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Fotografia: Bruna Sussekind
Publicado a: 29/08/2023

Experiente e versátil, sempre dentro dos moldes da cultura.

BK: “Minha mãe me criou e meu pai foi o rap”

Fotografia: Bruna Sussekind
Publicado a: 29/08/2023

Conhecido como BK, Abebe Bikila é um daqueles MCs que você ouve e sabe que está testemunhando a história acontecer, tal qual como quem ouvia Racionais MC’s nos anos 90. Não sou só eu a dizer: o próprio KL Jay teceu elogios ao trabalho do artista carioca em uma entrevista à Folha de S. Paulo, na última semana. Em uma fala sobre o quanto o rap tem se perdido de sua essência devido à falta de versatilidade de alguns MCs (e o excesso de autotune, dentre outras críticas válidas), ele afirma: “Se você ouvir o BK, é diferente dos demais”.

Nascido e criado no bairro do Catete, Zona Sul do Rio de Janeiro, o cantor é referência para uma parcela significativa de artistas do rap nacional, que hoje anda por caminhos que o próprio BK vem trilhando na música e na cultura do país há quase 10 anos. O rapper surgiu como um dos talentos mais promissores e autênticos e se destaca não somente pela lírica refinada, mas também pela capacidade de expressar as complexidades da vida urbana e das experiências afro-brasileiras.

O álbum de estreia de BK, Castelos e Ruínas (2016), é considerado por muitos um clássico contemporâneo. O disco incorpora referências a outros artistas, como a capa inspirada em Travessia (1967), de Milton Nascimento, e continua sendo uma referência quando se discute a evolução e a importância do rap brasileiro.

Desde então, BK lançou o álbum Gigantes (2018), igualmente aclamado e de mesmo nome do atual selo do artista, o álbum O Líder Em Movimento (2020), o EP Cidade do Pecado (2021) e o álbum ICARUS (2022), no qual o artista traça uma analogia entre o mito de Ícaro e sua própria carreira. Além da excelência musical, o projeto ICARUS foi também apresentado no Museu de Arte do Rio (MAR) através de uma obra de arte meticulosa pintada por Nikolas Demurtas, que reinterpretou a icônica cena de O Voo de Ícaro de Jacob Peter Gowy (1636 – 1638).

Com o sucesso da turnê do álbum ICARUS, chegou o momento para BK elevar sua trajetória e levar os espetáculos para além das fronteiras brasileiras. Depois de amanhã, dia 31 de agosto, o rapper se apresenta no MEO Kalorama, que acontecerá no Parque da Bela Vista, 4 anos após sua primeira vinda a Portugal. Também estão planejados concertos em Coimbra (1 de setembro, no Salão Brazil) e Porto (2 de setembro, no M.Ou.Co), mas também Madrid, Paris, Dublin e Londres.

Em entrevista ao Rimas e Batidas, o artista fala sobre os novos voos que alçou dentro do hip hop com ICARUS, relembra a carreira, conta os planos e reflete sobre seu amadurecimento na música e dentro do hip hop como um todo.



Não tenho como começar perguntando sobre outra coisa que não seja a releitura de Mun Rá, um clássico do Sabotage que você e o Rincón Sapiência recriaram e lançaram no início deste mês. Como foi o processo de construção desse trabalho?

Eu acho que foi um dos trabalhos mais difíceis de fazer dos últimos tempos porque é isso, é um clássico. Eu tô ligado que você encostar num clássico, mexer num clássico, requer muita responsabilidade e o primeiro pensamento que eu tive, até conversei muito com o pessoal, é que… nossa… [risos], é um rolê difícil de fazer porque é um clássico. Como é que o pessoal vai entender a gente encostar nesse clássico? Mas aí já comecei a pensar de outra forma também, que era uma forma de homenagear e manter viva a memória do mano, manter o trabalho dele vivo. Muitas vezes a galera escuta esse remix que a gente fez e volta acessar o trabalho do mano, é mais do que entregar música em si, é entregar uma homenagem, continuar mantendo viva a história e as músicas do Sabotage.

