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Fotografia: Joanna Correia
Publicado a: 07/10/2023

Jazz de ADN assumidamente luso.

João Caetano: “Vai ser uma grande emoção, poder cantar em português no Ronnie Scott’s”

Fotografia: Joanna Correia
Publicado a: 07/10/2023

O Ronnie Scott’s, em Londres, é, talvez, o mais reverenciado clube de jazz na Europa e, certamente, um dos mais importantes palcos do género no mundo. Aberto desde 1959 recebeu e continua a receber todos os grandes nomes. Um que talvez não se esperasse ver por lá é o de João Caetano, percussionista educado em Macau e estabelecido há 16 anos em Londres. Parte dos Incognito de Jean Paul “Bluey” Maunick desde os 21 anos, Caetano já se apresentou com essa banda pioneira da cena acid jazz em todo o mundo, tendo feito múltiplas digressões e gravações com o grupo de que é membro oficial. Na noite de amanhã, 8 de Outubro, o músico que em Portugal tem pisado palcos com Slow J apresenta-se em nome próprio no Ronnie Scott’s, com um projecto em que cruza as suas valências jazz com uma original abordagem às raízes da música popular portuguesa e do fado.

O Rimas e Batidas aproveitou a oportunidade para uma breve conversa que permite conhecer João Caetano um pouco melhor. E se estiverem por Londres, amanhã, tentem não perder a oportunidade de o aplaudir de perto.



Explica-me lá o que é que se vai passar no Ronnie Scott’s. Falaste-me num espectáculo em nome próprio, não é?

Exacto. No fundo, e como tu sabes, eu tenho uma carreira a solo que ainda não tem muita expressão em Portugal. Eu estou sediado no Reino Unido há 16 anos. Mas tenho esta minha carreira a solo há sensivelmente 6 anos. Começou com um single e um EP, lançados em 2016, e já gerou um álbum, que saiu por volta de 2019. Esse álbum chama-se Rhythm & Fado e foi lançado pela AWAL. Conta com participações do João Barradas, do Robbie McIntosh (guitarrista do John Mayer), do Pedro Soares, do Giacomo Smith (clarinetista norte-americano com quem eu trabalho e que também estará presente no Ronnie Scott’s). No fundo, eu vou tocar ao Ronnie Scott’s pela primeira vez como headliner, porque eu já toquei lá num late show, mais à noite. Pela primeira vez vou lá tocar o meu álbum e toda a música que eu trabalhei com o Paulo Abreu de Lima.

Eu só não entendi uma coisa. Quando tu me falaste num espectáculo a solo, eu pensei que tu ias sozinho para palco. Mas afinal vais ter uma banda contigo, é isso?

Sim. No fundo, é o concerto que tu já viste em Portugal, no aniversário do Dino, só que com a minha banda inglesa. Como tu bem sabes, eu não consigo levar os músicos todos comigo…

Óbvio.

Mas é isso. Em palco vai estar a banda que normalmente me acompanha em Inglaterra e vou ainda ter um convidado especial, o guitarrista do John Mayer, Robbie McIntosh.

O Ronnie Scott’s é um sítio carregadíssimo de história e é mega-importante no mapa do jazz de Londres, de Inglaterra e até do mundo — é possível falarmos nas coisas nesses termos. Para ti, que importância é que tem poderes ver o teu nome no billboard do Ronnie Scott’s como sendo parte do programa de uma sala tão importante e tão histórica?

Eu toco no Ronnie Scott’s desde os 21 anos. Só que sempre integrado noutros projectos. A grande emoção para mim vai ser o eu poder cantar em português, o poder representar a minha cultura e tudo aquilo que eu tenho para oferecer como músico, porque eu sou um músico com DNA português a 100%. Embora toque percussão com outros projectos e esteja envolvido com vários projectos no mundo, a minha cena é mesmo a cena portuguesa — é o fado, o folclore português, a tradição portuguesa. É por isso que eu sinto um orgulho enorme, por saber que vou levar isso até ao Ronnie Scott’s. Isso mexe mesmo comigo. Eu já dei, com certeza, mais de 100 concertos no Ronnie Scott’s envolvido noutros projectos. Ir àquela sala é como voltar a casa, sabes? A sensação que eu tenho é a de que estou em casa.

Tive oportunidade de constatar isso…

Só que desta vez vou estar em casa e a mostrar às pessoas aquilo que eu faço. É como quando convidas os teus amigos para irem a tua casa e tocas as tuas músicas. É essa a sensação que eu sinto por ir lá fazer a minha cena a solo. Estou a preparar-me para poder mostrar também em Portugal aquilo que eu faço. Há artistas como o Dino, o Slow J e o Rui Veloso, que me estão a dar esse “apadrinhamento”, digamos assim.

Como é que tu achas que aquele público vai receber um repertório assim, tão diferente do que eles estão habituados?

É curioso, porque eu sinto que as pessoas sentem muito a cena da world music. A world music é uma cena sentida com muita profundidade em Inglaterra. A world music tem sempre muito público em Inglaterra, como tu sabes, até porque foste ver a Sara Correia à Union Chapel. Tu sabes que este é um público que recebe muito bem esse tipo de sonoridades. Sinto que eles gostam de algo exótico, de estar a ouvir uma coisa que é diferente daquilo a que eles estão habituados. Mas também te posso dizer uma coisa: o meu concerto tem muito de improvisação. O fado costuma ter uma sequência bastante rígida, as canções são sempre com um número determinado de tempo, e as minhas músicas acabam por ter uma flexibilidade grande, porque tocamos sempre com uma parte muito grande de improvisação.

