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Publicado a: 10/10/2018

Mz Boom Bap: “O meu objectivo é pegar em artistas menos conhecidos e tentar puxar por eles”

Publicado a: 10/10/2018

[TEXTO] Moisés Regalado [FOTO] Direitos Reservados

Mz Boom Bap, “filho dos 80 com feeling dos 90″, é um talentoso — e trabalhador — produtor português que, como tantos outros, continua a ter mais sucesso fora de portas do que em território lusitano.

O nome diz tudo, mas José Luís, purista assumido, garante que a evolução da música não lhe faz confusão. Natural de Amarante, quer ser tão relevante para a cultura local como já é nas ruas de Zurique ou Baltimore. Quanto ao movimento português? “Quando não és compreendido a nível local, então a nível nacional nem te podes queixar disso”.

O artista amarantino acaba de lançar Sorcery, o seu novo EP feito em colaboração com o rapper Ill Conscious e que conta com as participações de King Magnetic, Omnia Azar, DJ Grazzhoppa e Cyn Hawkes.

 



Podemos até começar pelo teu nome: representar a sonoridade boom bap continua a ser uma prioridade, e continuas a pensar nisso de forma consciente, ou pensas cada vez menos nesse aspecto?

A minha principal prioridade é continuar a fazer boom bap e no futuro irei continuar a manter sempre a mesma linha, aquilo que eu desde o início me propus fazer, e vou continuar certamente a fazer isso da mesma forma que tenho feito até agora, a todos os níveis. Tanto a nível de produção, nas máquinas que uso, sonoridade e até com os artistas com que pretendo trabalhar. E quero mencionar que o boom bap que eu faço é mais do início dos anos 90, mais rudimentar, com batidas simples — pesadas mas muito simples –, e não aquele boom bap do final dos anos 90 ou início dos anos 2000, e até aquilo que se faz hoje em dia, que já tem algumas misturas diferentes, com sons diferentes e com uso de instrumentos e sintetizadores. Eu não, quero fazer tudo com samples, todas as partes da música feitas com samples… Boom bap do início dos anos 90, totalmente old school.

Quanto ao método de produção, também te consideras purista ou recorres a alguma ferramenta, técnica ou máquina que esteja mais próxima do beatmaking actual?

Sou completamente purista. As máquinas que eu uso são a SP-12, que é uma máquina de 1987, uma E-mu Emax, que é de 1986, uso a Akai S950, que também é uma máquina de 12-bit, tal como as outras duas, e uso a MPC2000, que é uma máquina 16-bit. Tudo o que eu uso são máquinas do passado, que hoje em dia são difíceis de encontrar. Em Portugal nem conheço ninguém que tenha uma SP-12 ou uma E-mu Emax — talvez existam, mas a fazer hip hop talvez não. Também é de salientar que quase não uso computador, uso quase tudo analógico. Uso o computador apenas quando necessito de exportar as coisas para mandar a pessoal com quem trabalho, para quando preciso das músicas a nível digital, uso apenas para fazer o export. Mas não percebo nada de programas de computador e não uso VSTs, tento usar sempre sempre os compressores que tenho, uso também o sistema ADAT, multi-pistas, para exportar beats. A mistura é quase sempre feita de maneira analógica na minha música.

Partilhas com outros nomes, como o Blastah Beatz ou o Holly, um certo reconhecimento internacional que nem sempre tem eco em Portugal. Até que ponto foi uma escolha tua? A falta de oportunidades teve alguma coisa a ver com o teu percurso ou foi uma decisão meramente pessoal?

Um misto das duas coisas. Quando decidi começar a produzir, tentei sempre levar as coisas para um nível superior e investir um bocado no mercado internacional, até porque eu acho que o estilo de música que eu faço não é muito apreciado aqui em Portugal, por não ser uma música muito vendável, e até os MCs têm uma certa dificuldade em pegar nos meus beats porque, não sei, acho que falta até alguma informação sobre aquilo que eu faço, e hoje em dia é raro ouvir alguém rimar sobre um beat na minha onda, aqui em Portugal. Nem conheço quase ninguém que pegue neste tipo de beats, e foi um bocado isso. Mas quando comecei a mostrar os meus primeiros trabalhos, e na altura até foi no SoundCloud, tive uma afluência enorme por parte de público internacional e isso também me deu uma motivação maior. E eu sei que lá fora as pessoas apreciam a maneira como eu trabalho, a forma como eu produzo, o meu método é algo que é bastante apreciado, e até dizem que é característico de mim próprio. E isso tem dado uma motivação enorme, se bem que espero encontrar a pessoa certa para fazer alguma coisa cá dentro.

