora mostrou para a câmara um rádio com a frase “Nem 30%” em resposta à redução da quota mínima de música (dita) portuguesa aplicada às rádios nacionais (sobre este assunto, é ler, ver, escutar e aprender). O seu protesto foi o mote inicial para uma conversa com o Rimas e Batidas – o resto, pode ser lido tudo abaixo. Com atenção, por favor.



Terminaste recentemente a tua passagem pelo Festival da Canção. Como foi essa experiência?

Olha, ainda estou a processar porque comecei há mesmo muito pouco tempo este projeto – que é o meu projeto pessoal – e estar no Festival [da Canção] foi uma rampa de lançamento. É assim que tenho visto a coisa. Foi uma montra em que expus uma partezinha do meu trabalho e foi uma honra ter participado. Era um grupo bué forte na [minha] semifinal e ter passado à final foi brutal, até porque vim da livre submissão. Senti mesmo o pessoal a dar feedback bué bom à música [“Fim do Mundo”], que apesar de ser uma música super pop, não é assim muito mainstream. Era bué instrumental e era um bocadinho assim mais complexa do que outras que lá estavam e achei que isso pudesse ser bué mal recebido, mas não, o pessoal aderiu bué. Acho que consegui fazer uma fusão fixe entre o meu estilo e o que quis passar para o contexto do Festival da Canção e isso foi ótimo.

Entretanto, já tocaste ao vivo. No passado sábado (18 de março), deste um concerto intimista como parte da programação do festival CLAP YOUR HANDS, na “tua” Leiria. Sentiste alguma diferença por parte do público a nível de receção nesse concerto após a tua passagem pelo Festival?

Olha, assim que foram anunciadas as canções do Festival, senti logo uma grande diferença. A nível de redes sociais, senti logo assim [uma diferença]. E quando saíram as canções, eu ia ter um concerto no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, mas nunca pensei que esgotasse o teatro porque aquilo ainda tem uns 700 lugares. Então, ainda antes de sequer pisar o palco [do Festival] senti uma grande diferença… As pessoas passaram a ouvir a minha música. E foi giro. Mas após o Festival, senti que as pessoas cantavam. Claro que estou na minha cidade, mas mesmo em termos de cantarem, de o pessoal estar mais ativo nos concertos, notei uma diferença fixe. E esse concerto [no CLAP YOUR HANDS] foi logo na semana a seguir à final e estava a casa quase cheia e sem dúvida que isso pode ter vindo desta exposição assim um bocadinho mais ampla oferecida pelo Festival.

A “Fim do Mundo” é marcada por uma secção muito explosiva, onde o piano em particular ganha destaque – é algo Jacob Collier, nesse aspeto. O piano é o instrumento onde tens formação-

Sim, o piano é o meu instrumento base. Eu estudei [piano] clássico em Leiria, primeiro, e depois fiz uma licenciatura na ESMAE, no Porto, também em piano clássico. Mas depois isso estava a saber-me a pouco e acabei por também estudar canto jazz ao mesmo tempo que fazia a licenciatura no Conservatório de Música do Porto. 

Como é que essa formação, dado que estás a fazer uma pop alternativa, “diferentona”, se imiscui no teu processo criativo atual?

Ou seja, como é que faço a ligação?

Sim, sim.

