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Publicado a: 07/10/2016

Octa Push: “Hoje se calhar já sabemos qual é o caminho e o que nós queremos”

Publicado a: 07/10/2016

[ENTREVISTA] Amorim Abiassi Ferreira

 

Nada mais apropriado para falar de música que mistura sonoridades de países africanos do que um dos grandes últimos dias de calor que Setembro teve para oferecer. Encontrámo-nos com os irmãos Bruno e Leonard Guichon numa esplanada onde eles expuseram todas as ideias que estão por trás do seu novo disco Língua. Com dez faixas, o lançamento é daqueles que carregam consigo muito mais do que é aparente. Podíamos certamente achar que tal se deve ao grande número de convidados, mas talvez aquilo que realmente importa é o bocado de história que cada um deles traz consigo.

Já passaram 3 anos desde o lançamento de Oito, o álbum que lançou os Octa Push para a ribalta e, curiosamente, também já passaram oito anos desde a criação deste projecto musical. Ao conversar com os irmãos, as respostas mostram a sincronia na missão que os conduz e os continua a motivar a criar música.

 


Língua parece ter um propósito muito definido, podem contar-nos mais sobre isso?

O Oito foi um bocadinho uma compilação de temas que nós tínhamos feito, não houve propriamente assim um conceito tão pensado. Este álbum foi mais trabalhado, mesmo ao nível dos convidados, até dos próprios temas, procurámos arranjar uma identidade e tentar tornar o disco coeso. Pegámos em muitos convidados do mundo lusófono, tentámos fazer uma espécie de timeline com convidados de várias gerações e que estivessem ligados a esta mistura que existe.

 

Portanto o álbum assume-se como um projecto de tributo à língua portuguesa?

Esta ideia de fazer um álbum mais ligado à lusofonia não é novidade nenhuma. O David Fonseca fez agora um álbum todo cantado em português. Mas isso, de alguma forma, era o objectivo: mostrar aquilo que se foi fazendo ao longo destes anos todos, não só estes últimos dez. Fala-se muito dos Buraka [Som Sistema] e nós enquadramo-nos muito nessa altura. Existimos há oito anos e acabámos por nascer também muito graças aos Buraka mas há mais para além disso. Se pensarmos na Maria João, ela e o Mário Laginha, nos anos 80, estavam no auge e misturavam música moçambicana com portuguesa, com jazz. Já nos inícios de 2000, os próprios Dead Combo fizeram isso. A ideia era irmos mais atrás e pegar naqueles convidados que fizeram qualquer coisa nessa altura. Começar com o Zeca dos anos 70 e acabar no Bruno do Show na música “Mana” com influências do afrohouse.

 

Zeca Afonso é homenageado neste projecto, qual é a herança que ele deixou e de que maneira isso vos influenciou?

Para já ele transmite uma ideia que queremos passar neste álbum e o facto de se chamar Língua também tem a ver com isso. Porque a Língua tem dois sentidos: a língua como lusofonia — os países que estão representados no álbum falam todos a mesma língua — mas a língua também como forma de intervenção. Acaba por existir um lado político, se ouvirmos a “Bárbara” ou a “Língua” que são músicas de intervenção e o Zeca é o expoente máximo disso. Se nós estamos aqui no café e se podemos falar de liberdade foi através de pessoas como o Zeca que nos permitiram fazer isso.

 



O que vos levou de lançar através de uma editora inglesa para passarem a editar em nome próprio?

Houve muita necessidade de criarmos a nossa plataforma para termos mais controlo até de timing e do que queremos editar. O processo em si, para quem não está por dentro, é um bocado desgastante e demora tempo. Ou seja, nós acabamos uma música ou um álbum agora e só vai sair daqui a um ano e tal. Depois de termos o álbum feito, vamos contactar editoras, as editoras estão interessadas mas têm a agenda preenchida e durante estes anos todos foi um processo um bocado cansativo. O facto de termos feito este álbum nesta altura, em que se celebra os 40 anos da independência das chamadas colónias, fez com que quiséssemos mesmo editar agora.

 

Este disco mostra-nos os últimos 40 anos, o que esperam ver acontecer nos próximos 40?

Mais mistura ainda. Que este rótulo de afro qualquer coisa, afrotuga e não sei quê deixe de ser falado como é falado hoje. Ou seja, passarmos a falar nisto como quase algo que faz parte da cultura. Daqui a 40 anos, darmos uma entrevista e não nos perguntarem por que é que dois rapazes ali da zona da Parede fazem este tipo de música, que é sinónimo de: por que é que dois brancos ali da linha fazem música afro?

 

Vocês não são apenas espectadores, como querem contribuir para o avanço desse fenómeno?

É fazer música, com a editora também a tentar apostar noutros nomes quando virmos alguma coisa que achemos interessante. A editora não é uma necessidade, não temos urgência em pôr coisas cá fora. Até nós temos vontade de propor projectos cá. Um determinado projecto que se possa misturar com outro e que dali saia um EP. Essa é a nossa forma de contribuir.

 

Sentiram resistência do público à vossa sonoridade?

Com o Oito fomos de Norte a Sul e algumas vezes vínhamos decepcionados. Íamos tocar e vínhamos sem pica porque íamos a sítios onde não havia nada. As pessoas estavam ali e queriam era ver o DJ que estava a seguir, do house e tal. Mas depois, passados uns dias, pensávamos “não, é isto que temos de fazer”. Se tu vais desanimar, a cena não vai continuar. Estás a desanimar agora, mas daqui a um ano ou dois vais estar a sentir de outra forma e isso tem-nos acontecido.

 

Como irmãos e produtores, o que traz cada um de vocês para o processo de criação?

No início era mais difícil cada um ter o seu cunho, para já havia mais filtros. Neste momento, aprendemos a viver com isso. Estamos mais abertos em relação a isso. Criámos também um bocado a nossa identidade e isso permite que hoje seja mais fácil aceitarmos as coisas. Hoje se calhar já sabemos qual é o caminho e o que nós queremos. Depois existe sempre um lado que não passa por nós os dois. Uma coisa que fizemos neste álbum que não fizemos no primeiro foi dar espaço. Um exemplo: No primeiro álbum, o [Braima] Galissa também entra numa música, o “Ali Dom”. Nós nessa gravação do take dele acabámos por cortar, colar e adaptar aquele take à nossa música. No Língua acabámos por usar o take todo, e fizemos isso em praticamente tudo neste álbum. Ou seja, darmos espaço ao convidado. Haver uma colaboração é isso, pegares numa gravação de alguém que deu o que tinha para dar ali e usá-lo todo. Se estás a convidar alguém, se fazes com que essa pessoa dê de si, vais usar aquilo que ele fez. E fizemos isso neste álbum, praticamente com todos os convidados. Por isso é que neste caso não somos só nós os dois. E neste caso foram 16 convidados (risos).

 


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