Um som como esse, feito com esse nível de qualidade, é uma forma muito fiel e respeitosa de levar o legado do Sabota para o público mais novo. Como você vê isso?

Fato, fato! É isso! Até o meu público mais novo eu acho que já conhece o Sabotage, por mais que agora tenha uma galera muito nova mesmo, mas eu acho que de certa forma elas acabam chegando nesse trabalho e é isso, a gente tá ajudando essa galera mais nova a acessar esse trabalho, dando um caminho para a galera redescobrir o trabalho do Sabotage. No final, o trabalho conta muito mais como uma homenagem e não uma releitura, não é só um remix, é trazer novamente a história do mano, trazer a discografia e as músicas de novo para a galera. É o que importa.

Em um dos versos desse remix você diz que “ainda leva o hip hop a sério”. Em outras ocasiões, você também disse que o rap realmente salvou sua vida. Como você vê o seu amadurecimento dentro da cultura? O que ela mudou na sua vida?

Cara, eu sempre falo: minha mãe me criou e meu pai foi o rap. Meu pai foi a cultura hip hop. Esse rolê de ser um homem preto e saber como você vai ser um homem preto na sociedade, como você vai se virar, os perigos de ser um homem preto no Rio de Janeiro e tal. Aqui no Brasil a cultura hip hop me ajudou muito a me entender, me ajudou muito no lance da autoestima, eu acho que o hip hop tem um trabalho muito grande na autoestima do povo preto, pelo menos pra mim, né? [Risos] Eu acho que se não fosse o hip hop eu não iria me enxergar da forma que eu me enxergo. Minha criação foi isso: minha mãe e o rap. Isso aí vem de vários artistas e várias histórias, aqui no Brasil, por exemplo, Racionais, várias referências norte-americanas que a gente tem também. Quando a gente era criança a gente não tinha referências dos exemplos assim na TV. Era anos 90 e a gente sabe o que era o povo preto na TV, como eles eram tratados… A referência que eu tive foi a cultura hip hop. Sabe, aquilo de “você pode ser o que você quiser, você pode fazer o que quiser, pode criar o que você quiser”? Quem trouxe isso pra mim foi o hip hop e na minha música eu sempre tento inspirar outras pessoas e devolver o que a cultura hip hop me deu.

Sua forma de escrever sempre muda de álbum para álbum. O BK do Nectar Gang, por exemplo, é bem diferente do BK de ICARUS. Os dois ainda coexistem? Como essa mudança foi acontecendo?

Eles estão coexistindo sim! Estão mesmo! [Risos] E o BK do Nectar vai aparecer um pouquinho, eu vou soltar umas coisas aí em Setembro que vão lembrar esse BK mais sujo aí. É isso! A gente não pensa só de uma forma, a gente não vive só de uma forma e eu gosto de passar isso nas minhas músicas. Tem momento que eu tenho que pensar que minha forma de ver a vida é tal, depois é outra… e eu gosto de mostrar essas transformações, esses meus momentos nos álbuns, tá ligado? BK não é só o BK do “Sigo na Sombra”, não é só o BK do Castelos e Ruínas, não é só o BK de ICARUS. Eu acho que mostro um pouco do que eu sou em cada trabalho, mostro minha arte em cada trabalho, mostro minhas referências em cada trabalho. É isso que eu acho importante. Ter esse cuidado de realmente querer mostrar momentos. A galera sabe que o BK de ICARUS rimava de uma forma e o BK do Nectar de outra forma. E agora vai vir um pouco do BK relembrando aí a época do Nectar, vai vir uma sujeirinha por aí… [risos]

Quando?

A gente quer lançar a mixtape do selo Gigantes. Agora, depois do lançamento de ICARUS, eu vou começar a trabalhar realmente o selo, até pra uma coisa não atropelar a outra. Vamos ter artistas novos que a gente vai trazer, mas eu só vou poder anunciar quando estiver chegando [risos]. Os caras tão cheio de problema com contrato e não sei o quê lá, então eu só posso anunciar quando estiver tudo pronto. Vai ter o Jonas (rapper e produtor, também do selo Gigantes) rimando…

Olha, que ótimo saber disso!

