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Fotografia: Ricardo Almeida
Publicado a: 13/10/2023

A face do desconforto.

Claire Rousay na ZDB: nem sempre o entendimento do “eu” é diálogo

Fotografia: Ricardo Almeida
Publicado a: 13/10/2023

Claire Rousay. Nome que tem assumido, pelo menos no último ano, uma relevância nas franjas da electrónica mais autoral. Um cunho marcadamente autobiográfico. O seu registo diarístico, a gravação de diálogos pessoais e/ou gravados durante os concertos em conversas que vai estabelecendo com os espectadores conferem, simultaneamente, uma proximidade com quem a ouve, via um diálogo provocado e incentivado, mas sobretudo por abordarem temas que, sendo claramente individuais, são partilhados entre e por todos, conferindo por vezes um certo tom de desencantamento melancólico.

O primeiro contacto com a artista originária de Santo António (Texas), agora residente em Los Angeles, deu-se na edição do ano passado do OUT.FEST. No auditório da Biblioteca Municipal do Barreiro, sempre em tom intimista, sussurrante, mas em certo modo desafiante, quando interpelava, embora timidamente, o público com o telemóvel. Unanimemente um dos concertos a reter da 18ª edição. Na resseca da edição deste ano do festival do Barreiro, Rousay apresentou-se, no passado dia 10 de Outubro, na ZDB. Luzes ténues, uma figura que se deixa antever. Computador e dispositivos electrónicos. Acrescentou, desta vez, guitarra e voz. Vozes de diferentes proveniências, pré-gravadas ou ditas pela própria, convergem para um campo fechado, para a singularidade do “eu” e respectivas inquietações.

Ao longo de pouco mais de 30 minutos de concerto, assiste-se a deambulações entre estes quatro eixos: voz processada, dedilhar ténue da guitarra, electrónica e vozes pré-gravadas. Acrescenta uma quinta dimensão — o diálogo com a audiência. Como a própria teve oportunidade de referir, tem dificuldade em entender os concertos de música experimental, alguma objeção em relação à auto-categorização, sem interacção com quem a escuta. Dá o direito a três perguntas, nas quais ficamos a saber da dificuldade em escolher entre as botas Doc Martens e os sneakers e que, embora não deteste e lhe reconheça qualidade musical, um dos piores concertos a que assistiu nos últimos tempos foi o de Eartheater — simpatizamos com a eleição. O que poderia ter sido um momento de partilha estimulante, conferindo não só o tom de novidade, mas igualmente uma discussão em torno de temas comuns, assemelhou-se a uma conversa entre ex-namorados em que nada há a dizer. Cada justificação ou hipotético pedido de desculpas assemelha-se a maquilhagem desbotada, a humor de interlúdio. É com desconforto que se sai do portão da Rua da Barroca. O que o ano passado nos marcou pela alegre displicência, uma intromissão desejada, nesta noite, nem sombra se vislumbrou, nem silêncio se guardou.

Antes o Haydn Douet Lukies, percussionista inglês “adoptado” por Lisboa. Explora os diferentes sons provenientes de dois vasos de metal. Somente as mãos como “instrumento” percussivo, sem uso de electrónica ou outro artifício que lhe complementem o som. Concerto curto, em que mostrou o aprofundamento do seu trabalho de matriz exploratória.


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