É assim, isso é um bocado o que estou a descobrir. Imagina, musicalmente falando, tu tens uma base muito rica se estudares clássico, principalmente se tocares um instrumento harmónico, como a guitarra ou o piano. Ficas logo com, digamos, um leque de soluções, de melodias, harmónicas, se calhar mais rica. Então, acho que essas bases que arranjei no clássico deram-me um bocado um conforto em permitir-me fazer o que quero. Se quiser fazer um r&b, faço. Se quiser fazer um drum & bass, também faço, sempre por influência do que ouço. Agora, o canto jazz também abriu-me um bocadinho o leque de possibilidade e o meu projeto é um bocadinho os dois. É a licenciatura em piano, porque componho tudo ao piano, e eu canto jazz, tudo misturado com os meus gostos pessoais, que é tanta coisa. Eu tanto ouço MARO como ouço Drake, ou ouço uma Ariana Grande como ouço um Rui Veloso ou um Pedro Abrunhosa. Então, essas diferenças e essa minha necessidade de fazer uma fusão de várias coisas sempre esteve aqui dentro. A “Fim do Mundo”, a canção do festival, é um bocado isso. Queria fazer um pop alternativo, que não fosse muito mainstream, em que o refrão nem sequer é cantado, é uma parte instrumental que achei que não ia ser compreendida. Não acho que seja complexo, mas acaba por ser ao comum dos mortais. É um bocadinho mais complexo do que uma música banal da rádio, mas achei isso bué rico. Achei fixe juntar essa cena mais complexa e subjetiva a uma coisa mais pop. Esse é o meu grande objetivo na música portuguesa: criar um pop que seja uma cena diferente, com uma voz única, que consiga interligar diferentes estilos – haver uma fusão –, mas que não deixe de ser pop. Portanto, acho que é isso. Aproveitar as ferramentas que tenho e utilizá-las da melhor forma que conseguir para satisfazer aquilo que quero fazer.

Falaste aí de fusão, e estava ontem (21 de março) a ler a entrevista do Rui Miguel Abreu à Margarida Campelo, em que ele lhe pergunta sobre a música dela – de “fusão” – ter surgido numa altura em que artistas como Thundercat, DOMi & JD BECK, estão a explorar estas vertentes, de jazz e r&b, com outros estilos que uma pessoa dita “quadrada” não pensaria, não é? Há um desestigmatizar do que significa fazer uma fusão.

Sim. Para fazer uma fusão, tem que ser mesmo uma ideia que parta de ti. Ou seja, tu tens de querer fazer uma fusão, porque não é uma coisa que surge assim do nada. Tu precisas de ter skills para fazer uma fusão. No caso da Margarida Campelo, ela é grande artista – e tenho o goal de a conhecer -, e ela estudou música. Ou seja, o que quero dizer com isto é que a malta desta geração, que está agora nos seus vintes e trintas, está muito mais instruída e que sabe o que está a fazer comparativamente com a velha guarda. O Tozé Brito, o Fernando Tordo, o Rui Veloso, são grandes músicos, mas são grandes músicos de ouvido. Eles não sabem mais do que, por exemplo, a MARO, de teoria musical. E isso acaba por ser limitativo quando queres fazer uma fusão de estilos, porque tens de estar bem ciente do que queres fazer. E isso implica teres essas ferramentas de formação musical e implica ouvires muita música. Claro que estou aqui a dizer isto, mas obviamente que há montes de artistas que não estudaram música e são artistas absolutamente exímios. Mas, de facto, começo a ver malta com estudo, ou que tem um baterista que estudou, ou que tem um guitarrista que estudou jazz, e isso faz a diferença. Acho que se está a começar a ver essa diferença em Portugal. Eu estudei clássico e estou a fazer uma cena nada a ver e acho isso fixe. Acho essa onda fixe.

Antes de teres este projeto da INÊS APENAS, tinhas tido ou estado envolvida noutro projeto?

Olha, sou a típica gaja que andava a estudar e tocava em bandas de covers. Isso deu-me grande estaleca para tocar, sabes? E não cantava ao início. Entretanto, comecei a fazer uns backing vocals e foi assim que comecei a cantar. Depois, toquei com a Marta Carvalho, que aliás, ela-

Ganhou o Festival da Canção.

Sim, e eu tocava com ela e era assim o projeto maiorzito que tinha. Sempre fui pianista, teclista dos outros. Nunca me via como artista solo. Ajudava muito a fazer arranjos para as cenas, mas tocava para os outros principalmente. Sempre vi-me a tocar com outros e adoro tocar com outros. Adoro mesmo. Quem me dera que me chamassem, mas agora ninguém me chama para tocar [risos].

Tens sempre as cenas que fazes com a AVALANCHE.

Ya, ya.



Batata Frita” é um bop!

