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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/09/2023

O novo álbum, Gente, chega em 2024.

Nancy Vieira: “Este disco espelha tudo o que sou como cabo-verdiana”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/09/2023

Nancy Vieira, cantora cabo-verdiana radicada em Portugal há muitos anos, prepara-se para apresentar no início do próximo ano um novo álbum, Gente. Embora ainda faltem alguns meses para o lançamento, a artista de 48 anos já está a antecipar o disco nos concertos que tem dado pelo mundo. E nos próximos dias há dose dupla em Portugal.

Vai atuar na sexta-feira, 8 de Setembro, no festival Artes à Rua, em Évora. No dia seguinte, 9 de Setembro, sobe ao palco do Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, para uma performance enquadrada no Manta. Para antecipar as actuações e o álbum que aí vem, Nancy Vieira trocou umas palavras com o Rimas e Batidas.



O espectáculo que está a apresentar antecede o álbum que vai lançar no início de 2024, certo?

É verdade. Não vão ser concertos totalmente novos, não serão inteiramente de apresentação do álbum, mas talvez perto de 50% do reportório já sejam canções do disco novo. Vou ter convidados que gravaram no disco e estão disponíveis para estarem nestes concertos. E interpretarei também temas de álbuns anteriores. Estou muito feliz por voltar aos palcos portugueses. Tenho cantado um pouco por todo o mundo ao longo destes anos e tinha saudades dos palcos em Portugal, confesso.

São diferentes, para si?

São palcos mais perto de casa. Os palcos de casa são os de Cabo Verde, a seguir são os portugueses. Portanto, acabam por ser casa também. Vivo em Portugal há cerca de 30 anos, portanto já me sinto em casa aqui. 

E que convidados terá então nestes espetáculos?

Vou ter os Acácia Maior, da ilha de São Vicente. Fazem uma música de raiz cabo-verdiana, bebem da tradição, mas, como são jovens, trazem também uma sonoridade bastante actual, moderna, de música que podemos chamar urbana. Mas têm elementos bastante enraizados na tradição, daí terem despertado o meu encanto. O tema que fazemos juntos no álbum e agora no concerto de Évora chama-se “Novo Kretcheu”. Portanto, é um “novo amor”. O outro convidado é Remna Schwarz, um artista guineense. Eu sou uma cabo-verdiana nascida na Guiné, portanto tenho essa ligação. De família cabo-verdiana, nasci na Guiné, embora cedo tenha ido para Cabo Verde, onde cresci. Mas tenho essa ligação com a Guiné, e é também a minha terra. Apesar de nunca ter vivido lá e em adulta só ter voltado lá uma vez. Mas tenho uma ligação através da música. Daí o desejo, de há uns tempos para cá, de gravar uma música da Guiné-Bissau. Inicialmente pensei em gravar uma versão de um clássico, de uma música guineense da minha infância… Acabei por fazer algo… Não diria melhor, mas mais fresco. Pedi um tema inédito ao Remna e ele ofereceu-me uma música muito bonita, de sua autoria, que se chama “Singa”. Está no álbum e estará no concerto de Évora e também no de Guimarães.

E que outras pessoas vão participar no álbum?

Não sei se vou revelar todas, porque gostaria de guardar algumas surpresas. Além dos que já disse, está a Amélia Muge que foi a produtora principal do álbum. Podemos dizer que teve três produtores: a Amélia, o António José Martins companheiro de vida e música da Amélia Muge e depois eu. Não tenho experiência de produção, enquanto os outros dois são produtores e arranjadores experientes e com provas dadas. Mas sou o elemento de Cabo Verde. Porque eles, apesar de toda a experiência, nunca tinham trabalhado desta forma com música cabo-verdiana. Portanto, tenho um dueto com a Amélia Muge num tema de sua autoria, que não estava no repertório inicial mas surgiu naturalmente no decorrer do processo… Ficou muito bonito. Tenho o Paulo Flores, de Angola; e o Mário Lúcio, de Cabo Verde. Fico por aqui [risos]. É um disco de encontros. Não é de duetos, mas é de encontros.

E por isso é que se chama Gente

Por isso é que também se chama Gente. Gente que admiro, gente muito talentosa que me inspira, gente que me ajuda a fazer as coisas, a colocar as minhas ideias em prática… Porque sou intérprete, não sou autora. Tenho poucos temas da minha autoria, neste disco não há nenhum. Portanto, estes autores, compositores, arranjadores e produtores ajudam-me a ser intérprete. Os meus músicos, que estão comigo na estrada há algum tempo e outros convidados que já estiveram comigo no passado e outros que vou encontrando… É um disco de gente querida, a trabalhar com paixão para um objectivo comum. Em Cabo Verde há uma expressão para isto que aconteceu neste disco, que é djunta mon, ou seja, juntar as mãos. Pessoas que se juntam, que juntam as mãos, e normalmente isso refere-se a trabalho nas zonas rurais, onde vivem pessoas com menos posses, que não podiam pagar operários para a construção de uma casa, então vinham os vizinhos da aldeia trabalhar para construir as casas ou fazer qualquer coisa… Daí a expressão ter ficado para qualquer tipo de acção que se faz com um esforço conjunto. Este disco poderia ter tido esse título, mas é Gente. Gente junta.

