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Fotografia: Fábio Gonçalves
Publicado a: 10/07/2023

Um autêntico jardim do Éden de que todos precisávamos.

Jardim de Verão na Gulbenkian: a Lisboa Criola como sonho e realidade

Fotografia: Fábio Gonçalves
Publicado a: 10/07/2023

Pelo segundo ano consecutivo, a Lisboa Criola ocupou os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian para uma celebração da música de artistas racializados e, muitas vezes, das periferias da (so)ci(e)dade. O Jardim de Verão, que terminou este domingo, 9 de Julho, tem vários efeitos. Por um lado, tem um papel de validar perante parte da sociedade a música e cultura destes artistas, sendo a Gulbenkian um espaço cultural tão importante, institucional e erudito em Portugal.

Por outro, o ciclo de performances e conversas cumpre o objectivo maior de concretizar a Nova Lisboa que Dino D’Santiago profetizou em 2018. Essa ideia de uma Lisboa misturada, vazia de tensões e em paz consigo mesmo pode ser utópica, mas todos os passos nessa direção são essenciais e têm de continuar a ser feitos. Nos jardins da fundação, pessoas de muitas origens, tons de pele, géneros, sotaques e contextos sociais dançaram lado a lado durante 9 dias, em profunda comunhão. 

Tal como diz o autor de Mundu Nôbu, que é o principal curador do evento, “só depende de nós sermos um pouco deste jardim por onde passarmos”, já que “continuamos a ser as mesmas pessoas lá fora”. Só por suscitar estes sentimentos e servir de exemplo àquilo que a sociedade deveria ser em todos os seus planos, o Jardim de Verão afigura-se facilmente como um dos eventos culturais mais importantes do ano. Religiosidade à parte, é um autêntico (e esperançoso) jardim do Éden de que todos precisávamos.

No último dia do ciclo, houve uma tremenda enchente para assistir às atuações que preencheram a Gulbenkian durante a tarde e o início da noite. Umafricana e Berlok, os DJ residentes desta edição, foram fulcrais para incitar ao espírito de celebração com sets bem-dispostos que passaram por muitas facetas da música negra. Aliás, todo o propósito do Jardim de Verão era esse: ouviu-se r&b mas também música tradicional cabo-verdiana ou guineense, rap e afrobeat, música popular brasileira ou afrohouse, jazz, soul, pop, kuduro e fado. Se é para misturar, que não faltem ingredientes saborosos no tacho.

Também houve concertos de Jota.pê e Aline Frazão, além do DJ set que encerrou as celebrações deste ano, daquele que é um dos mais importantes músicos e agitadores culturais lisboetas e que dá pelo nome de Marfox. Ele próprio também foi parte activa na curadoria deste ano do Jardim de Verão e tem-se vindo a afirmar como alguém cada vez mais essencial na democratização da música das periferias, programando artistas no Lux Frágil ou, claro, nas icónicas Noite Príncipe do Musicbox.

A multidão para assistir ao DJ set de Marfox um dos pioneiros da chamada batida de Lisboa, dos “sons do gueto” da capital portuguesa era tão vasta que mais de metade ficou à sua retaguarda, não havendo espaço diante do palco para acolher tamanha plateia. E que bom sinal. Kuduro, afrohouse, batida ou tarraxo à maneira de Marlon Silva, produtor sediado na Quinta do Mocho que possui uma enorme identidade e que anda, aos poucos, a preparar o seu próximo disco. 

No final, ao cair do pano, a música desvaneceu-se e o palco começou rapidamente a ser desmontado. Certamente, aguardamos pela terceira edição. Mais importante: o sentido de harmonia permaneceu para lá da música, enquanto milhares de pessoas continuaram a confraternizar descontraidamente. Como já se provou inúmeras vezes ao longo dos anos, a música pode ser uma ferramenta fundamental de transformação social. Oxalá que a “Nova Lisboa” seja cada vez mais um retrato real do país que temos. No mínimo, temos todos de nos continuar a esforçar para isso.


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