É um bop! É um Hiatus Kaioyte que não existe em Portugal. É uma cena, é uma vibe. Já não tenho mesmo mais comentários sobre essa música. Ela esteve na Antena 3 tanto tempo… Eu ia jurar que não estava a acontecer, que era um sonho. Porque a letra é tão estúpida e tão boa ao mesmo tempo! E tão chill e descomprometida. Mas a harmonia é tão boa… [risos]

A harmonia é mesmo fixe!

I love that song.

Numa entrevista que deste à MAGG, contaste que o projeto da INÊS APENAS começou após o término de uma relação. O tema do amor e desamor é um que marca o teu EP de estreia [um dia destes] e até a “Fim do Mundo” partilha um bocadinho dessa tema. Portanto, escrever canções, para ti, é um processo terapêutico?

Olha, sem dúvida. O meu primeiro EP foi absolutamente terapêutico e foi uma libertação completa. Obviamente aquilo são canções de amor e desamor, mas eu não estava bem. E o meu primeiro EP segue essa ordem, de uma confusão gigante, de um processo de descoberta pessoal de muita coisa que não sabia sobre mim. É um bocado um EP que fala sobre essa libertação e sairmos dessa… Se calhar posso dizer que é mais uma questão de dependência emocional. É tipo: quando a droga é má, mas a moca é boa. É um bocado isso [risos]. Ou seja, foi terapêutico sim, foi uma forma de libertação e eu peguei em cada sensação que estava a sentir. Eu tenho uma “Bloqueada” que fala sobre raiva, redes sociais e processos de ciúme, em que tens um amor completamente disfuncional e desequilibrado. Depois, tenho uma canção completamente pop cliché, em que estou bué in love outra vez. Então, acho que o pessoal se relacionou bué porque fala mesmo desses pontos todos. E o grande mote, a grande libertação, é na última faixa, que é o nome do EP, a “um dia destes“. É eu sentir que vou ter mesmo que sair disto, vou ter que me orientar porque isto não é vida para ninguém. E estávamos em plena pandemia. Portanto, foi provavelmente a altura em que eu mais me descobri e foi aí que surgiu a INÊS APENAS, sem dúvida.

Sempre que leio ou ouço música relacionada com a AVALANCHE, sinto que existe muito esta questão de terapia na música criada por todos vocês. Como vocês colaboram muito entre vocês, quando criam, sentes que existe uma espécie de “terapia de grupo” que permite criar um espaço seguro para se apresentarem assim vulneráveis?

Sem dúvida. Sinto-me super bem sempre na AVALANCHE quando fazemos writing camps. Mas olha, eu não conhecia a malta totalmente. Eu conhecia mais o LEFT. e o Luar e mais ou menos a iolanda e o Matheus Paraizo. E o LEFT. chamou-me para ir a um writing camp e eu tirei um papelinho para ver com quem calhava e calhei com pessoas que não conhecia de lado nenhum: o Tom Maciel, que é grande pianista, e o NED FLANGER, que é alto produtor e guitarrista. E foi bué fixe trabalhar com pessoas que não conhecia, mas que adorava o trabalho deles. Acho que cria-se ali um ambiente bué seguro e bonito e isso permite-te fazer colaborações absolutamente caóticas, como é caso da “Batata Frita”. Em estúdio, aquilo surgiu porque eu estava a perguntar-lhes quando é que eles faziam anos. Estávamos a falar de astrologia e eu estava a tentar provar que a astrologia era uma cena em que as pessoas podem confiar às vezes. O ambiente é tão bom que dás por ti como se estivesses num café a beber uma jola, só que estás a criar música. A AVALANCHE para mim é bué isso. Sentar-me, escrever sobre o que quero e ninguém me julga. Ninguém me julgou nunca de estar a escrever uma cena sobre batata frita. Ninguém. Estava-me a apetecer batatas fritas porque eu estava de ressaca como nunca estive na vida e foi por causa disso que surgiu a “Batata Frita”. E pá, não sei o que aconteceu. Escrevi uma cena que mistura uma vibe divertida e eles acompanharam-me e foi bué giro, porque depois cada pessoa puxou um bocado o seu lado e eles acompanharam um bocado a minha maluqueira e o meu caótico organizado. Eu sou bué organizada, sabes? A música tinha de soar assim. Não podia ser só a gozar. Tinha de ter harmonias fixes. Era um bocado essa a vibe.

