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Fotografia: Lloyd Winters
Publicado a: 18/11/2023

Música inequivocamente autoral e sem fronteiras.

Makaya McCraven: “Quando penso na minha música, não sinto que soe necessariamente a jazz ou hip hop”

Fotografia: Lloyd Winters
Publicado a: 18/11/2023

A estreia de Makaya McCraven em palcos portugueses acontece já amanhã (domingo), dia 19 de Novembro, na Casa da Música, no Porto. Mas a sua passagem por Portugal já havia sido confirmada antes desta primeira data ser oficializada: a sua actuação por ocasião do Misty Fest, a 20 de Novembro (próxima segunda-feira), no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, estava prevista desde Abril passado. E foi precisamente essa estreia em dose dupla que motivou um novo encontro — ainda à distância — com o músico norte-americano.

Segundo nos adiantou McCraven no final do mês passado, numa conversa com chamada feita para o outro lado do mundo, traz consigo Marquis Hill, Matt Gold e Junius Paul para dois concertos que, assim espera, venham a ser tão solenes quanto intensos. De resto, vem com o mesmo espírito com que tem tocado um pouco por toda a parte: levar música às pessoas, sejam paulistas ou australianas, fãs de jazz ou de hip hop. Levar — e trazer, neste caso — a música de Makaya McCraven.



Sei que estás a tocar pela Austrália. Como têm sido os concertos por aí?

Tem sido incrível. Tivemos três concertos muito bons aqui, e fizemos dois concertos fantásticos em São Paulo, a caminho daqui.

Passaste por um país particularmente rico em termos rítmicos. Tiveste oportunidade de conhecer alguns músicos locais?

Sim, tivemos um amigo nosso, o Flávio Silva, que passou algum tempo em Nova Iorque enquanto guitarrista, e ele mostrou-nos as redondezas e levou-nos a um club muito bom, apresentou-nos a alguns músicos e vimos uma banda muito boa a actuar na noite do meu aniversário. Foi uma experiência encantadora. Gostava mesmo de ter tido mais duas ou três noites lá, teria sido incrível.

Os públicos brasileiro e australiano são muito diferentes?

Absolutamente. São culturas muito diferentes, pessoas muito diferentes, em termos de receber música — e como fazem música. Mas, dito isto, uma das coisas boas deste tempo do mundo, e também da globalização da música, é que, quando tocas para pessoas que estão familiarizadas com a música, é a mesma coisa. Se vens ver a minha banda e reparas nas outras bandas que vão tocar no festival, há uma conexão que as pessoas têm globalmente à volta da música e da arte que nos liga. Então, mesmo que esteja num sítio com diferentes raízes e culturas, também há um fio condutor de que toda a gente está familiarizada com esta música, com o género maior, e entusiasmada com coisas semelhantes. Isso faz com que seja mesmo especial viajar e ver que, apesar das diferenças entre as pessoas e as culturas, há imensas semelhanças e ligações que transparecem apenas pelo facto de virmos ouvir a mesma música.

Por muito diferente que seja, a energia acaba por ser igual em cada concerto?

Um bocadinho, sim. Porque nós estamos a trazer a nossa energia e as pessoas vêm para sentir uma parte disso. E, apesar de ser diferente — porque não posso dizer que não é diferente —, há qualquer coisa pelo meio que… Estamos a fazer esta cena que fazemos, e posso fazê-lo em São Paulo, em Joanesburgo ou aqui. Posso falar das nuances que são diferentes…

Mas são detalhes.

São pequenos detalhes, mas há certas coisas que prevalecem, e que fazem sentir que estamos ligados através de alguma coisa.

E o que esperas do público português?

É a primeira vez para mim em Portugal. Mas estive aí com a minha mulher no início deste ano.

Em termos culturais, não só pela língua, devemos estar mais próximos dos brasileiros do que dos australianos.

Sim… [risos] Pela minha experiência até agora, o que eu espero é uma recepção calorosa e que as pessoas sintam o ritmo e dancem e tragam alguma energia de volta a nós.

As pessoas costumam dançar nos teus concertos? Sentem essa liberdade de se manifestarem e fazerem parte do próprio espectáculo?

Sim, e mais do que ser o país em que estamos a fazer diferença, também o tipo de sala influencia a experiência. Em Detroit tocámos no Detroit Symphony Center com lugares sentados, e as pessoas de Detroit são claramente expansivas, mas não era uma plateia que se ia levantar e dançar, por causa do espaço. E esse espaço permitiu-nos apresentar a música de uma forma que encaixasse com a sala, e isso torna-se único para nós: uma sala acústica, estarmos a tocar para pessoas que estão realmente a ouvir. Poderíamos dizer que o público de Detroit é mais enérgico do que o australiano, mas o último concerto que demos na Austrália foi numa sala com lugares em pé, que mais parecia um bar de rock, e isso também faz a diferença. Não significa apenas que estou neste país com estas pessoas. Por exemplo, fui ao México e tocámos em salas muito clássicas, então a música encaixa nesse tipo de plateias. Podes tocar num sítio onde esperas que toda a gente esteja em silêncio e aperaltada, mas se tocarmos num bar de rock, mesmo que não estejas num sítio que pareça ideal, vais ter na mesma pessoas que querem ter essa experiência. Por isso, o tipo de espectáculo que damos também vai ditar como nos apresentamos e como isso é percepcionado.

Com quem tens tocado ao vivo nos últimos tempos e com quem vens a Portugal tocar?

O meu quarteto neste momento é o Marquis Hill [no trompete], o Matt Gold na guitarra e o Junius Paul no contrabaixo.