É, tá muito maneiro! A gente vai lançar bastante faixa e tá pra sair em setembro ou outubro. Tem muita coisa ainda de ICARUS pra sair, a gente ainda está no processo de trabalhar ele ainda, então eu não gosto de ir atropelando as coisas. Final de setembro ou começo de outubro tá chegando aí a mixtape do selo.



Eu imagino que, quando você lançou ICARUS, você tinha uma expectativa, certo? E agora, quase um ano depois, você ainda está colhendo os frutos. As expectativas mudaram? Foram alcançadas? O que mudou de lá pra cá?

Minhas expectativas estão sendo alcançadas, sim. ICARUS já é o meu segundo trabalho mais importante até agora, em questão de show, em questão de tudo… mas é um processo que já estamos trabalhando desde antes do O Líder em Movimento. Eu lembro que eu sempre conversei isso com o Jonas, eu falei “Jonas, a gente vai fazer esse álbum aqui e depois a gente vai fazer esse tipo de álbum”. É algo que a gente vem construindo de 2019 pra cá para ter esses resultados de ICARUS, um disco que… como eu posso falar? Talvez ele seja mais fácil de ouvir do que os outros, mas não deixa de ter a mensagem e as técnicas e não deixa de ser um álbum de rap mesmo ele sendo um pouco mais fácil, tá ligado?

Acho que ele é mais maduro, assertivo…

Sim, exatamente, é isso! Ele é mais certeiro. Quando a gente tava fazendo O Líder em Movimento eu falei “Jonas, a gente vai fazer esse álbum, depois a gente vai chegar até lá e fazer esse álbum”. Ia ser Cidade do Pecado, mas eu achei que estava faltando alguma coisa, então a gente libera aqui 5 ou 6 faixas e vamos focar no álbum também. Esse processo do trabalho, da pesquisa, é a parte mais maneira de fazer um álbum, a pesquisa, o estudo… é igual o que o D2 sempre fala e eu gosto desse papo dele, de que é a procura da batida perfeita. A procura é mais importante do que você realmente achar a batida perfeita. A procura é onde você vai testando, estudando e fazendo outras coisas. De certa forma essa é a parte mais legal.

Como você vê seu crescimento artístico de Castelos e Ruínas até ICARUS?

Eu acho que a gente amadureceu bastante, não só na forma de fazer música, mas na forma de olhar pra esse jogo, esse jogo do rap, essa cena nova, entender o que é esse lugar, o que a gente representa e ser certeiro nisso. A gente conseguiu ter uma visão boa da cena. O artista tem que se entender, tem que ter estratégias e tem que pensar a longo prazo. A gente não se prendeu no hype de Castelos e Ruínas, por exemplo, de tentar replicar vários Castelos e Ruínas durante o nosso percurso. A gente falou: vamos fazer os nossos projetos. Graças a Deus a gente tem uma base de fãs muito grande, que realmente mergulha nos meus projetos e estão sempre aí para compreender e estudar o que eu estou fazendo. Inclusive, o ICARUS foi um álbum que foi muito pensado para os fãs, porque a gente sempre entrega o que a gente quer e o fã que se vire pra entender [risos]. Mas no ICARUS rolou um estudo nosso para saber o que o fã quer ouvir do BK e o que eu quero entregar, foi 50/50, o que eu quero fazer e o que eles querem ouvir. Isso vem totalmente do amadurecimento, porque se você fosse falar isso comigo há dois ou três anos atrás eu ia dizer “eu vou fazer o que eu quiser e é isso, quem gostar gostou” [risos]. A gente já estava pronto pra fazer esse estudo, entender o que o fã quer, o que reverbera mais de cada trabalho… A gente revisitou o BK do Nectar, a gente vai estudando tudo para poder trazer algo novo para a galera. Tem muita gente que já me conhecia, mas ICARUS prendeu mais e trouxe essa galera pra entender o restante do rolê, sabe? Isso tudo faz parte do crescimento, do amadurecimento. Se a gente não estivesse no quarto álbum a gente não teria essa inteligência de poder pensar isso, tirar isso do papel e realmente fazer isso virar um trabalho. ICARUS foi o álbum que a gente conseguiu o disco de ouro mais rápido, todos os outros trabalhos demoraram mais de um ano, mas ICARUS não tem nenhum ano e a gente já conseguiu. Todos os shows tiveram sold out até agora. A gente vê o resultado dele na rua, estamos colhendo isso na prática e vivendo um momento muito bom que nos outros álbuns levaram mais tempo, sabe?