Bem, já que a inspiração dessa música era uma ressaca… Qual é a tua comida de ressaca predileta?

Eu normalmente não como! Mas quando como… Queria bué ser diferente nesta resposta, mas vai ter que ser Mc[Donald’s]. Aquele cheese[burger], sabes? Mas é bué importante que seja um cheese sem absolutamente molhos nenhuns. Natura, mesmo. Seco, seco. Tu és igual?

Eu prefiro molhos.

Percebo, porque gosto bué de molhos, mas não os do Mc.

Molho do Mc é péssimo, no geral. Mas não sei. Gosto de molhos e picante quando estou de ressaca.

Sem ser Mc, não sei. Bebo a típica água, mas como fico com bué fome, acho que fico com vontade de comer tudo o que é mau. Lasanha, pizza, sabes? Mas normalmente não consigo comer [risos]. Assim aquelas [ressacas] mais agressivas é aquela bolacha Maria e está a andar. Ou aquela massa com atum. É bom.

Massa com atum é underrated

É bué.

No teu EP de estreia, colaboraste com vários produtores – LEFT., Luar, Mariana Leite Soares – e na “Fim do Mundo” trabalhaste com o Choro. Ao trabalhar com tantas pessoas diferentes, como é que o teu lado criativo se vai imiscuindo no estilo de produção de cada um destes nomes?

Em relação ao EP, pensei em cada música especificamente para cada produtor. Isto é algo que faço quando quero trabalhar com vários produtores e gosto mesmo bué de o fazer. O exemplo disso foi com a música do festival, que sabia perfeitamente que o Choro ia perceber a minha linguagem nessa música. Cheguei a pensar no LEFT. e em outras pessoas, mas achei que o Choro ia entender. Mas é difícil às vezes fazer esse cruzamento quase de escolas diferentes e de maneiras de ouvir a música, mas acho isso bonito. Eu não passo só a minha mensagem para eles, também lhes dou um caderno com notas, e na verdade, eles dizem que é bué fácil trabalhar comigo por causa disso. Eu quero uma vibe mas eles depois dão os seus inputs e gosto bué disso, de receber sugestões. É um processo de partilha. Obviamente que eu, se calhar, tenho mais peso em algumas escolhas a nível de produção ou de sonoridades, mas a nível de songwriting, como eu levo a canção toda feita, não existe muito aquela cena do produtor ter de dar um bocado voltas à estrutura da canção. Ou seja, acho que escolho, primeiro, bem a vibe que quero para cada música e escolho um produtor a partir daí. E acho que o grande segredo é a comunicação, sempre. Como nós temos também uma grande amizade, acho que se tornou tudo mais fácil. Se calhar, se trabalhasse com outros produtores que não conhecesse ou que não estivesse tão à vontade, podia resultar mal. Isso é verdade. 

Voltando à questão da criação de um safe space e das relações, a existência dessa comunicação e amizade está ligada a isso também.

Eu tento trabalhar com pessoas que gosto mesmo que não tenham exatamente a mesma vibe que eu. Acho que sou muito open nesse sentido. Por exemplo, vou ter uma collab com a SOLUNA, que nunca pensei [que acontecesse] e vai ser *boom*. Tenho a sorte de trabalhar com pessoas super talentosas que por acaso são os meus amigos, mas também não sou uma pessoa fechada que vai só trabalhar com pessoas que pensam o mesmo que eu. Isso não acontece. Mas tenho que ter uma ligação pelo menos afetiva e tem que ser uma pessoa muito aberta porque eu chego lá com coisas bué fora e a pessoa tem de estar up for it. Geralmente, mostro a música antes e pergunto à pessoa se quer ou não – e é na boa se não quiser -, porque aquilo pode ser um bocadinho fora da sua zona de conforto ou do que quer comunicar enquanto produtor.

Tens alguma colaboração que ainda não fizeste que adorarias fazer?

Tenho duas. Tenho uma que não posso dizer, que é um bocado unexpected, mas se acontecer, tu vais saber. Mas duas que me vêm à cabeça assim de repente… Uma é com a MARO. Gostava muito de ter uma colaboração com ela. A outra é o EU.CLIDES.

