É um dos nomes que apareceram com mais destaque nos últimos anos no rap português. Embora não tenha lançado muitos temas, King Bigs marcou pela diferença com as suas colaborações certeiras e o seu estilo muito próprio. Dono de um carisma inegável, com um vocabulário distinto, ad-libs icónicos e um “toque ou outro” de dança, afirmou-se como um novo peso-pesado do gangsta rap nacional, fazendo malabarismos de palavras com o seu flow inconfundível por cima de beats de drill.
Este sábado, 13 de Janeiro, acontece um momento de consagração. King Bigs apresenta-se em nome próprio no Musicbox, em Lisboa, para apresentar as faixas que já lançou e para antecipar o seu álbum de estreia, Da Psiquiatria para Hollywood, que chega em breve.
Nascido em Portugal em 1988, cresceu no Monte da Caparica, no concelho de Almada. Em pequeno, tanto ouvia kizomba e kuduro que as tias passavam como Nirvana ou Silence 4. “Houve um Natal em que o meu tio me ofereceu o álbum dos Silence 4 e eu só ouvia esse disco”, recorda, em conversa telefónica com o Rimas e Batidas.
Por outro lado, a vivência num bairro da Margem Sul com uma grande presença da cultura hip hop aproximou-o do universo do rap. Cresceu com alguns dos pioneiros locais, como Mortex, dos Dominus Família. “Havia muitos concertos do Mortex em escolas em que ele me passava o mic para eu improvisar”, lembra. Bishop, dos Monte Kapta; ou L.O.P, “o primeiro bacano do Monte da Caparica a ter um álbum na FNAC”, foram outras referências da zona que acompanhou e que terão moldado indirectamente o seu percurso.
“Quando o rap do Monte da Caparica estava a bater, eu era criança mas estava presente. E paro com esses bacanos todos desde criança. Claro que o rap antigo do Monte da Caparica é a maior influência que tenho em mim, é a única cena que posso dizer que é uma influência. Mas, mesmo assim, o meu rap não tem nada a ver com o rap de antigamente do meu bairro.”
Além disso, o seu tio ouvia Boss AC, Tupac ou Bone Thugs-n-Harmony em casa. “Mas eu nem me interessava muito pelo rap na altura”, explica. “Ouvia, sabia, mas nunca fui muito do hip hop. Quando eu era criança havia pessoas do meu bairro que discutiam sobre o Pac e o Biggie, mas nem sabiam falar inglês. Eu, como também não percebia, não ouvia muito. O que eu ouvia muito era Michael Jackson. Quando era criança, era completamente obcecado pela música dele.”
King Bigs tem uma ligação familiar à música, ainda que não tenha sido uma influência directa para começar o seu próprio percurso, sublinha. O seu pai, Carlos Monteiro, é contrabaixista e baixista no circuito do jazz e do reggae nos Países Baixos. Dá aulas em conservatórios. King Bigs chegou a morar com o pai durante alguns anos na sua juventude. “Quando fui morar com ele, ele falava-me da música, de que os estúdios eram o futuro e que eu poderia ter tirado um curso de música… E eu tinha 13 ou 14 anos. Mas alguma vez eu haveria de fazer isso?”
Não muito tempo depois, porém, gravou a sua primeira faixa. “Fiz o meu primeiro som com o meu irmão King Shadd. Foi mesmo por desporto, não era a cena que eu queria seguir.” Depois, esteve muitos anos em Londres. Foi lá que conheceu Mota JR, com quem viria a colaborar de forma marcante mais tarde. Foi ainda em Portugal, em criança, que começou a ouvir Regula, mas nomes como Landim ou Allen Halloween apareceram no seu radar no tempo que passou na capital britânica.
“Londres também é a minha terra, vivi lá quase a minha vida toda. Moldou a pessoa que sou”, admite. “Musicalmente também. Em Portugal ouvia coisas diferentes, em Inglaterra comecei a ouvir muito mais música inglesa.”
Regressou a Portugal por volta de 2017. Como o próprio já admitiu, foi uma fase difícil da sua vida. Foi um “choque” regressar ao Monte da Caparica depois de tantos anos em Londres, com uma vida diferente e menos posses. Começou a sofrer de uma depressão e foi acompanhado por um psiquiatra — daí o título daquele que será o seu primeiro disco, Da Psiquiatria para Hollywood.
Foi em 2018 que lançou, de forma descomprometida, o single “Tipo de Vida”. “Sempre fui bom de rimas, sempre fui bom de improviso, mas fazer sons mesmo nunca foi muito a minha cena. Tinha preguiça. Mas houve um dia em que pensei: já não tenho escolha, já fiz tudo na vida, hoje vou fazer um som. E assim foi, experimentei. Achei que Portugal precisava de um rap como o meu, eu faço a música que eu gostava de ouvir.”
Embora fale um inglês perfeito, assumiu o português — ou o trabajo-o-abajo-guês, como descreve a sua forma particular de falar, aludindo ao nome da sua crew Trabajo o Abajo Gang — para rimar em beats de drill, o que também o diferenciou.
“Tipo de Vida” não era para ser, necessariamente, o início de uma carreira. “Só que o pessoal começou a dizer: Bigs, queremos outro som, queremos outro som, há pessoas a dizer que és fraco. O quê?! Então vou fazer outro som. E veio o ‘Como é que Tamos?!’, com o Mota JR.”