O que me estás a querer dizer é que mesmo que a tua música tenha essa raiz do fado e do folclore português, ela vai ter sempre essa invenção que tu aprendeste nos domínios do jazz?

Exactamente.

Já tens definida a formação em termos de instrumentos? Tu vais estar nas percussões e na voz. Mas o que é que vais ter à tua volta?

O Kourosh Kanani vai tocar guitarra acústica — ele é um iraniano que toca gypsy jazz guitar. O Joe Sam vai ser o baixista e é quem me tem acompanhado desde o início em Inglaterra — em Portugal toco com o Pity, de Black Mamba. Na guitarra portuguesa o Rui Poço, de Portugal, que é quem está comigo no projecto do Slow J, em que estou como director musical. O Giacomo Smith, clarinetista, também entra no meu álbum. O Chicco Allotta é o pianista que está a tocar agora nos Incognito. E o Robbie McIntosh vai tocar slide guitar e aparece como convidado especial.

Muito bem. Apesar de estares sediado no Reino Unido há 16 anos, ultimamente tens reforçado as tuas ligações à cena musical em Portugal, certo?

É. E a cena que me dá uma honra enorme é o poder trabalhar com pessoas que eu admiro. No caso do Rui Veloso, ele é como um mago, tenho uma relação com ele como a que se tem com um “mestre supremo”. E poder contribuir para o trabalho desses artistas e eles também me poderem dar força e falarem comigo sobre as minhas coisas, torna isso numa partilha bastante especial. No caso do Dino foi fantástico, porque foi completamente espontâneo, em Londres, onde nos conhecemos. O caso do Rui Veloso também: num dia eu estava em Londres e ele ligou-me pelo WhatsApp; eu vejo a fotografia dele no meu telefone e foi quase uma sensação de out of body experience. Com o Slow J, fizemos 15 concertos, numa tour que acabou agora.

Tocaste com ele no Festival F?

Sim, sim. Eu estou como Director Musical do Slow J. E este trabalho que eu faço a solo… Depois do novo álbum do Slow J sair, eu acho o álbum que eu lancei em 2019 vai… Eu não quero estar a insuflar demais aquilo que eu faço, mas não sei como é que hei de dizer isto em palavras mais suaves, talvez tu o consigas fazer melhor. Sinto que este ano o meu álbum, que estava terminado desde 2017, vai…

O clima agora está melhor para que as pessoas o entendam?

É isso. Parece que ele saiu fora do tempo, estás a ver?

Tu tens uma perspectiva ultra-singular, porque és um português que vai de Macau para Londres e acaba por estar a olhar para a música portuguesa e para o que acontece dentro dela nestes últimos anos a partir de fora. Como é que tu sentes este evoluir da música portuguesa a partir de Londres?

É curioso. É como veres os barcos a atracarem na Índia. Eles já sabiam que a Índia era ali. E eu fui crescendo… Eu tenho essa perspectiva de fora, mas ao mesmo tempo também estou a crescer como adulto. Portanto, é aquela semi-frustração. Eu já estava preparado para vir para aqui há 6 anos, mas as coisas têm o seu tempo. Essa é uma lição que eu também tive de aprender — tudo acontece a seu tempo. O que eu sinto é que, antigamente, não era cool fazer-se uma coisa… Quando eu lancei o meu EP, aquilo não era cool, o estar a fazer uma cena com tradição portuguesa e com instrumentos tradicionais — estava tudo muito mais na base da electrónica. Parece que as coisas levaram um volte-face. Tu, como estás por dentro, se calhar sentes ainda mais isso. Eu observei mais, não senti tanto isso. Eu trabalho com o André Dias e o Ângelo Freire há muitos anos, e eles sabem que a minha direcção foi sempre essa desde o início.

Olha, e quanto ao teu novo EP, que eu até já te vi tocá-lo ao vivo? Tu já tens planos para lançar isso ou ainda não?

Sim. Eu espero poder lançá-lo muito em breve. Como tu sabes, as coisas precisam sempre de ter pessoas e uma estratégia por detrás. Eu ainda estou a encontrar as pessoas certas para poder embarcar nessa viagem. Desde já gostava de agradecer ao Rui Veloso, porque ele tem sido absolutamente fundamental neste processo. Também tenho de agradecer ao Slow J e ao Dino. Obviamente que o Rui Veloso é o Rui Veloso e não se pode pôr o Rui Veloso no mesmo pote de outras pessoas, porque ele está num patamar… Vou contar-te um aparte. Eu quando saí de Macau pensei: “O que eu quero mesmo é ser respeitado e estar a fazer música com os músicos.” É por isso que esse é o maior reconhecimento que eu posso ter, mais do que prémios ou seja lá o que for que eu venha a ter. Para mim, trabalhar com músicos ou com outras pessoas que fazem trabalhos que eu admiro é o maior reconhecimento possível.


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