Gostaste do novo disco dele [DECLIVE]?

Ainda estou a processar. Ele é ótimo em tudo o que faz e o TOTA, que é quem trabalha com ele, também é. Eles são ótimos a escrever e o EU.CLIDES toca bué bem e canta bué bem. Acho que é um álbum um bocado denso, mas tem quatro cinco temas que são grandes bangers. Um álbum que ouvi agora e também não me importava nada de fazer uma collab ou trabalhar com a pessoa era com o xtinto.

Curioso, alguém no outro dia me sugeria ter um som do xtinto com a iolanda – que já mencionaste – co-produzido pelo Luar e pelo benji price. Algo assim do género.

Obviamente que também quero uma collab com a iolanda! Ela já sabe. Mas acho que temos que chegar a um meio termo, porque temos vibes um bocadinho diferentes. Mas adoro o trabalho dela. Ajoelho-me todos os dias perante ela a dizer que é a rainha de Portugal, mesmo.



Tu e a iolanda são artistas emergentes a fazerem uma pop mais “alternativa”, diferentona. Qual é que achas que é a relação da música feita em Portugal e de todo o ecossistema com esta pop mais dita alternativa? Às vezes, as pessoas podem dizer que soa demasiado mainstream para passar, por exemplo, numa Radar, mas depois soa demasiado alternativo – o que queira isso dizer – para passar numa Comercial…

No caso da iolanda – e quero deixar mesmo claro que somos grandes amigas – tenho mesmo a certeza, dentro de mim, que ela é completamente pop que pode ser mainstream. Se calhar, eu tenho algumas faixas que não são tão mainstream e que consigo meter no alternativo, mas consigo dizer que sou pop à mesma. Mas a grande questão aqui é que acho uma grande tendência a nível de songwriting em Portugal – e atenção, isto não é uma crítica – de criar músicas, baladas, principalmente à guitarra. Guitarra e voz, piano e voz. No mainstream, quem está principalmente a fugir um pouco a isso, ainda é a Bárbara Bandeira. Ela está a criar uma cena e isso é fixe. Depois, temos o Slow J que rompe com bué cenas também, o Matheus Paraizo que vai romper. Mas como existe essa tendência, não há a cena de arriscar com um LEFT. ou um Luar a produzir. Imagina, a iolanda podia ser mais uma artista a cantar à guitarra e voz, como ela começou, mas ela quis arriscar, até porque precisas de fazer diferença e criar uma identidade que seja única e eu acho isso ótimo. Nos artistas emergentes e independentes, isso é perfeito. Mas enquanto tivermos uma liderança de músicas simples e mais básicas – e não estou a dizer que são más, estou a dizer que são mais básicas a nível de produção e que o público acaba por comer e calar e ouve porque soa bem (e nunca vai soar mal) -, isso não amplifica a música portuguesa. Então, acho que às vezes há uma recetividade para cenas mais fora da caixa, mas depois rapidamente também fecham as portas. Rapidamente, uma rádio diz que esta pode passar, mas esta já não e não querem saber mais de ti. Daí os 30%. Tem que haver malta que olhe para isto e pense: “Epá, porque é uma iolanda não está a passar na rádio? Porque é que uma Cláudia Pascoal não está a passar na rádio?” Porque não passa. Eu gostava que os artistas arriscassem mais, mas também percebo que não arrisquem se não há uma plataforma que lhes dê colo. Então, acho que podemos estar aqui a escrever 1000 músicas sobre aprovação masculina, ou sobre breakups, à guitarra e voz muito bonita, mas se calhar também podemos escrever isso mas num drum & bass. E estou aqui a puxar a brasa à minha sardinha [risos].

[Risos] À “Bloqueada”.

