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Publicado a: 24/05/2018

Mazarin: J Dilla, Endtroducing e um pouco de jazz

Publicado a: 24/05/2018

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTOS] Vítor Domingos

Não há amor como o primeiro. No caso dos Mazarin, “Midnight In A Perfect World“, de DJ Shadow, foi a faixa que acendeu a paixão. Depois de cimentarem a relação, o quarteto passou à acção e entregou-nos o seu primeiro “filho”, um EP composto por cinco músicas (quatro originais e uma versão de “Lavender Town”, tema de Junichi Masuda).

A comparação mais fácil recairia nos BadBadNotGood, mas Afonso Serro (teclas), João Spencer (baixo), Vicente Booth (guitarra) e João Romão (bateria) apontam o “swing” de J Dilla ou o clássico Endtroducing, de DJ Shadow, como referências importantes de um grupo que tem bases académicas na música erudita e no jazz. Os produtores do disco, José Penacho (Riding Pânico) e Pedro Ferreira (Quelle Dead Gazelle), acrescentam a ginga rock à equação. Já começaram a perceber o filme?

Mazarin é uma abordagem fresca e despudorada, um musculado conjunto de canções que está localizado num espaço neutro em que jazz e o hip hop convivem harmoniosamente. Se gostam da música de Bruno Pernadas, Roger Plexico ou Orelha Negra, este EP é para vocês.

 



Antes de mais, quando e como é que a banda começa? E expliquem o nome, se faz favor.*

[Afonso Serro] Eu conheci o Spencer e o Vicente na faculdade, num curso ligado à música erudita. Rapidamente ficámos amigos por termos várias coisas em comum: todos estudámos música clássica, eu tinha estudado um bocado de jazz, o Vicente naquela altura também estava no Hot Clube e o Spencer partilhava os mesmos gostos musicais. Então decidimo-nos conhecer musicalmente e marcámos uma jam. Já tínhamos a ideia pré-concebida de que queríamos fazer um projecto de hip hop instrumental. Naquela altura, eu estava a aprender a produzir e a fazer beats de hip hop, não pensava noutra coisa. De facto, a jam correu tão bem, que decidimos continuar a tocar em Lisboa, naquela altura ainda tocávamos com o Humberto Dias (actual baterista de Hércules). Algures no Verão fizemos um retiro de duas semanas em Beja, e de facto é lá que a banda começa a ganhar corpo e a consolidar-se, entrando pouco tempo depois o João Romão como baterista.

[João Spencer] Eu e o Vicente, assim como o Romão e o Humberto, somos todos do distrito de Beja, e já nos conhecíamos há alguns anos antes de conhecer o Afonso (o alfacinha do grupo), daí a nossa ligação a esta cidade, onde ensaiamos a maior parte das vezes.

[Vicente Booth] “Mazarin” veio da minha parte, um nome que eu apanhei quando passei de comboio por uma localidade com esse nome em França. Depois de pesquisar, descobri que tinha sido um cardeal francês do rei Luís XIV, cardeal esse bastante corrupto, por sinal. Achámos piada e ficou!

[João] Essa associação não nos incomoda, porque o que nos interessou foi a palavra em si. De certo modo, acho que a conseguimos libertar de qualquer possível conotação (até a pronunciamos “à portuguesa”, com as vogais abertas!).

O artwork ficou a cargo do Bernardo Sousa Santos. Pediram algo em específico ou ele teve liberdade para explorar?

[João] Nada em específico. Enviámos-lhe os temas e, posteriormente, deixámos que ele sugerisse as ideias que lhe faziam mais sentido, escolhendo a partir daí e apenas apontando um ou outro pequeno pormenor que achássemos que pudesse ser modificado. Mas, essencialmente, partiu de toda a sua liberdade criativa. Parece ser o mais lógico neste tipo de situações.

No vosso Facebook, os BadBadNotGood, J Dilla, DJ Shadow, Kamasi Washington ou Yussef Kamaal surgem como referências. Houve discos que serviram como ponto-de-partida para construírem a vossa sonoridade?

[Afonso] BBNG (I, II, III e IV), Dilla, praticamente todas as grandes produções dos anos 90, The Pharcyde, ATCQ, De la Soul. O J Dilla foi particularmente influente no que toca ao swing das batidas, o que a meu ver ajudou a definir o género neo soul. O Endtroducing do DJ Shadow teve muito impacto a nível de estética, adoramos esse disco. Curiosidade: a primeira música que tocámos juntos foi a “Midnight In A Perfect World”.

