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Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 07/08/2023

O preço a pagar pela inventividade.

Mary Halvorson no Jazz em Agosto’23: brilho discreto

Fotografia: Vera Marmelo / Jazz em Agosto
Publicado a: 07/08/2023

A vida que corre alheia às solicitações de eventos culturais impediu que se marcasse a planeada presença no concerto da pianista polaca Marta Warelis na tarde do passado sábado, 5 de Agosto, mas os incansáveis companheiros da Jazz.pt não faltaram à chamada e dão por aqui conta do que sucedeu no Pequeno Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian.

Quando a noite caiu sobre o Anfiteatro ao Ar Livre, porém, lá estávamos, com atenção aguçada para assistir à prestação de Amaryllis, de Mary Halvorson. A designação da banda constituída por Adam O’Farrill no trompete, Jacob Garchik no trombone, Patricia Brennan no vibrafone, Nick Dunston no contrabaixo e Tomas Fujiwara na bateria, além, claro, da líder Mary Halvorson na guitarra, deve-se ao álbum homónimo editado em tandem com Belladonna perante aclamação geral em 2022. No Expresso, o signatário destas mesmas linhas escreveu o seguinte: “Em Amaryllis, o mais dilatado ensemble permite-lhe, nunca esquecendo o espaço para o livre improviso, explorar uma densa e muito pessoal declinação de uma angular ideia de groove animada por fanfarras plenas de êxtase e recantos harmónicos de funda complexidade. Por outro lado, Belladonna é o contraponto mais contemplativo, em que o MIVOS rodeia o seu mais reflexivo guitarrismo de exuberante moldura cromática. Duas faces de uma mesma moeda, rara e preciosa”.

O concerto a que assistimos no Jazz em Agosto, no entanto, não tomou Amaryllis/Belladonna como dogma inscrito em pedra, preferindo a líder encarar a ocasião como oportunidade para apresentar novas composições, excepção feita à peça que dá título ao trabalho do díptico que cedeu o nome ao colectivo. Ora, essa opção traduz-se, quase sempre, num elemento de vantagem e noutro que nem por isso. A parte positiva é que estas composições que ainda estão a ser trabalhadas e a procurar adaptarem-se a uma vida real, para lá da pauta, vão sendo reinventadas de cada vez que são interpretadas, muito graças a imaginativas doses de improviso. Ao invés, a desvantagem recai quase sempre nas abordagens muito temerosas, como se cada um dos músicos não conseguisse esconder estar em cada momento a apalpar terreno. Essa terá sido uma das falhas deste concerto: o relativo pouco à-vontade dos músicos com as novas composições de Mary Halvorson.

Por outro lado, é nítido que esta inventiva guitarrista, que claramente fez por merecer o invejável estatuto de que hoje goza, tem feito um esforço por se afastar em termos composicionais de uma linguagem que imediatamente se possa identificar como “jazz” (seja lá isso o que for…), preferindo posicionar as suas peças num qualquer limbo existente entre essa cultura e os universos da música clássica e das grandes composições para cinema (tradição funda na América…), polvilhando tudo com ecos variados dos seus conhecimentos de cancioneiros folk e pop. E isso pode requerer tempo para se aprimorar. Certo, certo é que tivemos todos o privilégio de assistir a uma mente criativa em tranquila ebulição, em busca de uma nova linguagem. E isso é, pois claro, privilégio.

Claro que nada disto belisca o guitarrismo fluído de Mary Halvorson, uma fonte incessante de classe na forma como ataca as notas, como desdobra as melodias e como se encaixa no colectivo. A vibrafonista Patricia Brennan foi talvez demasiado discreta para o que pudesse esperar quem gosta do instrumento (meu caso…), e a secção rítmica, com destaque para o sólido Nick Dunston no contrabaixo, tão competente como seria exigido, com os sopros a cumprirem com brilho q.b. as funções de coloristas das peças com solos seguros, mas nunca demasiado exuberantes.

Mary Halvorson tem uma longa relação com o Jazz em Agosto e nesta edição até foi sombra e sol, mas a ter deixado alguma coisa foi expectativa para uma futura apresentação em que possa trazer material mais rodado e tratado de uma forma mais solta e livre. Possa ir acontecer, e lá estaremos para a aplaudir, certamente.


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