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Fotografia: Carlos Gonzalez
Publicado a: 24/11/2023

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Ralphie Choo

Fotografia: Carlos Gonzalez
Publicado a: 24/11/2023

Quando acabamos de ouvir SUPERNOVA, o álbum de estreia de Ralphie Choo, a mente divaga sobre a dispersa oferta sonora que o artista espanhol apresenta. É difícil descrever este projecto díspar que tão depressa traz as lágrimas aos olhos como nos atira a suar para o centro de um moche. A cabeça anda à roda à procura de uma coordenada fixa para afugentar as tonturas. Esse ponto é o claro talento do músico nascido Juan Casado Fisac.

Numa outra vida, Choo foi estudante de engenharia química. Foi a mãe que o encorajou a seguir música, mas há resquícios desse espólio passado na sua actual aspiração musical. O seu trabalho é hiperactivo, desafia o ouvinte a acompanhar as diferentes sonoridades que o informam, junta elementos diferentes de géneros como o r&b, trap, reggaeton e flamenco para gerar algo novo. As suas influências são nomes como Frank Ocean, Tyler, The Creator, Yung Lean ou ROSALÍA e, no espectro oposto, grandes nomes da composição musical como Bernard Herrmann (conhecido pelas suas colaborações com Alfred Hitchcock) e Lalo Schifrin, que trabalhou com Clint Eastwood na saga Dirty Harry. Tudo isto converge na mente de Fisac, que o mostra ao mundo através de uma açucarada e multifacetada experimentação.

Em 2019, apresenta-se ao mundo através de “Town Boyz”. Este singelo tema lembra o solarengo slacker rock de Mac DeMarco ou Mild High Club adaptado a um ligeiro bedroom pop. Discursa em inglês sobre devaneios adolescentes com uma inocência e leveza típica desta fase da vida, e a partir daqui estava dado o mote para a sua discografia. A sua música nunca perdeu a leveza mas foi-se tornando progressivamente mais ambiciosa. Em 2020, lança “Dolores” em colaboração com rusowsky, membro do colectivo madrilense RUSIA IDK da qual Choo também faz parte, e mostra uma abordagem moderna e dançável às maleitas intemporais de um coração ansioso. No mesmo ano, vai mais longe com “lamento de una supernova”, a primeira grande prova da sua qualidade. Neste tema, combina elementos de flamenco com um r&b etéreo, divagações engolfadas em auto-tune sobre os lamentos de uma estrela desolada em explosão final. As letras não são particularmente profundas, por vezes repetem-se na mesma música e funcionam mais como melodia do que como poesia da alma. Mas é uma combinação que resulta bem na música deste artista.



Dois anos depois, “BULERÍAS DE UN CABALLO MALO” é o estrondo definitivo de Ralphie Choo no panorama musical. A batida fragmentada faz lembrar um martelo pneumático cravejado com diamantes e traz à mente Bon Iver e Jai Paul. Alterando entre o inglês e o espanhol, o autor guia-nos por um universo que responde ao caos sonoro com melodias quase sussuradas. A música ouviu-se por esse mundo fora e com especial interesse nos escritórios de editoras como a 4AD, True Panther e Warner Records. 2 minutos e 51 segundos depois, Ralphie Choo assinou com essa última gigante da indústria discográfica.

2023 trouxe consigo o primeiro longa-duração de Choo, SUPERNOVA. “JUAN SALVADOR GAVIOTA” é talvez a música mais bem estruturada do projecto e abre o álbum com grande opulência e um encanto que não deixa ninguém indiferente. É uma ode aos instrumentais perfumados de Tyler, The Creator, mas a sua constante vontade em desafiar separa-a do trabalho do rapper norte-americano. Há um desdém perante o convencional, a zona de conforto de Ralphie Choo é aquela em que nunca quer estar. “NHF” mostra-o vulnerável e escondido atrás de efeitos. É uma música que começa etérea e desagua num ritmo acelerado quando nada o previa. “WHIPCREAM” traz o trap para a mesa com a ajuda do duo Paris Texas, fugindo dos trunfos do costume através de uma entrega exasperada. “GATA” é uma curta e adorável declaração de amor de tarola desenfreada, enquanto que “MÁQUINA CULONA” é a outra face consideravelmente mais arranhada da moeda, e com o seu contraste inteligente entre as estrofes mais calmas e o refrão em combustão consegue cativar quem dança ao seu som.

Na recta final, Choo mostra a sua aptidão para junções frutuosas entre o tradicional e contemporâneo através da impetuosa “TANGOS DE UNA MOTO TRUCADA” e as palmas do flamenco que se fazem ouvir no ambiente electrónico de “BESO BRUMA”. Mais do que um álbum de estreia, SUPERNOVA é um verdadeiro cartão de apresentação. É clara a sua hiperactividade sonora, mas são também claras as suas valências. Na música de Ralphie Choo nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma.


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