pub

Fotografia: Carinho Mio
Publicado a: 24/03/2023

Dançar e seguir em frente.

Pedro Mafama sobre “Estrada”: “Só a junção do cante alentejano com a rumba portuguesa já comunica imensa coisa”

Fotografia: Carinho Mio
Publicado a: 24/03/2023

Por essa “Estrada” fora, Pedro Mafama volta a pegar na tradição musical portuguesa e embrulha-a num rebuçado pop com a ajuda de Pedro Da Linha.

Na raiz do tema está o “Hino dos Mineiros de Aljustrel” interpretado pelo Grupo Coral do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, que surge samplado logo desde o primeiro segundo. A produção ficou ao cargo do próprio Pedro Mafama e de Pedro da Linha, tendo contado ainda com os inputs de Diego El Gavi (vozes secundárias e palmas), Francisco Montoya (guitarra) e José Lebre (teclado). “Estrada” é o primeiro avanço a que temos acesso relativamente a Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente, o segundo álbum do artista lisboeta, e foi apresentado em conjunto com uma peça visual dirigida por André Caniços.

Em Novembro do ano passado, Mafama dava por encerrado o capítulo de Por Este Rio Abaixo, aquela que foi a sua estreia no formato de LP, em 2021. Em Fevereiro último, começou a antecipar o seu sucessor através de vários posts no Instagram, apontando para um trabalho “mais alegre e celebratório” esculpido com recurso às canções de baile, às rumbas portuguesas e às marchas. Apesar de não ter sido já avançada uma data em concreto, a edição do disco foi apontada para Maio, com as primeiras apresentações ao vivo marcadas para o Festival Islâmico (20 de Maio), em Mértola, Festival MED (Junho), em Loulé, e Semana da Juventude (26 de Julho), em Câmara de Lobos, Madeira.

Ao Rimas e Batidas, o cantautor falou sobre a criação de “Estrada” e revelou mais alguns detalhes sobre o que vamos poder encontrar em Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente.



Desvendaste o título do teu próximo disco num pequeno vídeo com uma grande secção de sopros ao estilo das marchas populares. Este tipo de instrumentos desempenha um papel importante nesta tua nova fase artística?

As marchas têm um papel importantíssimo neste disco porque foi através delas que consegui voltar a fazer canções alegres, que foi um desafio que não foi fácil. Quando comecei a compor para este álbum, percebi de imediato que havia uma diferença entre aquilo que eu estava a sentir e a viver cá dentro e aquilo que me saía quando começava a compor. Estava uma pessoa feliz e concretizada, na estrada a percorrer o país, mas ainda fazia canções pesadas como se ainda estivesse a afundar-me rio abaixo. As marchas, que são feitas para nos puxar para cima e, ao mesmo tempo, têm letras muito descritivas sobre a cidade e as ruas, foram cruciais para esta minha nova fase artística – e esta influência das marchas está presente ao longo do álbum de várias formas, incluindo na instrumentação.

Pouco depois, apontavas para o Estava No Abismo Mas Dei Um Passo Em Frente como um disco “mais alegre e celebratório”, que nasce de uma fase em que te sentes “decidido a vencer a melancolia”. Não querendo spoilar já o disco todo, lembro-me daquela expressão de “se não entendes, eu faço-te um desenho.” Por isso, o que te pergunto é: se tivesses de ilustrar este disco com um desenho feito por ti, que formas encontraríamos representadas nesses traços?

Encontrarias desenhos de uma seta muito comprida, que anda em várias direções, mas acaba por ir para a frente. Uma pessoa a bailar com os braços no ar, mais um grupo de amigos a celebrarem juntos. O céu é azul e está tudo pintado com bastantes cores. E há muitas colagens, recortes de jornal e fotografias em cima dos desenhos. Depois alguém tira uma foto de telemóvel a esse desenho na toalha de papel do restaurante e ainda põe alguns emojis por cima, no Instagram.

Chegas ao primeiro single deste trabalho em “Estrada”, que recupera o “Hino dos Mineiros de Aljustrel”. Lembro-me de ter conhecido esse cante alentejano no início da minha fase adulta, cantado frequentemente por um colega de casa de um amigo, recém-chegado a Lisboa, madrugada fora já naquelas horas em que um convívio pode muito bem tornar-se mais melancólico. Por alguma razão, esse cântico ficou-me cravado na memória, embora nunca mais o tenha escutado em parte alguma, até nos presenteares com este teu novo tema. Também tens alguma história em torno desse hino? É algo que já te acompanha há muitos anos ou fruto de uma pesquisa mais recente?

A minha história é muito menos mágica que a tua. Eu descobri esta moda no filme Raiva do Sérgio Tréfaut! A melodia ficou-me na cabeça, até que, há uns meses, quando estava a trabalhar numa das mil e uma versões do “Estrada”, ela apareceu-me na cabeça por iluminação divina – ou pelo menos, se eu fosse mais espiritual, era isto que eu dizia; e foi o que pareceu mesmo.

Na questão anterior toquei na “melancolia” inerente ao “Hino dos Mineiros de Aljustrel”, a mesma melancolia da qual tu, no texto de apresentação do disco, falavas em afastar-te. Queres falar-me um bocado sobre o conceito no qual o “Estrada” assenta? Como é que pegas numa canção tão triste e a transformas em algo tão bailável?

O “Estrada” começou por ser uma letra em que eu deambulava acerca do conceito de estradas e de liberdade, e sobre querer fugir de um sítio, de uma coisa ou pessoa que nos faz mal. Lembro-me de ouvir um professor da faculdade dizer que as estradas são a liberdade, mas ao mesmo tempo são o condicionamento – quantas mais estradas se constroem, mais longe podemos ir, mas ao mesmo tempo mais condicionados e vigiados estamos, por oposto a andarmos de carroça pelo campo, por exemplo. A temática nasceu dessas e de outras coisas, até que houve o tal momento em que percebi que o “Hino dos Mineiros” encaixava na cadência da música, que já tinha elementos da rumba portuguesa. A partir daí foi basicamente um jogo de fazer uma canção bonita, mas em que a minha presença não se fizesse sentir demasiado, de só criar espaços de interpretação suficientes para deixar os elementos falarem por si – porque sinto que só a junção do cante alentejano com a rumba portuguesa já comunica imensa coisa e cria um universo de ligações, por isso tive muito cuidado para não me sobrepor demasiado a isso.

Quanto à origem do sample: foste buscar o coro a algum tema já editado ou houve aqui algum trabalho de campo envolvido? Pegando um bocado no imaginário dos vídeos que tens mostrado no Instagram, fica a ideia de que andaste por aí, pelo nosso Portugal, com um microfone, a conhecer e a gravar estas gentes.

O sample é de uma interpretação do Grupo Coral do Sindicato dos Mineiros de Aljustrel, que já estava editada. O trabalho de campo, neste caso, veio para a gravação do videoclipe, em que visitámos as minas e passámos uma tarde inteira com os mineiros a cantar, a conversar e a beber na Taberna do Filipe. Fizemos gravações de áudio nesse dia, mas não senti necessidade de usar a gravação de campo, porque a do Grupo Coral era bem mais limpa e também porque gosto da textura dos cortes que se sentem na introdução do “Estrada” – dá-lhe um lado de colagem que me interessa. Mas foi muito importante conhecer os mineiros de Aljustrel, saber as suas histórias e mostrar-lhes a música. Fiquei muito feliz por eles terem gostado da canção e por ter a aprovação deles.


pub

Últimos da categoria: Curtas

RBTV

Últimos artigos