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Fotografia: Doctor Von Jay
Publicado a: 26/04/2024

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Mazarin

Fotografia: Doctor Von Jay
Publicado a: 26/04/2024

Corria o distante ano de 2018 quando os Mazarin se estrearam nas edições. O EP homónimo lançado pelo quarteto composto por Vicente Booth na guitarra, João Romão na bateria, João Spencer no baixo e auxiliados por Afonso Serro nas teclas mostra um grupo sediado no jazz mas com um conjunto de influências e truques na manga que surripiam de outros géneros. BADBADNOTGOOD é a primeira referência que nos vem à mente, mas há uma efervescência de hip hop neste lançamento, fruto de influências como J Dilla ou DJ Shadow. Seja através de “WD-40” e a sua cadência bem oleada, do andamento gingado de “Bee Gees” com as suas guitarradas abafadas a lembrarem uma malha de Khruangbin, ou do arranjo de “Lavender Town”, progressivo, multifacetado e maior do que a imaginação: este EP é um trabalho em que groove e mestria instrumental andam de mãos dadas durante 25 minutos. 

Em 2020 — já depois da saída de Afonso Serro e a entrada de Léo Vrillaud para o seu lugar — os Mazarin assinam pela Monster Jinx e lançam o aperitivo Interlúdiocomposto por dois apetitosos temas. “Vasenol” consegue alternar eficazmente entre uma atmosfera de final de noite de clube de jazz e uma urgência fresca, e “Batata Palha” é uma canção que tanto nos puxa avidamente como soa em sintonia quando camuflada na atmosfera. Interlúdio continuou a exploração dos Mazarin, apresentando uma abordagem nova a um som já conhecido do seu público. 

Dois anos depois, voltamos a ouvi-los a fazer das suas ao integrarem o Volume 12 da Cromática, um projecto da Monster Jinx composto por sete discos de vinil, em que a face de um desses discos é toda do quarteto. Ouvimo-los com uma nova intenção, inspirados por um alento digital no seu percurso cada vez mais pessoal. Em “Crop Circles” ouve-se experimentalismo, um apalpar de terreno, um navegar em busca de algo mais pelos mares da música electrónica. Foi o primeiro sinal do que estava para vir, mas para falar do futuro dos Mazarin, temos de voltar ao seu passado. Foi em 2020 que o quarteto começou a trabalhar no seu álbum de estreia. Um afortunado retiro musical fruto de uma infortunada pandemia foi o mote para o início dos trabalhos para o primeiro longa-duração do grupo. Quatro ano depois, Pendular vê a luz do dia e procura rivalizar essa quente luz solar. 

O quarteto tornado quinteto com a adição de Francisco Bettencourt no saxofone alto e flauta mostra, nos primeiros momentos do álbum, algumas mudanças sem nunca arriscar muito. As colaborações de Gil Dionísio e SOLUNA em “Deuses e Tolos” são uma adição bem-vinda a um ambiente sonoro semelhante ao que o precedeu. Mas é quando chegamos a “Dallas” que percebemos que algo “não está bem”. O tema cativa através de melodias jazzísticas de um experimentalismo dançável, uma novidade no leque sonoro dos Mazarin. “Colours” segue na mesma onda, mas mais para o centro da pista de dança, auxiliada pela entrega entusiástica de Sara Badalo. “Caçadores” volta a tirar o norte à bússola, indicando um caminho pelo meio da música africana, com uma exímia contribuição de João Frade no acordeão e uma transição sem turbulência para o mundo do trap, e “Meia Cura” soa ao dobro do seu nome, uma potente pomada para a comichão sonora. Os Mazarin começam o álbum confortáveis no seu mundo, e quando a viagem chega ao fim percebe-se que acabaram de mostrar um universo novo. 

Pendular vai onde nenhum outro projecto dos Mazarin foi antes, é um trabalho em que consolidam a sua dinâmica e química enquanto banda e abraçam novos horizontes. O resultado é um disco fresco, com colaboradores cirúrgicos, focado no virtuosismo instrumental, um dos seus pontos fortes. Mas isso já é algo assegurado desde os primeiros tempos do grupo. Aqui a novidade está na maneira como encaram a música que os rodeia, como deixam que a sonoridade que respiram os inspire no trabalho que fazem. O talento nem sempre é suficiente, e é preciso saber ouvir. E esta mão-cheia de músicos está cada vez mais perto do ouvido absoluto.


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