CD / Digital

Margarida Campelo

Supermarket Joy

Discos Submarinos / 2023

Texto de João Spencer

Publicado a: 11/05/2023

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Mesmo considerando um currículo impressionante, colaborando com nomes como Bruno Pernadas, Cassete Pirata, Real Combo Lisbonense, Minta & The Brook Trout ou Joana Espadinha, nada nos poderia preparar para a estreia em longa-duração de Margarida Campelo: Supermarket Joy presenteia-nos com uma multiplicidade musical onde não só cabem os universos indie e jazz dentro dos quais nos habituámos a ouvir a artista, como também neo-soul, r&b e um certo sentido de experimentalismo que confere a atitude destemida deste disco. 

A viagem começa num registo cósmico, primeiro por via da introdução etérea das camadas e loops vocais e de synths dignos de uma toada ambiente a la Fripp & Eno em “Maegaki”, e de seguida na bipartida “Physali Fit” que revela de imediato a minuciosidade dos arranjos das canções presentes no álbum – o jogo de coros e dos instrumentos é pensado ao pormenor de uma forma brilhante, destacando-se a irrequietude de cada break de bateria e da drum machine, adequados a todo um tema que até no seu conteúdo lírico é naturalmente deambulante (“Nuvem de sereia à sombra néon/Chapada de areia, quase foi bom”).   

É, no entanto, em “Mapa Astral” que nos começamos a deparar com a riqueza do repertório pop que Campelo traz na sua bagagem, através de uma belíssima ode à synth pop e à disco que recicla as características sonoras dos anos 80 sem perder por um minuto a sua originalidade e contemporaneidade. E a fasquia tende a elevar a partir daqui: “Faz Faísca E Chavascal” e “Love Will Never Be Enough” mergulham num espírito puramente soul, onde a primeira captura a nossa atenção pelos seus versos catárticos e pelo seu refrão orelhudo e groovado, e a sua segunda balanceia delicadamente a temática agridoce de um amor moribundo ao cantar frases como “Just for a while, let’s fantasise/Though I already see the end” ao embalo de um rhodes caloroso e coros reconfortantes.

“Maggie” explora o mesmo tipo de sensibilidade introspectiva, desta vez numa vertente mais bossa nova, embora o resultado acabe por ser demasiado vago e não desperte o mesmo fascínio que os temas que o antecedem; porém, é contraposta por “Aura de Panda”, outro excelente exemplo dos dotes pop que Campelo possui, com arranjos que se desdobram a cada audição, contrastes de dinâmicas verso-refrão coesivas, e versos divertidos que, assim como em “Physali Fit”, “Mapa Astral” e “Faz Faísca E Chavascal” comprovam a força colaborativa que a artista partilha com Ana Cláudia e Beatriz Pessoa, uma vez que estas duas também assinaram a co-autoria das letras dos temas em questão. 

Estamos quase a chegar ao final do disco e, quando pensamos que já não existe nenhuma novidade a nível estético por se apresentar, entra “Tropicasio”, cuja ambiência psicadélica reminiscente do trabalho a solo de Bruno Pernadas (que também contribui para este disco na sua produção, instrumentação, arranjos, e composição) é complementada pelo mantra saltitão “Uma dança amarela que se imitou/E fazer a festa com o que restou”. Para terminar, uma versão pausada de “Love Ballad”, dos L.T.D., permite-nos recuperar o fôlego após o turbilhão de emoções experienciado nesta viagem.

Com tantas canções exímias, o único ponto fraco de Supermarket Joy reside no facto de quase metade do disco ser preenchido por interlúdios que não jogam a seu favor. A divisão em “Physali Fit” em duas partes, ainda que lógica, acaba por criar um período de espera demasiado longo para a entrada da primeira canção do álbum, uma vez que a primeira parte é antecedida por “Maegaki”; já a relação galopante entre harmonia e melodia em “Deusa” deixa a vontade de ser explorada de forma mais extensa, ao invés de ser recriada em “Deusa Coral” e “Deusa de Cera”, resultando em três separadores redundantes. Felizmente, estes momentos não abalam as virtudes de uma estreia admirável de Campelo enquanto líder, o que representa uma visão artística ambiciosa que nunca poderia passar despercebida.


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