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Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 12/12/2023

Reportórios cruzados.

Margarida Femme Campelo Falafel no Musicbox: a música portuguesa a gostar dela própria

Fotografia: Geraldo Ferreira
Publicado a: 12/12/2023

Qualquer dia (e já nem falta assim tanto tempo…), o Musicbox atinge a maioridade e a festa poderá ser outra, mas na sua celebração de 17º aniversário, no passado sábado, 9 de Dezembro, fomos presenteados com um mash-up de elevada qualidade e com uma energia bastante adulta: Margarida Femme Campelo Falafel, que é como quem diz Margarida Campelo e Femme Falafel (aka Raquel Pimpão), dupla que na ocasião se fez acompanhar pela secção rítmica de João Correia na bateria e Tiago Martins no baixo.

A ideia foi a clássica troca de galhardetes com as duas artistas a alternarem nos papeis principais em peças dos seus respectivos reportórios. Pimpão é, claro, parte da banda que normalmente acompanha Campelo nas suas apresentações de Supermarket Joy (tal como João Correia, já agora), e por isso nada por ali há-de ter sido difícil para a artista que também se tem mostrado como Femme Falafel, “máscara” com que, aliás, deverá apresentar trabalho grande no próximo ano. As duas partes de “Physalifit”, “Faz Faísca e Chavascal”, “Mapa Astral”, “Tropicasio” ou “Aura de Panda” viram as duas artistas envolvidas em canções que Campelo dispôs naquele que é um dos melhores lançamentos de 2023, o já mencionado Supermarket Joy. A troca não se limitou às partes cantadas por cada uma, mas implicou até mudança de workstations, numa espéce de acção pendular entre diferentes teclados que serviu para sublinhar a extrema sintonia que emana das duas artistas. Do outro lado houve “Romance Feudal”, “Rio”, “Livre Arbítrio” ou “Mitra Indie”, preciosas pistas que Femme Falafel tem vindo a espalhar em palcos e nuvens de som e que hão-de permitir que mais facilmente encontremos o caminho para o que promete ser um belíssimo álbum de estreia.

Há algo de comum nas canções de Margarida e Raquel: uma certa leveza e aparente desprendimento e uma valorização de correntes menos bem-amadas (ou mais mal-amadas…) — do r&b mais xaroposo ao jazz de (lá está…) supermercado, do synth-pop que parece ser construído com sintetizadores feitos de legos, áquela coisa meio séria, meio irónica que acontece quando se aborda reportório das nossas estrelas de baile, como aconteceu, no final, com a dupla vénia a Ágata (“Mexe-te Mais Um Pouco”) e Melão (com o otoverme que fala do coração do dito cujo fruto). O interessante é que, na verdade, Margarida Campelo e Femme Falafel fazem música muito séria, com balanço e verniz de cena lúdica, mas com sofisticação harmónica, execução impecável, inteligência expressa nas surpresas escondidas nos arranjos. Cena de gente crescida, portanto. E ao vivo, sem o conforto das multi-pistas do estúdio, tudo se reduz a um quarteto de eficácia total com máxima capacidade de comunicação que se mostra capaz de gerar vagas de empatia que se traduzem em abandono colectivo na pista de dança. Esta música que parece não se levar demasiado a sério, mas que é séria, que parece só servir para dançar, mas que também nos deixa a pensar, merece o nosso total aplauso. E as pessoas que em generoso número compareceram para apagar as velas no bolo do Musicbox e dançar pela noite dentro com Margarida Femme Campelo Falafel aplaudiram sem reservas precisamente porque gostam de ver e ouvir a música portuguesa a gostar de si própria desta maneira genuína e despudorada. Como deve ser.


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