Tens trabalhado com o Awon e com o Phoniks, cada vez mais relevantes na cena de Los Angeles, apesar de terem uma sonoridade completamente clássica. Há algum nome português com quem gostasses de trabalhar, apesar de, como disseste, não existirem assim tantos a encaixar nessa sonoridade?

O meu primeiro disco foi lançado com a editora deles. Fui convidado pelos dois para lançar um disco pela Don’t Sleep Records e esse meu primeiro disco teve e ainda tem algum sucesso, que é o The Rawness EP. E é pessoal com quem tenho uma relação mesmo muito boa e que se vai mantendo — aliás, até estamos a trabalhar em novas coisas.

Em Portugal, gostava muito de fazer um projecto com o Deau, e talvez fazer uma coisa diferente. Uma cena mais live, feita mais para concertos. E eu sempre persegui essas cenas mais live, relacionadas com a minha música, e gostava de fazer um projecto com ele. E eu acho que o Deau encaixava bem na minha cena por causa daquilo que te disse, por causa da energia que põe nas coisas, por causa do estilo de escrita dele. Outro MC que eu aprecio mesmo muito, e também gostava de trabalhar com ele, mas em estúdio, é o Bónus. Não sei bem se ainda está activo ou não mas também é um MC que eu aprecio mesmo muito, é dos meus preferidos aqui em Portugal, e às vezes até acho que é um bocado esquecido. Isto para fazer uma ponte entre pessoal mais old school e pessoal mais new school, também para tentar mostrar que um MC de hoje em dia também consegue encaixar nos meus beats, e por isso é que falei no Deau. O Bónus é mais old school e tem uma cena que também aprecio bastante.

Também já trabalhaste com o Macanache, da Roménia, com o Ryler Smith, que vive na Suíça, com o Ill Conscious, de Baltimore, nos Estados Unidos… Pode dizer-se que, no teu caso, o hip hop serve não só para fazer a ponte entre países e continentes, mas também para unir artistas menos conhecidos, dando-lhes uma exposição que de outra forma não teriam?

Falaste numa coisa bastante importante para mim. O meu objectivo é pegar em artistas menos conhecidos e tentar puxar por eles, tentar metê-los noutro nível, tentar até dar-lhes a oportunidade de fazer um disco inteiro. Eu conheci o Ryler Smith quando ele tinha dezassete anos, ele tinha ido do Quénia para a Suíça e foi um miúdo de quem sempre gostei. Um dia disse-lhe “vou-te fazer um disco, vamos fazer um disco juntos”, e como tenho contrato com a Vinyl Digital, da Alemanha, propus-lhes o disco e disse “tenho aí um miúdo para pegar e quero fazer um disco com ele”. A verdade é que dentro da editora sempre me deram liberdade, sempre confiaram bastante em mim. Comecei a fazer o disco, tentei convidar alguns artistas para entrar no disco, para o motivar — convidei o Finsta, de Finsta & Bundy, que é mesmo old school, americano, e ele aceitou fazer a colaboração –, convidei o Tek (Teknical Development), convidei o Awon. E a verdade é que a gente lançou o álbum e conseguimos vender as quinhentas cópias, e eu fico mesmo muito feliz com isso. É um artista em quem peguei desde miúdo e para mim é incrível fazer isso. Há um artista que entrou no meu primeiro disco, que é o Curtis Roach, e eu convidei-o para entrar no disco quando ele tinha dezassete anos. Hoje em dia ele está a ter um sucesso enorme, é daqueles miúdos que já tem editoras atrás, e já está a trabalhar com editora lá na América para fazer coisas e para estar num nível superior. E eu fico mesmo muito feliz por conseguir puxar por artistas, e não tenho aquele objectivo de trabalhar com grandes nomes.