Sim. Mas imagina, se estou a escrever sobre raiva, porque é que vou escrever uma balada feliz à guitarra? Se calhar, vou pôr assim um bocado mais de produção. Mas acho que o pessoal não vai estar muito mais tempo nestas baladinhas pop à guitarra, porque depois são muitas pessoas iguais. Só tens duas pessoas que andam a reinar isso, que é a Carolina Deslandes e a Bárbara Tinoco. Great. Ótimo trabalho, grandes songwriters. Ótimo. Mas depois deixem entrar as outras correntes, percebes? E isto é bué ingrato para quem está no topo porque ninguém está a menosprezar. Mas é preciso criar espaço para mais. Se calhar, nas rádios, não passem cinco músicas da Deslandes ou da Tinoco. Se calhar, passem só duas, porque elas vão ter à mesma streams no Spotify e views no Youtube e concertos todos os meses, percebes? Se calhar, deem uma oportunidade a uma pessoa emergente com uma música bué boa e com bué qualidade. Se não tiver qualidade, também percebo – não é fixe passar na rádio. Mas se tiver qualidade, uma pessoa que está numa rádio ou não tem noção do panorama, ou está muito desatualizado porque há mesmo muita música com high quality. Mesmo. De produção e musical. Então, não percebo porque não há esse espaço, apesar de ter esperança que se está a começar a criar esse espaço. São pequenas vitórias, mas acho que podemos fazer muito mais.

Sim. Se tens audiências na rádio ou, no caso de um grande festival, se tens garantia de vender os bilhetes, porque não arriscar? Porque é que no meio das Deslandes e das Tinocos não podes passar uma música da iolanda, por exemplo?

Ou se calhar depois vão passar a ouvir só a iolanda. Se calhar é isso que não interessa. Percebes? Mas os artistas que estão lá em cima não têm culpa nenhuma. Trabalharam para o que estão a ter e está tudo bem, e há uma grande máquina e indústria por trás. Mas há espaço para mais e para isso não é preciso retirá-los do topo. Porque nunca vão sair do topo and that’s ok. Mas é preciso criar espaço para mais e mostrar novidades. Um dia da semana, um dia por mês numa rádio, em que só mostram artistas independentes. Qualquer coisa! Acho que há bué falta de vontade. Há mesmo bué falta de vontade em apoiar projetos emergentes. Com isto, não quero dizer que são melhores, mas se calhar vêem ameaça nisso. Às vezes não consigo ver outra cena, sabes? Mas pronto. É uma máquina muito grande. Mas se não for nas rádios portuguesas, onde é que a música portuguesa vai passar? Pergunta para o ar. Tem de haver uma gestão consciente, com noção, e principalmente com respeito, da produção musical em Portugal. Acho que foi muito desrespeitoso as declarações [do Luís Mendonça, presidente da Associação Portuguesa de Radiodifusão] de não existir produção musical suficiente em Portugal. Isso é de uma pessoa que não está atualizada ou que está a gozar com a cara de alguém [risos]. Só pode ser isso, estás a ver? Ok, pode não existir produção suficiente ao gosto da pessoa para pôr numa rádio. Isso é diferente. Mas agora que não há produção suficiente em Portugal com qualidade? Isso é um ataque, no fundo. É uma questão de nos unirmos e já há uma consciencialização maior sobre isso. Mas eu tive mesmo que levar essa mensagem para o Festival porque achei mesmo um timing horrível para aquela notícia ter saído.

Mencionaste o protesto que fizeste no Festival da Canção. Como alguém que vem do ecossistema independente, que impacto pode ter a redução de 30% para 25% – o valor pré-pandemia – em fazer chegar a tua música a novos públicos?

