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A 18 de Outubro de 2002, Samara Morgan fazia a sua primeira aparição pública. Para os mais esquecidos — ou para aqueles que esqueceram intencionalmente — Morgan era a menina aterrorizadora do fenómeno de cortar a respiração que foi o filme The Ring. A artista de que falamos hoje também se chama Samara, mas felizmente que as semelhanças acabam aí (e os meus camaradas assustadiços soltaram agora um suspiro de alívio). Enquanto que a terrífica Samara Morgan assombra quem está no seu caminho, a talentosa Samara Cyn ilumina quem ouve as suas canções.
Nascida em Murfreesboro, Tennessee, foi em 2019, em Phoenix, no Arizona, que começou a dar os primeiros passos na música. É difícil encontrar os primeiros temas de Cyn na Internet, compreensível quando percebemos que a artista é uma assumida perfeccionista. A música começou como um hobby mas tornou-se uma necessidade, e sentimos esse efeito terapêutico na sinceridade e catarse que transmite nos seus temas. Inspirada por artistas como Slick Rick, Lauryn Hill, Missy Elliott ou Erykah Badu, Cyn emula as suas influências desdobrando-se entre neo-soul, R&B e hip hop, sem nunca se render completamente a nenhum género e mostrando as suas valências na escrita. As suas palavras cantadas lembram por vezes a doçura vocal de SZA, com um timbre mais arranhado, enquanto que as suas barras revelam semelhanças com o flow destemido de Doja Cat. As suas influências são intemporais e revelam o olhar aguçado sobre que se fez, sobre o que se faz e sobre o que ela própria vai fazer.
Foi em 2023 com “pride’s interlude” que o seu talento se notou realmente pela primeira vez. As percussões ocas espelham uma paixão tóxica, e ouvimos Cyn dividir-se entre a saudade e a rejeição num rápido ponderar de uma relação que chegou ao fim. A sua entrega é algo exasperada, natural para alguém que está a dar os primeiros passos, chorosa e jovial, e sentimos uma ambição desmedida na sua voz, tal como em “Auto-Pilot”. É uma música descontraída que convida à descontracção, à necessidade que é desligar do sofredor trabalho a que nos entregamos para pagar as contas. A humorosa lenga lenga psicotrópica final é prova de que apesar de Cyn se levar a sério, há momentos em que a palavra mais acertada é aquela que desenha um sorriso nos seus ouvintes. E há também momentos para a reflexão e para incitar à mudança. “WAKE UP” mostra Samara Cyn como uma atenta observadora da condição humana, um esparso e concentrado registo das injustiças que regista no papel, mas há também um apelo à necessidade de continuarmos a lutar e continuarmos a crescer. São palavras importantes, que revelam a inteligência emocional da sua autora.
Só em 2024 é que voltámos a ter novidades musicais de Cyn: o retorno é o de alguém revigorado, pronta para os haters, que o diga “knock knock knockin’”. Em “massa freestyle” vemo-la calma e concentrada rodeada de verde numa atmosfera visual que lembra a estética de Tyler, The Creator, e acompanhada por uma batida que não destoaria dos primeiros trabalhos desse artista. Cyn mostra-se calma, concentrada, as palavras soam como se estivessem a ser proferidas naquela ordem pela primeira vez e simultaneamente como se Cyn tivesse investido horas à procura da ordem certa. E “green eyes freestyle” valeu-lhe um shout-out de Erykah Badu, a cereja no topo do bolo deste curto e curioso percurso musical. O reconhecimento é importante, especialmente vindo de uma das suas influências e de uma artista que abriu as portas para que tantas outras se seguissem. Mas mesmo sem esse factor, os dois freestyles que Samara Cyn lançou durante o mês de Março mostram a sua incrível maturidade musical em pouco menos de um ano. A sua entrega é de alguém destinado a grandes feitos, e como um jump scare indutor de ansiedade, eis que surge uma artista que veio, viu e venceu, pronta a “aterrorizar” o game.
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