LP / CD / Digital

DoomCannon

Renaissance

Brownswood Recordings / 2022

Texto de Rui Eduardo Paes

Publicado a: 24/08/2022

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Por esta altura já verificámos que o jazz negro britânico constitui toda uma categoria à parte, apesar das ligações óbvias com o novo jazz norte-americano. As bases estão no jazz eléctrico dos anos 1960 e 70, com as suas importações do funk e do rock, e em tudo o que se lhe seguiu fosse por via de Miles Davis e Pat Metheny como pelas inovações do bloco M-Base, alargando-se ao hip-hop e à club music (chill-out incluído), mas também a construções mais complexas inspiradas pelo experimentalismo electroacústico e pela música contemporânea. 

Neste disco de estreia de DoomCannon, depois de anos a fazer-se notado nos palcos, está exemplarmente representada a singularidade desta frente criativa: a música é meticulosamente orquestrada, dando-se especial importância à harmonia, e incide muito na criação de atmosferas, regra geral de cariz cinematográfico, apelando ao ecrã imaginativo que temos entre os ouvidos.

Este jazz vindo das ilhas lá mais acima ganhou, definitivamente, um óptimo representante em DoomCannon, e em particular na forma como reconcilia acessibilidade com aventura: Renaissance soa a pop-jazz, mas com a flexibilidade que herdou do free jazz e das vanguardas que foram surgindo nesta área. Nesse sentido, trata-se, de facto, de um renascimento. É como se toda a história do jazz (os arranjos de cordas remetem-nos inevitavelmente para a fórmula Charlie Parker With Strings) se tornasse, por reconfiguração, no futuro deste género musical. Só que acontecendo no presente, que é onde, no espaço-tempo, o passado e o que está por vir – assim vindo nos entretantos – se mesclam. 

A composição, os arranjos e a produção de estúdio são essenciais para a caracterização das interacções instrumentais, mas o factor improvisação está bem presente, sobretudo nas contribuições de Kaidi Akinnibi nos saxofones tenor e soprano e Elias Atkinson no fliscorne. Multi-instrumentista para além de compositor, DoomCannon coloca-se ao serviço do todo interpretativo e das suas partituras, em piano, sintetizador, Wurlitzer e voz – é simultaneamente arquitecto e pedreiro, transformando conceito em práxis.

E atenção, este é um disco com mensagem, inspirado no movimento Black Lives Matter e aplicando esse activismo nas críticas às injustiças sistémicas do Reino Unido (começando pelo racismo existente no país) que ouvimos nas suas intervenções faladas. É um disco motivador, que não apenas reflexivo. Um disco que exige mudança, que critica. Um excelente disco em todos os sentidos.


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