Ajuda sempre se se puder subir mais um bocadinho dessa percentagem. Ajuda-me a mim e a outros. Acho que falta muito esse espírito de entreajuda entre os artistas, apesar de achar que agora também isso se começa a ver mais. Repito: acho que há vitórias super boas e há passos bué grandes que estão-se a dar e muitos músicos a juntarem-se a falar sobre isto. Muitos músicos que têm a vida feita e, se calhar, não precisavam de estar a compactuar com estas lutas, digamos assim. Mas acho que é uma luta de todos e é uma questão de respeito, principalmente, pelo artistas. Tu tens vários países que têm quotas maiores e que se ouve muita mais música desse país nas rádios. E eu propunha mesmo um debate, uma conversa séria com a pessoa que disse aquela frase de não haver produção suficiente em Portugal, com showcases, para que alguém lhe explique o que está a acontecer. Mas uma coisa que se calhar o pessoal que gere isto tudo ainda não percebeu é que – pelo menos no meu caso – nós não vamos parar de tentar. Nós não vamos parar de produzir música. Nós só estamos a alertar e a querer mudar um bocadinho [as coisas]. Esses 30% é o mínimo. O que escrevi no Festival é que “Nem 30%” porque nem 30% nos dão e também acho super triste isso só ter sido aplicado por causa da pandemia. Acho super triste ninguém se estar a lembrar das dificuldades que o pessoal da cultura sofreu durante a pandemia, e quando fica tudo minimamente mais estável, baixa-se logo onde? Na cultura. Nas rádios outra vez. Epá, acho que tem de se parar de se fazer esses cortes sempre na cultura – e agora estou a falar mesmo no geral. Em relação à rádio, acho que tem mesmo de haver uma gestão consciente e haver bocadinho de respeito pelos artistas independentes que andam por aí há muitos anos e que vão, por exemplo, a uma livre submissão a um Festival da Canção. Houve bué gente da livre submissão que passou à final, incluindo a Mimicat que ganhou. Se calhar, as rádios vão passar agora a Mimicat. Porque não passaram antes? É bué triste isso. Claro que sei que as pessoas têm de trabalhar para isso, mas é preciso dar espaço a outros. E quando dás esse espaço, estás a abrir horizontes, a dar ao público português a experiência também de ouvir outras coisas. Porque a rádio também educa. Acho que a rádio tem de ser a representação da música que há num país e aquilo que dá na rádio não é uma representação daquilo que há em Portugal. Não é justo, pelo menos. Agora, vale a pena referir, que obviamente estamos a falar de poucas rádios porque nem todas fazem isso. Mas a rádio tem um papel fulcral e fundamental e acho que não deviam pensar só em dinheiro, mas também em pensar auditivamente. A rádio tem o dever de acompanhar a produção cultural que existe num país. Acho que isso é fixe e nunca tinha pensado nisso até agora [risos]. A rádio tem o dever de educar auditivamente e e acho que era bom criar esse espaço, essa dinâmica e essa experiência auditiva de não passar sempre o mesmo. Tem de haver força de vontade para isso. Isso é a minha grande mensagem, principalmente porque há muita música boa e de qualidade a ser feita em Portugal – é só estar atento. Qualquer pessoa vê isso.

Na altura da pandemia, falei com a Rita Onofre para uma reportagem publicada no Espalha-Factos sobre como podia continuar a existir música independente em Portugal durante (e depois) a pandemia, e lembro-me dela falar muito sobre educação cultural. Acho que isso também está ligado com este tema que estamos a falar.

Bué! Por outro lado, tens agora uma geração muito mais instruída, bué mais culturalmente e auditivamente estimulada, percebes? Porque tens acesso a tudo. Tens um Spotify e consegues ouvir música em todo o lado. Se fosse pela rádio, estávamos lixados. Se tivesses de descobrir música diferente pela rádio, estávamos mesmo lixados. Só ias saber da existência de para aí cinco artistas. Claro, é necessário ter vontade para descobrir coisas novas, e vontade para arriscar. Acho que Portugal tem que arriscar e os artistas independentes e emergentes arriscam. A rádio tem de acompanhar esse arriscar dos artistas. Se não, vai ficar um bocado antiquada. 

Terminado este capítulo do Festival da Canção, o que se segue para a INÊS APENAS?

Olha, vou lançar um EP no dia 5 de maio, que é um EP completamente leve. Bué upbeat, super para a frente, muito mais dançável, muito mais com um mood para cima e não tão down como o primeiro. É uma INÊS APENAS super solta, super mais leve, a fazer – outra vez [risos] – uma fusão. Fala sobre liberdade emocional, fala sobre leveza, de descontração, de fazermos o que queremos, self-care, self-love. Fala bué disso. Mas também é bué explicit noutras cenas e bué sassy. Gosto bué deste EP e só quero lançá-lo! [Risos]


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