O segundo single que fez teve um enorme impacto, graças também à popularidade de Mota JR. Seguiram-se “Freestyle”, “Biggie Biggie Biggie”, “Juro Que Não Dá” (com Landim), “Respeita o Crime” (com os parceiros King Shadd e King David) e o respectivo remix, com participações de Nex Supremo, Lalas49 e Kosmo da Gun. Foi ainda convidado por Deedz B para entrar em “Acordei Numa Party”, com Rafa G; e partilhou com Regula o single “Momma”, do álbum Ouro Sobre Azul (2022).
Entretanto assinou pela Faded, foi convidado pela Bridgetown para actuar no último NOS Alive, foi um dos nomes mais requisitados no ano que passou para actuar nos eventos de listas de associações de estudantes, e foi conquistando um público cada vez mais alargado. Em Setembro, chegou “Gangstanismo”, o primeiro single do seu álbum, que tem estado a ser construído nos últimos meses.
“Eu nem estava com intenção de fazer álbum nenhum, sou um bocado preguiçoso na música. Odeio estar em estúdio, para ser sincero. Aquele processo não é muito a minha cena. Mas, como tem que ser feito, a gente vai fazer. E tenho uma beca de pressão, os bacanos do meu bairro estão-me a pedir um álbum, as pessoas dizem-me: está na altura de lançares um álbum para partires isto ao meio.”
Conta que já gravou faixas nos estúdios de Katana e Progvid, mas que praticamente todos os produtores que terão beats no seu disco serão nomes desconhecidos. “São pessoas, putos, que também estão a começar como eu. Uns têm 16, outros 17 anos, outros 19, uns com 21. Só que não são tão famosos. Mas começaram basicamente como eu e são super talentosos. E é com essas pessoas que eu gosto de trabalhar”, explica. “Só tenho um beat de uma pessoa conhecida, que é o Beatoven. Ele é forte. Teve de ser, aquele beat é especial. E será um feat muito crazy, ninguém vai estar à espera desse tipo de música.”
O álbum, explica, não se vai resumir ao drill de “Gangstanismo”. “Vai ter vários tipos de música. Não é só aquilo que as pessoas pensam que eu vou lançar. Tem um pouco de tudo. Tem r&b, hip hop, soul music. As pessoas vão realmente conhecer-me é no meu álbum, vão perceber aquilo de que realmente gosto. Não vai ser nas músicas que eu tenho lançado. Eu tenho lançado o que eu acho que se está a necessitar. Agora vou mostrar o verdadeiro Diego às pessoas. Vou buscar outros temas e vou-me abrir mais uma beca.”
O disco deverá ser lançado nos próximos meses, antes do Verão. King Bigs diz que está a cerca de 80%. “Se eu lançasse já, iria fazer muito barulho à mesma. Mas não quero. Prefiro fazer a cena como deve ser. Eu queria ver se lançava o álbum em Fevereiro, mas acho que esse álbum está um bocado quente para se lançar no frio. Tem de ser ali mais para a Primavera.”
Vai apresentar um novo tema a 21 de Janeiro, com direito a videoclipe, mas que também não fará parte do disco. “Porque é que vou lançar um álbum se os sons já saíram? Isso para mim não faz sentido. É algo que todos os artistas fazem há anos, mas para mim não faz sentido. No álbum só haverá músicas novas, menos o ‘Gangstanismo’.”
Conta que desde que fez “Biggie Biggie Biggie” que tem sempre gravado música de forma regular. “Fui sempre fazendo música, para ter duas ou três bombocas na cartola para lançar se for preciso.” Ainda assim, assume que é “raro” ir a estúdio. “Mas, cada vez que vou, meto três ou quatro refrões em três ou quatro beats. Levo a cena para casa, divido como quero, e quando estou em casa vou pensando em rimas na minha cabeça. Vou metendo de lado e de lado, e quando chego ao estúdio já tenho rimas atrás de rimas prontas para meter no som. E o resto, se não tiver, improviso ali na hora até encaixar algo”, explica sobre o processo criativo.
Enquanto o álbum está a ser feito, está também a preparar uma mixtape que deverá sair dentro de um ano. “Já tenho outras bombas danger, eu com os meus artistas, que não vão entrar no meu álbum mas Portugal tem que ouvir aquilo. Por isso é que já estou a pensar lançar um álbum e, passado um tempo, uma mixtape. Para eles verem a diferença entre um álbum e uma mixtape a sério. Um álbum com 10 sons e uma mixtape com 17, só bombas.”
Diz que também gravou um featuring que deverá ser lançado em breve, e que 2024 ficará marcado pelos lançamentos dos seus companheiros da Trabajo o Abajo Gang. “Eu acho mesmo que sou o mais fraco do meu grupo. Eles é que ainda não lançaram, mas vão começar a largar agora.”
Embora esteja na fase mais séria do seu percurso musical, não se compromete a ficar no rap. Afinal, em tempos já se descreveu como um “gangster com rimas”, pondo de lado o peso do termo “rapper”. “Quero ir para outras áreas, para outras praias”, diz. Talvez Hollywood? King Bigs tem demonstrado a sua apetência pelo storytelling nos seus videoclipes. “Tem um pouco a ver com a música, ela vai estar sempre envolvida. Mas nunca vou deixar as ruas sem algo do Bigs. Já que ganhei fãs, não os posso deixar assim. Acho que a música portuguesa já não se vai conseguir livrar do King Bigs.”