Começaste a ouvir rap numa altura em que o movimento ainda não tinha expressão mediática. O crescimento desiludiu-te ou consideras que foi positivo, e que tudo o que aconteceu acabou por ser importante?

A evolução do hip hop não me incomoda absolutamente nada e eu vou-te explicar porquê. Tenho muitos amigos MCs e a gente fala muito, e eu sinto que eles têm uma necessidade de experimentar coisas diferentes. A gente não pode comer sempre arroz, eu não me importo de comer sempre arroz mas compreendo que para um MC seja diferente. Mesmo aqueles que vieram do passado e estão a tentar fazer coisas diferentes, eu compreendo perfeitamente aquilo que eles estão a fazer. Isto a nível musical. A nível de movimento, de relação com os outros… Isso já me incomoda mais porque é aquilo que eu costumo dizer: hoje em dia há menos crews e mais MCs. O que mais me incomoda é a falta de camaradagem. Aquilo que um gajo sempre quis, que é o convívio, a camaradagem, fazer as coisas, colaborações, hoje em dia tu não vês isso. O pessoal preocupa-se mais em fazer uma colaboração com um gajo com quem consegues ter plays e visualizações e até podes nem gostar dele, e fazes isso apenas por uma questão monetária. Antigamente era diferente, o pessoal juntava-se e era capaz de fazer dez músicas para lançar no dia, não tinhas aquela preocupação do mercado e esse tipo de coisas. Apenas querias escrever aquilo que sentias e tinhas todo o orgulho em dizer isso em cima de uma batida. Hoje em dia o pessoal preocupa-se mais com a música que os outros fazem, se for preciso deixam de fazer música a pensar na música que os outros fazem, e o que é que acontece? Muitas vezes tu vês artistas que estão dois ou três anos sem fazer um disco porque estão sempre com aquela expectativa de que têm que ser melhor que o outro. Eu sentia que o pessoal só tinha necessidade de ir lançando coisas e de estar sempre activo, e hoje em dia vejo isso acontecer muito pouco. A camaradagem é muito fraca, muito crítica. Mas eu respeito muito os meus amigos, as amizades que construí por causa da música, independentemente do estilo. E se um amigo meu que até faz mais trap me pedir um beat, eu vou aceitar na boa, porque quando eu conheço uma pessoa, conheço o fundo dela, conheço os intuitos dela. A mim não me faz confusão esse tipo de coisas, principalmente quando eu conheço as pessoas.

Que planos tens para o futuro próximo? Queres dizer alguma coisa que ainda não tenhas tido oportunidade?

Vou tentar tirar mais tempo para mim, tentar ser um pouco mais individualista. Quero fazer um álbum de instrumentais, que até é um desafio para mim porque às vezes sinto que nem sequer estou preparado para isso, porque a minha música é tão simples que eu às vezes não sei se funcionará bem, mas é algo que pretendo tentar. E gostava de tentar fazer algo aqui em Portugal, e é uma coisa que eu tenho a certeza que seria muito diferente do que tem sido feito até agora, e se calhar nem toda a gente vai compreender. Por mim… Como costumo dizer, eu gosto que a minha música seja entendida pelo pessoal que percebe. E gostava muito de fazer cenas ao vivo, é um grande objectivo que tenho, conseguir passar a minha cena live. E acho que neste álbum com o Ill Conscious vamos conseguir fazer uma tour (espero que sim).

Para terminar, gostava mesmo de falar sobre o interesse que as pessoas têm tido a nível local. Quando não és compreendido a nível local, então a nível nacional nem te podes queixar disso. Fico mesmo triste porque todos os discos que fiz até hoje foram produzidos por mim, em Amarante, que é uma cidade pequena, pouco conhecida a nível musical, e não consigo ter reconhecimento como artista, ser envolvido a nível cultural, e não consigo que mostrem interesse naquilo que eu faço. Neste últimos tempos é a grande batalha que tenho tido, com a falta de interesse do poder local na minha pessoa e com o grande interesse que eu tenho em fazer parte da vida cultural da cidade, até porque eu não pretendo nada a nível monetário, mas apenas ser inserido e puxar novos miúdos, e mostrar que é possível dando o meu exemplo, que consegui sem sair daqui.

 


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