E o que têm tocado? Novo reportório, muita improvisação, peças do teu último álbum?

Um pouco de tudo. Temos tocado algumas peças do último disco e algumas de outros discos que fiz. Provavelmente, tocaremos um bocado em improviso — estamos sempre a improvisar, mas poderá haver um espaço específico para uma improvisação maior. E estou a introduzir material novo para a banda tocar enquanto estamos na estrada. Por isso, é um pouco de tudo. Tens um cheirinho do último disco, mas também é uma oportunidade de continuarmos a trabalhar em música nova.

Em relação a esse material novo, quais são os teus próximos passos? Vamos ter um novo disco de Makaya McCraven no próximo ano?

Sim, estou a trabalhar nuns quantos projectos, espero que venham a sair no próximo ano — pelo menos um. Mas estou a trabalhar em algumas coisas, quer mais à base de sampling ou de produção mais propriamente dita; a compor algumas canções novas e também a fazer algumas sessões de estúdio — a trabalhar numa série de coisas ao mesmo tempo.

Esses novos lançamentos, em termos editoriais, estão previstos acontecer por onde? Novamente pela International Anthem, mais uma vez pela Blue Note…

Tenho várias opções em cima da mesa neste momento, e tenho uma boa relação com toda a gente com quem trabalhei nos últimos anos — e procuro mantê-las. Estou numa boa situação, que me permite trabalhar com várias editoras ao mesmo tempo, e toda a gente tem trabalhado bem em conjunto. Tem sido uma bênção e estou muito grato por isso.

Em relação à tua participação no álbum da Brandee Younger, editado pela Impulse, numa das faixas a tua percussão surge de braços dados com a programação do Pete Rock, uma lenda viva da cultura hip hop. Esse é um encontro bastante simbólico, sabendo que o hip hop também faz parte do teu ADN enquanto artista. Como é que isso aconteceu?

Isso foi incrível. Com o disco da Brandee, não só toco nele, mas ela convidou-me para produzir todo o disco. Eu produzi-o, e quando ela me disse que ia colaborar com gente como Pete Rock, 9th Wonder ou Meshell Ndegeocello, fiquei pasmado. Esses são os meus heróis. Nessa faixa, o Pete Rock não programou, foi mais o turntabling e o scratching e todo o sampling que ele estava a fazer. E na faixa com o 9th Wonder ele fez essa programação. Gravámos as pistas e enviámos-lhe, ele deu-lhes a volta, depois nós trabalhámos mais sobre isso e passei ao De’Sean Jones para fazer alguns arranjos de cordas. Para mim, poder fazer música com essa malta e fazer parte do que quer que seja com eles é algo com o qual nem sequer tinha sonhado quando era miúdo. É algo que eu só poderia sonhar a ouvir o Pete Rock, e nunca pensei que viria a ter a oportunidade de trabalhar com ele numa faixa assim. É uma honra poder dizer que produzi esse disco e estou muito grato à Brandee por me confiar o trabalho dela e permitir-me colaborar com estes músicos tão influentes.

Referiste que estás a trabalhar em algumas coisas relacionadas com a produção através do sampling. Algo perto do hip hop e com pessoas como o Pete Rock e o 9th Wonder?

Não necessariamente. É algo que ainda não pensei para o próximo disco, encontrar colaborações. É definitivamente uma inspiração o que a Brandee fez em reunir uma série de pessoas interessantes, então talvez isto esteja na mesa quando avançar.

Recordando a tua passagem por cá, vais ter oportunidade de conhecer, também, alguns músicos portugueses?

Não tenho assim tanto tempo, mas mesmo a estar apenas uns dias é possível cruzar-me com pessoas que se apresentam depois do concerto ou me são apresentadas. Neste momento só posso esperar por ter a oportunidade de conhecer alguma gente e de ouvir algo novo. Mas, quando estás em digressão, a maior parte do tempo é chegar ao sítio, preparar as coisas e tocar.

Cá em Portugal também se tem sentido cada vez mais um novo cruzamento entre o hip hop e o jazz. Que conselhos darias a jovens músicos portugueses que olham para artistas como tu enquanto referências de transversais aos géneros. O que podem fazer eles para elevar a fasquia daqui para a frente?

Quando falamos de géneros, há tradições profundas que mantêm a música e que a impedem de mudar. Mas, no fim de contas, especialmente na música contemporânea, quando falamos de hip hop, rock ou reggae, estas coisas apareceram quando, na verdade, não existiam antes. Então, não há necessariamente regras. E o meu conselho — e o que funcionou para mim — é que, quando comecei a pensar em todas as minhas influências e em tudo o que eu gostava realmente — em vez de as compartimentar, porque tenho paixões muito diferentes —, tentava não me prender em perceber se isso era hip hop, jazz, música tradicional… Queria apenas expressar algo que fosse, simplesmente, eu. Não tem de ser uma mistura entre jazz e hip hop. Aliás, quando penso em grande parte da minha música, não sinto que soe necessariamente a jazz ou hip hop. O facto de me associarem ao hip hop é porque eu uso sampling, mas para mim o sampling não é necessariamente hip hop — o hip hop popularizou o sampling. E a minha paixão pelo hip hop levou-me a explorar a produção mais electrónica que passei a usar para fazer música. Não me preocupo com o nome que se lhe dá. Esse não é o meu trabalho, isso é o que as pessoas que escrevem sobre música fazem. O meu trabalho é aprender o máximo possível sobre as formas de arte que eu adoro e criar algo que eu queira dizer. O Duke Ellington já dizia isso: ele não queria falar sobre fazer jazz; ele fazia a música do Duke Ellington. E eu estou a fazer a música do Makaya McCraven.


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