[João] Não sei se houve algum em disco em particular que nos servisse de ponto-de-partida, mas alguns desses nomes por si só influenciaram-nos a procurar o que queríamos. BBNG foi o ponto-de-partida, já que estávamos numa de explorar algo entre o jazz e o hip hop (acho que fui aquele que puxou mais por essa banda, apesar de todos nós os admirarmos). O Afonso puxou muito por A Tribe Called Quest, Dilla e outros grandes nomes do hip hop dos anos 90, mas como gostamos de diversos géneros musicais, tentámos pôr tudo em aberto, desde que pareça fazer sentido para este grupo.

Aqui em Portugal não existe grande tradição das bandas/músicos com pendor jazz colaborarem com rappers — lembro-me assim de repente do Rodrigo Amado com o Halloween –, mas nos Estados Unidos da América é algo que acontece com regularidade. Isso interessa-vos ou estão mais preocupados em construir uma coisa vossa?

[Vicente] Esse tipo de colaborações sempre esteve na nossa cabeça, até porque muitas vezes que ensaiávamos e tocávamos ao vivo tínhamos a sensação de que o set poderia acrescentar mais algum timbre ou outra mensagem.

[João] Já há algum tempo que andamos a considerar essa hipótese, mas, se acontecer, será mesmo no âmbito de uma colaboração, nada permanente. Sentimos que a música já é bastante preenchida nesta configuração instrumental, acrescentar um elemento vocal de forma fixa não parece fazer muito sentido, pelo menos agora.

“Lavender Town” é a única composição que não é um original vosso. Quem é o grande fã de Pokémon nos Mazarin? 

[Afonso] Eu [risos]. Não sou fã de Pokémon propriamente dito, mas o jogo no Game Boy marcou a minha infância. A música é um bocado estranha e dissonante e, por desafio, decidimos fazer um arranjo mais jazzístico, algo completamente diferente mas que capturasse o mesmo feeling que a versão original.

Dar títulos a músicas instrumentais pode ser mais complicado do que retirar uma frase (ou uma palavra) de uma letra de uma canção. Como é que foi o vosso processo nesse sentido? 

[João] Os nossos títulos surgem através de trocadilhos, cenas parvas que nos venham à cabeça, ou títulos provisórios que acabam por ficar. É engraçado, confere um tom mais descontraído à coisa toda.

[Afonso] “Bee Gees”, por exemplo, foi um trocadilho do Pedro Ferreira (que gravou o EP). A música chamava-se simplesmente “Beat G (Sol)”.

[Vicente] Não houve nenhum processo em específico. A “WD-40” surge quando tocávamos esse tema de uma maneira diferente, mais lenta e arrastada e eu lembrei-me do spray porque era como se tivéssemos sido “sprayados” com WD-40 e estávamos todos a fluir muito bem uns com os outros. A “Electricidade Estética” é outro trocadilho que a harmonia dessa tem. Soou-me apropriado.

 



Actualmente, para além do Bruno Pernadas, poucos artistas portugueses ligados ao jazz têm grande alcance fora do circuito do próprio género. Concordam? Acham que ainda existem portas que precisam de ser abertas?

[Afonso] Na verdade, nós já nos afastámos bastante do jazz, até porque nem nos consideramos uma banda de jazz propriamente dita. Para nós, o jazz é apenas uma linguagem que estudámos e usamos na nossa criação. Também gostamos muito de rock e este EP reflecte bem isso. O José Penacho e o Pedro Ferreira tiveram muita influência na gravação das guitarras.

[Vicente] Já ouvi muitos grupos que fazem música improvisada fora do circuito “normal”. Acho que as portas já foram abertas.

Em território nacional, vocês são capazes de apontar projectos semelhantes ao vosso? 

[Afonso] Dificilmente… Existem bandas da nossa geração que também vieram do meio do jazz e que têm influência de neo soul e hip hop, sobretudo por causa da popularidade de BadBadNotGood e Robert Glasper. Mas são bandas que estão a começar e nem têm coisas editadas.

[João] Pode parecer um bocado pretensioso pensar assim, mas tenho de concordar com o Afonso: é realmente difícil. As bandas de jazz fusion que por aí andam normalmente pegam em outros géneros sem explorar ao máximo o potencial dos mesmos… O Pernadas acaba por ser um dos nomes mais revigorantes nesse aspecto, mas o nosso som não é assim muito parecido com o dele [risos]. Penso também nos Orelha Negra, que vão levando a sua mistura de hip hop/soul/funk a um patamar cada vez mais progressivo, só que no caso deles o jazz não se encontra propriamente presente.

Depois do lançamento do EP, os concertos são a etapa seguinte. Como é que está a vossa agenda?

[João] Neste momento só temos um concerto agendado no Outjazz no dia 16 de Setembro (no Jardim do Campo Grande), mas estamos a marcar mais! Também estamos a preparar um segundo registo, que começará a ser gravado brevemente. Stay tuned!

 


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* As respostas são dadas por todos os elementos da banda, excepto o baterista João Romão.

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