Ainda faltam alguns meses e existem as tais surpresas para desvendar mais tarde, mas como é que a Nancy descreveria este disco? 

Em termos de temas abordados, não fujo muito do que é habitual. A música de Cabo Verde não pode fugir muito do tema “saudade”. O amor canta-se sempre, em todas as línguas e todas as músicas. Posso dizer que, até agora, e este disco não é excepção, os meus álbuns têm sempre como ponto de partida a música tradicional, a mais genuína… E pensando numa viagem, parte do Cabo Verde mais profundo possível, e depois tem um ponto de chegada. De um ponto ao outro é uma viagem por vários horizontes, por todas as influências que não são minhas, mas da própria música de Cabo Verde. Tal como o seu povo é mestiço, ela também é uma música mestiça. Muitas vezes, quando estou no estrangeiro e há alguém que não conhece bem a especificidade da música, ouve soar música de Cabo Verde e pergunta… Brasil? Não, é de Cabo Verde. Mas há momentos em que soa a música do Brasil.

Há pontos de ligação.

Sim, e com outros países da América Latina. E depois há os ritmos da ilha de Santiago que são os mais africanos. Tem a ver com os batuques africanos e o funaná. Africanos do continente, não é? Porque existe essa polémica em Cabo Verde: pessoas que não se consideram africanas por sermos um arquipélago. Há essa questão em Cabo Verde, por isso é que faço questão de dizer que me referia a África continental, porque, para mim, eu sou africana das ilhas. Portanto, há esta diversidade na música de Cabo Verde e quase toda podemos encontrar neste álbum. Não tenho todos os ritmos, há ritmos específicos da ilha do Fogo que são lindíssimos que ainda não explorei e que não são tão conhecidos internacionalmente… Mas temos mornas e coladeras, mais associadas às ilhas do norte, do Barlavento; temos funaná, da ilha de Santiago; temos o crioulo do Barlavento, o crioulo dito badiu, do Sotavento. Há aqui diversidade. Até porque as minhas raízes estão na ilha da Boavista, mas eu cresci na ilha de Santiago e na ilha de São Vicente. Posso dizer que trago diferentes Cabos Verdes em mim, não sou só uma coisa. Confesso que a morna é o meu género de eleição, mas não sou só morna. Gosto muito de funaná, de coladera… Este disco espelha tudo o que sou como cabo-verdiana. Não só uma coisa, não só uma ilha. 

Como estava a dizer há pouco, a Amélia Muge e o António José Martins nunca tinham trabalhado com música de Cabo Verde. Porque é que a Nancy quis trabalhar com eles nesta fase?

Neste caso, foi uma sugestão do meu management. Porque eles trabalham com a mesma produtora. E disseram-me que eram pessoas que gostavam muito de mim. E eu respeito-as e admiro-as muito. Quando metemos em cima da mesa nomes de produtores, o meu manager falou da Amélia e eu disse logo: “sim”.

Também acredito que para si fosse interessante, tendo em conta o percurso todo que já fez, ter um olhar refrescante, de alguém que vem de fora.

Exacto, um olhar novo e diferente, com o qual aprendo muito. Aprendo novas formas de fazer as coisas. Sinto-me mesmo uma privilegiada. Há dias encontrei o Rui Veloso, que é meu amigo e já não o via há algum tempo, num concerto. E ele perguntou-me: “Então e o disco?” Eu disse: “Já o tenho mesmo pronto.” E ele perguntou quem tinha produzido. E eu: “Amélia Muge”. E ele: “Adoro a Amélia, fiquei muito curioso!” E acredito que outras pessoas estejam curiosas também, e eu também estou ansiosa para que oiçam. Para alguns pode soar a novidade, mas eu diria que eles vieram muito ao meu encontro. E isso é maravilhoso, foram generosos. Por isso, também acredito que as pessoas não vão estranhar.

Tendo em conta tudo aquilo que já fez, o que sente que lhe falta fazer? Ou não costuma traçar objectivos nesse sentido?

É mais essa última hipótese. Não traço objectivos, não penso no que falta fazer. Já fiz muita coisa, já toquei em muitos palcos e em muitos países, para muita gente, sou muito grata por isso. O caminho vai-se fazendo e o objectivo é ser cada vez mais eu própria. Sentir muito o que sou e o que tenho, para tirar


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