Saiu ontem 00:00, o curta-duração de apresentação de margô, que nas palavras dar artista: “conta a história dos falhanços que me trazem aqui hoje”.
Essa história começa em Chaves, passa pela Suíça e desenvolve-se agora em Leiria. Foi na localidade que “não existe” que Margarida Martins fez nascer o projecto a solo margô, em 2020, já após as primeiras experiências na música que a levaram a participar no concurso televisivo The Voice Portugal ou a integrar a banda Malaboos.
Apontando a influências que vão desde Rui Veloso e Cesária Évora às Spice Girls, uniu esforços com os produtores St. James Park e Pedro Carvalho para a concepção das 6 faixas que compõem o seu primeiro EP, que adiciona uma nova página à saga musical que funde estética pop com balanços da electrónica tão em voga nos dias que correm.
Antes de mergulhar numa série de comentários às suas canções para o Rimas e Batidas, margô deixou ainda algumas notas sobre o curta-duração como um todo:
“00:00 é um EP feito de desabafos muito meus. Foi uma forma de processar coisas que sinto, exteriorizá-las e aliviá-las. Há quem o descreva como electropop melancólico dançável e apesar de não achar que cabem categorias na música que existe hoje, aceito essa descrição. Este EP começou a nascer ao mesmo tempo que comecei a fugir do piano e da guitarra e fui explorar para o computador. Apesar do processo da letra e melodia ser sempre um elemento primário no processo de criação, veio muito acompanhado de harmonias, samples de voz, e outros elementos mais eletrónicos que não tinha encontrado quando compunha só com um instrumentos. Abriu muitas portas à criatividade e foi um processo de exploração que pretendo continuar. Durante o processo contei com muita ajuda do Pedro Carvalho na parte de produção, para conseguir concretizar melhor muito daquilo que eu não sabia como fazer, e depois com o St. James Park para lhe dar a vida final em que se apresenta hoje. O mix e master ficou nas mãos do Birou.”
[“depois”]
A “depois” surge cedo no processo de criação deste EP, numa altura em que estava a explorar mais as possibilidades do Ableton na criação. Como não sabia muito bem o que estava a fazer, acabei por ir ao que me era mais fácil: voz — em forma de harmonias e samples.
A música fala da pressão do futuro, de viver o presente no “depois”, das decisões que tomamos individualmente e em conjunto e do efeito que isso tem. A ansiedade é um tema constante neste EP, é um demónio com o qual batalho imenso, e a repetição nesta música traduz um pouco esse questionamento constante, o receio e a dúvida.
[“agora vai”]
Esta música foi a única a ainda nascer no piano, viveu uma primeira espécie de versão em 2020 com o Eduardo Moreira e Carlos Sanches, e depois ficou guardada até eu decidir realmente lançar música e aí ganhou uma nova roupagem.
Esta é a minha única música sobre amor (não de amor). É sobre o início de uma relação em que me debato com a minha perda de independência e individualidade. O amor tem tanto de incerto como de bonito, e como ainda não sei falar de amor e ser lamechas decidi prender-me às ansiedades, para não variar. Tomar decisões para um benefício comum numa altura em que estava a “aprender a andar” foi um desafio que acabei por desabafar aqui de uma forma leve.
[“lençol”]
“lençol” fala sobre a minha relação tóxica comigo mesma e sobre como me tratei quando não gostava muito de mim. É sobre os hábitos que fui ganhando numa fase em que me estava a aprender e a tentar perceber quem era. Entrar num ciclo de saídas e ressacas nunca é saudável, é fácil justificá-lo como diversão e juventude, mas a verdade é que nos tratamos como achamos que merecemos.
Esta música foi a mais difícil de terminar, foi salva numa primeira vez pelo Pedro Carvalho, que criou o break do fim da música quando eu já não sabia mais o que fazer com ela, e depois pelo St. James Park, que eu torturei para encontrar o sweet spot dela dentro desta estrutura meia caótica.
[“besoin de toi”]
Esta música é a wild card do EP. Foi a última a nascer e veio preencher um espaço que eu estava a tentar preencher. Em português não estava a sair, então fui para o francês que desbloqueou qualquer coisa que me permitiu ir para uma sonoridade diferente e abordar um tema que em português me fragilizava. Dizem que temos personalidades diferentes em línguas diferentes e, neste caso, foi exatamente isso que aconteceu.
Esta música é a minha break up song, o meu adeus a uma relação tóxica numa perspetiva segura, confiante, superior e sem medo. Aborda temas como gaslighting, consentimento dentro de uma relação, mas não de forma pesada. Queria que fosse uma espécie de celebração atual e não o carregar de uma dor passada.
[“eu sei lá”]
Este desabafo é super cru, simples. Não tem metáforas nem poesia. É quase falado. Quem a ouvir saberá exatamente o que é. É um desabafo meu que poderia ser de muitas pessoas. Acho que a pressão de termos de saber quem somos e o que queremos ser é universal e esta música é sobre isso mesmo.
A produção do St. James Park elevou-a estupidamente. Começou como um interlúdio super simples mas ele deu-lhe uma nova vida e tornou-a menos dark, por um lado, e mais powerful, por outro.
[“(não) quero ir”]
Esta é a música perfeita para terminar este EP. É a minha ansiedade numa música (tema recorrente neste EP), o meu medo, o meu síndrome de impostora. As vozinhas más na minha cabeça que não me deixam “ir”. Começou por ser triste, quis que fosse terapêutica, e então depois de toda a parte dolorosa da música voltei a brincar com os samples de voz e quis que a música seguisse um caminho mais eletrónico, e com a ajuda do Pedro e do St. James acho que concretizámos a 100% isto. Fecha este EP na esperança de que “querer ir” é por vezes complicado, mas sempre possível. Recorro muito a ela, é uma espécie de terapia para mim. Não sei como as outras pessoas a ouvem, mas para mim deixou há muito de ser triste — pode ser nostálgica, pode ser motivadora, pode ser muitas coisas. Acima de tudo, deixa-me feliz e entusiasmada por tudo o que ainda está por vir se eu parar de me auto-sabotar.