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Publicado a: 12/02/2017

Harold no Titanic Sur Mer: balança para quê?

Publicado a: 12/02/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Sara Falcão

 

Vozes saídas do fundo de um poço, tornando imperceptíveis as palavras vindas do palco. Instrumentais enrolados e com os graves distorcidos, como se o bombo estivesse a ser esmagado contra uma imponente parede de códigos binários. Espectáculos transformados em verdadeiras torturas. Estas primeiras linhas não dizem respeito à noite de hip hop da passada sexta-feira, no Titanic Sur Mer, mas sim a muitas outras noites que, nas duas décadas passadas, assombraram por completo vários amantes desta cultura. Instrumentais pensados só para estúdio, vozes muito abaixo do volume desejado, sistemas de som desequilibrados e, muitas vezes, técnicos de som sem  a menor ideia do que é essencial soar e sobressair na mistura. Este é o cenário que maculou, durante anos, várias festas de hip hop. Felizmente, o paradigma mudou.

 


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Regressemos à actualidade, mais precisamente a 10 de Fevereiro de 2017, dia em que Harold foi até à zona ribeirinha da capital apresentar o seu álbum a solo, Indiana Jones. A prova que as coisas estão diferentes é que, tirando um ou outro caso esporádico, já não se ouvem tantas queixas por parte do público à saída das salas. Melhor ainda: já não há discrepância entre os artistas principais e os que fazem as primeiras partes. Que o digam aqueles que viram Kristóman, um dos artistas que integrou o cartaz da noite, servir uma actuação sem espinhas, fossem elas de tubarão ou de carapau. O rapper algarvio trouxe ao palco algumas das músicas que compõem o novíssimo EP, Cruz Credo, com conta, peso e medida, e recebeu, por parte dos presentes, o devido reconhecimento. Não faltaram mãos no ar e acompanhamento às suas líricas, principalmente em “Carapaus”, um dos temas mais celebrados da noite. “Pão Duro”, “Aquela Pressure” e “Fuck That” foram outras das músicas de um alinhamento que colocou em plena evidência a experiência e o à vontade em palco desta que é a terça parte do colectivo Tribruto.

A maior ovação da noite ficou guardada, como é óbvio, para Harold. O membro dos GROGNation fez o que lhe competia e, acompanhado por Sensi na bancada de DJ, deu um espectáculo fluído, dinâmico e competente. Das notas de agradecimento em “Amor Rubia” à sublinhada afirmação de “Safari”, passando pela soul de “Pra Longe” (que contou com a participação de Rebeca Reinaldo) e desaguando na enseada de atrevimento de “Pirata”, são vários os universos que Harold explora. Numa mão cheia de músicas, tanto podemos encontrar batidas secas e recortadas como ritmos trap a pedirem exercícios de flow. Mas isso não é tudo. Se o single “Vai e Vem”, cantado em coro pelos presentes, nos mostra um Harold de coração escancarado, em “Honesto” traz a debate toda a questão racial indissociável do hip hop (“a culpa disto tudo é africano e português”, canta o rapper, evocando o refrão de “Talvez”, um dos hinos do segundo álbum de Sam The Kid). O chicote deste Indiana Jones é o microfone, e é através do extenso cabo que o liga aos altifalantes que a mensagem se propaga. Pelo ar de satisfação dos que nos rodeiam, a coisa parece estar a resultar.

 


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Começa a ser habitual verem-se casas cheias em concertos de hip hop (o de sexta, não tendo esgotado, pode gabar-se de uma adesão em massa), o que vai ao encontro do actual estado da cultura. Cada vez há mais casas de espectáculo e festivais a apostar em rappers (alguns deles de índole rock que, há dez anos atrás, certamente não se imaginariam a trazer ao palco projectos sem guitarras e amplificadores), e cada vez mais o próprio hip hop se desprende dos seus contornos clássicos (não só a nível de textura mas também de discurso e atitude), o que o leva a descobrir novos públicos. As plateias estão cada vez mais heterogéneas e isso só pode ser positivo. Felizmente, a imagem de ter trinta pessoas em palco a atropelarem-se uns aos outros e a trocarem constantemente de microfone em busca daquele que “toca mais alto”, bem como o estigma do DJ que não sabe que os potenciómetros das mesas de mistura não são os da aparelhagem lá de casa, está cada vez mais afastada das nossas memórias.

O mais próximo que o concerto de sexta-feira esteve desta quase extinta imagem foi, muito provavelmente, o momento em que os restantes elementos dos GROGNation foram chamados a palco para dar voz a “Na Via”. Ainda assim, e apesar de serem muitos, o colectivo soube distribuir cuidadosamente a euforia e conseguiu, a nível de intervenções e backvocals, uma assinalável harmonia. Do lado de cá, o público levou o refrão à letra e ninguém ficou para trás no acompanhamento vocal. Destaque-se ainda o momento de open mic guardado para o fim, que juntou todos os protagonistas em palco (Weis e Virus, que deram o tiro de partida para a noite, incluídos) para um derradeiro adeus. Houve quem improvisasse, houve quem optasse por cantar partes de letras de suas músicas; tudo isto sobre o instrumental de “Última Cruzada”, música que também encerra Indiana Jones.

Equilíbrio é a palavra chave. Seja a nível de vozes, instrumentais ou emoções. Há espaço para tudo no espectro de um espectáculo. O truque é saber dosear.

 


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