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Fotografia: Anxo Casals
Publicado a: 26/09/2023

Dar à música o que ela pede.

Marina Herlop: “Neste próximo álbum há menos elementos, mas para mim isso é corajoso”

Fotografia: Anxo Casals
Publicado a: 26/09/2023

Marina Herlop não parece querer abrandar. Depois de no ano passado ter sido aclamada pela crítica devido ao seu aguçado e experimental Pripyat, a artista está prestes a encerrar uma série de espectáculos que já dura há quase dois anos. Outra pessoa qualquer pensaria em aproveitar para tirar umas merecidas férias, descansar da vida de estrada e da vida de músico. Mas Herlop mal pode esperar para voltar para casa e à rotina de escrita de canções.

É uma rotina árdua e difícil de compreender na sua totalidade, algo em sintonia com a música intrincada da artista espanhola. Mas “La Alhambra” parece ser um passo em direcção a algo mais relaxado. Foi este o single com que escolheu apresentar Nekkuja, o seu novo álbum que será editado a 27 de Outubro. E é uma música que nos mostra um lado mais domado da experimentação de Marina Herlop.

Depois de uma bela actuação em sintonia com o lugar escolhido para a receber, o Rimas e Batidas sentou-se com a artista para uma curta e animada conversa sobre o que podemos esperar do seu novo álbum, possíveis futuras colaborações e uma vontade de voltar ao estúdio. 



“La Alhambra” soa menos abstracto, é menos uma experiência sensorial, menos um ritual que as músicas no teu álbum anterior Pripyat. O teu álbum Nekkuja caminha mais nessa direcção?

Sim, mas foi algo que eu me apercebi depois de o ouvir. Não era a minha intenção, mas é o que eu acho enquanto ouvinte. A minha intenção era explorar o quão doce, feliz ou pop eu conseguia ser sem ser demasiado lamechas. Eu sempre tive medo de fazer música pop ou soar convencional e os meus trabalhos anteriores são experimentais e estranhos por causa disso. E por vezes isso traduziu-se em músicas que não eram muito bem construídas. Só porque é música experimental não quer dizer que podemos fazer o que quisermos. A música precisa de estrutura, de ideias e temas, estás a explicar algo. Agora sinto-me mais madura musicalmente e como pessoa, agora não é tanto sobre ser estranha. Estou a explicar uma história aos ouvintes, é uma mensagem musical que precisa de estrutura. Neste próximo álbum há menos elementos, mas para mim isso é corajoso. Não é que não tenha mais ideias, é mais uma questão de “vou pegar nestas cinco ideias e vou-me focar em uma ou duas por música, porque é preciso construir bem.” Se estivermos a falar de edifícios, acho que este álbum é um edifício mais resistente. O Pripyat era mais esotérico, mas não era tão bem construído. E não estou a dizer mal, eu gosto do meu trabalho anterior. Eu era mais nova e queria dizer tudo, mas no final o resultado não fazia muito sentido em termos de estrutura. E eu queria ser mais madura, ainda que este próximo álbum seja o mais lamechas que eu posso ser sem ser embaraçoso [risos].

Conseguimos perceber que é uma música de Marina Herlop. Mas pela maneira como está estruturada, estamos sempre a caminhar para aquele final poderoso. E em algumas das músicas do teu álbum anterior é menos esta viagem e é mais uma experiência. 

Neste álbum eu tentei que as músicas tivessem uma estrutura melhor, e algumas foi um pesadelo para as fazer! Às vezes estou em sessão no Ableton e parece que é um sudoku. Todos os elementos estão lá, só preciso de organizá-los e preciso de perceber como construir a música. E isso foi uma competência que eu não treinei nem considerei nos meus trabalhos anteriores, porque não pensei que fosse necessária. E quanto mais dessa competência de estrutura usares na música, mais longa é a música que podes fazer. Mas se queres escrever um romance de 1000 páginas ou uma sinfonia precisas de trabalho. No futuro o que gostaria de fazer é pensar num álbum como uma peça única. Para mim o desafio está em ter essa peça e organizar movimentos dentro dessa peça. O processo criativo é difícil porque quero fazer o melhor possível. Tu pensas que o teu melhor é uma determinada coisa, mas se continuares a tentar vês que consegues fazer melhor, só precisas de te torturar mais [risos]. Eu divirto-me quando finalmente o resolvo. E uma pessoa fica agarrada a isso. Queremos sentir mais daquilo. 

Falando no futuro, há alguém com que gostasses de colaborar?

A pessoa com quem gostaria mais de trabalhar é Cristobal Tapia de Veer. A música desse compositor é fantástica, a banda sonora de Utopia é fabulosa. Eu gostava de colaborar com ele a certa altura, apesar de ele só fazer bandas sonoras. Também gostava de colaborar com Meitei, um produtor japonês, e nesse caso acho que vai acontecer. Mas antes disso, eu preciso de me isolar durante um ano e fazer música. Tenho estado sem compôr, preciso de voltar ao trabalho e ter música para apresentar. Se vou colaborar com alguém, tenho de ir preparada, especialmente se é alguém que eu admiro. As colaborações têm de acontecer por interesse genuíno. Tenho visto muitas colaborações que são feitas porque os artistas querem ser conhecidos pelo público um do outro. Precisa de ser genuína senão não vai ser boa. 

Qual foi a tua reacção a ouvires a tua música na apresentação de uma colecção de roupa da Iris van Herpen? O trabalho dela combina muito bem com a tua música.

Concordo, e fiquei muito lisonjeada por quererem usar a minha música. Quando lançamos canções, toda a gente pode ouvi-las e utilizá-las no que quiser. E por vezes é estranho porque não combinam. Mas não foi o caso e isso é muito bom, ela é uma designer de topo e fiquei muito feliz por ter acontecido.

É algo que gostarias de fazer no futuro?

Eu gosto de moda, mas nos últimos dois anos dei muitos espectáculos e tenho construído o meu projecto. E isso significa dedicar muita da minha energia ao negócio em vez da música. Agora quero estar por minha conta e fazer música só porque sim. Por causa das frequências, por causa dos deuses da música, para os venerar, e não pensar em colaborações ou desfiles de moda. Nem sequer estou preocupada em tocá-las ao vivo ou o que as pessoas podem achar. A viagem de um músico tem alguma introspecção e os últimos dois anos não têm sido introspectivos. Preciso de me sentar e pensar no que quero fazer e fazê-lo só com a música em mente. Sinto-me ferrugenta. Preciso de algum tempo para recuperar. A base deste projecto é ser genuíno. Acho que foi por isso que as pessoas gostaram, eu não estava a pensar em mais nada a não ser a música. Se eu começar a fazer música porque em 2024 precisar de entregar outro álbum… Tem de ser genuíno. Se demorar dois anos que seja, é o que a música pede.


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