Sim, acredito que o show é um medidor até mais importante pra você do que os números, não é?

Claro! Os números são legais porque a gente vive num mundo agora dominado pelo hype, então claro que os números importam, é legal a gente ter atingido o disco de ouro em menos de um ano, porque foi a primeira vez que isso aconteceu, mas e na hora da entrega, na hora que tá no palco? A gente faz o show de ICARUS e traz os melhores momentos de cada álbum, revisita as faixas de Castelos e Ruínas, vai no Gigantes, vai no O Líder Em Movimento e consegue entregar um show com 32 tracks. A gente quer que a pessoa vá no show e saia pensando “esse é o melhor show do BK que eu já vi na vida!”.

E como você está conseguindo equilibrar sua essência, sua identidade, com essa nova expectativa?

O que a gente sempre prezou nesses anos foi a entrega, sabe? Fazer um show maneiro, fazer um disco bem feito, entende? A gente sempre pensa nos mínimos detalhes do disco pra que ele tenha uma boa entrega, é isso, os álbuns sempre ganham destaque também pelo design, ganhar prêmios… a gente ganhou no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions agora com o design de ICARUS. Eu acho que tudo isso importa na hora de você entregar um trabalho, não só focar nos números, os mínimos detalhes têm que ser bem feitos também. Nesse mundo de números a galera também quer consumir algo bom. Os “dinheiristas”, né, porque eu gosto de falar que tem artista e “dinheirista” [risos], eles acham que as pessoas vão consumir qualquer coisa sempre, eles acham que o povão não tem bom gosto, acham que vão ficar entregando, entregando, entregando e as pessoas vão consumir tudo, tá ligado? As pessoas gostam de consumir coisas boas e é nesse momento que o nosso trabalho está, nesse lugar que a gente está. A gente entrega coisas boas para os nossos fãs e nossos fãs, trazem outros novos fãs… então é isso, é realmente levar a arte a sério. Não estou dizendo que os caras que fazem muitos números não levam o trabalho a sério, tem vários moleques com números excelentes que tem um trabalho excelente, como o KayBlack, por exemplo, ele tem um trabalho maneiro e rima muito. Mas isso aí já vem de outra escola, a gente já estava aqui em 2015, já tem quase 10 anos, o público é outro, a galera é outra, é outro universo.

Em 2019 você fez seu primeiro show aqui em Lisboa numa tour junto do Sain, cento? Como estão as expectativas para os próximos shows aqui, em Portugal?

Sim! Tem muito tempo que eu não vou para aí [risos]. Eu estou pensando em montar dois shows diferentes, um para o MEO Kalorama e outro para o Porto, porque festival é isso, é uma outra galera, tem muito mais gente, então eu quero mostrar várias coisas da sonoridade que está rolando aqui, quero levar bastante do EP Cidade do Pecado, que tem muito mais funk, é mais a nossa cara, então eu quero levar para o Kalorama. Mas Porto já vai ser mais BK mesmo, entende? [Risos] Porque no Porto a gente vai ter mais tempo, festival a gente sempre tem o tempo reduzido, vai ser muito maneiro óbvio, mas não tenho 2 horas de show pra fazer [risos]. É uma chance de trazer mais pessoas para conhecer o meu trabalho, então sempre que não é festival de rap eu vou com esse pensamento, tipo: “Galera, eu tenho isso aqui, isso aqui e isso aqui. Você pode procurar lá e ver o que você mais gosta, se aventurar…” [Risos]


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