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Publicado a: 16/11/2015

DJ Cruzfader: “Em 15 anos, o hip hop português progrediu muito”

Publicado a: 16/11/2015

[TEXTO] Bruno Martins [FOTOS] Vera Marmelo

 

Corria o ano 2000. Alexandre Santaella Cruz era já homem feito, 30 anos, e tinha chegado há dois anos a Portugal, depois de 16 anos na Europa – 15 em França. Alexandre, que ganhou o nome de DJ Cruzfader, trazia a experiência e a herança de ter visto crescer, em Paris, os movimentos do hip hop francófono. Já por cá meteu, desde logo, mãos à obra – e aos pratos, pois então. Cruzfader editou, em pouco mais de dois anos, quatro mixtapes: Hip Hop e R&b Vol 1.;  Lx & Porto Connection, Cosa Nostra e 2º Piso- Nova Escola e Raparigas na Voz do Soul.

Foi há 15 anos que Cruz editou a sua primeira compilação: Ressurreição, o seu primeiro trabalho produzido de raiz para vários MCs portugueses, tornou-se numa referência do género – e hoje uma verdadeira raridade discográfica. Cruz, nesta conversa com o Rimas e Batidas em que recorda a criação destas faixas, considera que é uma espécie de cartão-de-visita para o seu trabalho como produtor, mas que acaba por ser também o de muitos rappers. Claro que havia já alguns nomes solidificados, alguns deles que até tinham já participado na primeira grande compilação de hip hop nacional, Rapública (1994), como o caso de Family ou D-Mars (dos Micro). Mas estavam também a aparecer novos nomes: Sam The Kid, Dealema, Filhos de Um Deus Menor (os irmãos NBC e Black Mastah), ou XEG (na altura nos Projecto Secreto, com Vinagre).

“Graças a alguns o hip hop português subiu de nível”, dizia, precisamente Vinagre, no tema “Tudo e Todas”. DJ Cruzfader é um desses nomes importantes para a cultura, de tal forma que, pouco tempo depois, abriria a sua própria editora independente, a Encruzilhada Records, e foi, ao longo dos anos, criando mais mixtapes. Hoje divide o tempo entre as actuações com o parceiro Stikup na dupla Dynamic Duo – com espectáculos que mantém viva a tradição dos puros DJs das festas hip hop – e a criação de discos: o terceiro de originais dos Orelha Negra e a dar uma mãozinha nas muito esperadas criações de Sam The Kid, quer a solo quer com Mundo Segundo.

 


Celebram-se este ano os 15 anos da tua primeira compilação Ressurreição, um trabalho muito marcante na história do hip hop português – talvez o trabalho mais importante em termos de colectivo nacional depois de “Rapública”. Queres contar-nos como surgiu a ideia?

Eu tinha lançado as minhas primeiras mixtapes em 1998 e 1999. Senti que o passo seguinte teria de ser uma compilação com produções minhas. Já conhecia a maior parte dos MCs que tinham participado nas nessas primeiras mixtapes e decidi convidá-los a fazer parte deste meu trabalho de produção. Iniciei o processo de gravar todos os sons e, na altura, pedi ao técnico de som dos Micro para masterizar. Digamos que era para ser uma espécie de cartão-de-visita como produtor e tornou-se numa compilação de hip hop tuga, na verdade. Aproveitei para dar esse passo importante e juntar os MCs de Sul a Norte.

Ainda te lembras dos critérios de escolha das vozes?

Eram aqueles que eu me identificava mais e que achava que era os melhores. Havia alguns que estavam na cena hip hop há muito tempo, como os Family, os Micro, Mind da Gap, Dealema… o Sam [The Kid] era uma novidade, na altura; Xeg também era uma novidade… não consegui incluir todos, mas também quis dar uma oportunidade a MCs de estarem numa compilação toda produzida de raiz.

 


 


Houve algum desafio na parte lírica ou temática?

Nada, não cheguei a intervir na parte lírica. Essa é uma coisa que os MCs não gostam muito. Quando os convidas é pelas qualidades dele e, claro, pela escrita. Até é considerado um pouco de falta de respeito.

Quando hoje pões a mixtape a tocar, quais são as impressões com que ficas?

Sinto que o hip hop português progrediu muito, em vários aspectos. Na altura, pela altura que foi, consegui fazer uma coisa com qualidade até pelas condições que tive. Mas também acho que deveria haver mais DJ a fazer este tipo de trabalho.

Pensas em repetir a experiência?

Sim e estou a trabalhar nisso. Até já deveria estar no volume cinco! É uma falha minha. Ainda hoje recebo pedidos de pessoas a dizer que querem o Ressurreição e a dizer que começaram a ouvir hip hop com esta mixtape. Foi um passo importante e vendi as cópias todas. Hoje é uma relíquia que não se encontra em lado nenhum.

 


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Ainda hoje recebo pedidos de pessoas a dizer que querem o Ressurreição e a dizer que começaram a ouvir hip hop com esta mixtape.

– DJ Cruzfader


Para lá da produção, sentes que há muitas diferenças na capacidade de rimar de hoje dos MC?

Noto uma grande evolução. E aqueles que estavam lá, na altura, evoluíram muito. Na altura havia mais escolha, porque os MCs eram mais unidos e havia a possibilidade de ir captar vários estilos. Sinto que se hoje quisesse fazer uma mixtape, não haveria a mesma alma, não era a mesma “cena”. Se eu dissesse a um MC que estava a gravar uma mixtape toda a gente ficava a saber porque toda a gente queria entrar. Hoje já não é assim: já há várias plataformas de promoção para os MCs, o que também faz com que não precisem tanto de uma mixtape para se promover.

Olhas para isso com naturalidade ou também é sinal do desenvolvimento do mercado português de hip hop?

Acho que sim. É normal a evolução e o progresso do género. Vivi em frança e vi a mesma coisa: as editoras começaram a apostar no hip hop e a expandi-lo. Havia muitas editoras independentes que ajudavam bastante: a Footmoovin’ – que ainda existe, mas não está tão presente – a minha editora, Encruzilhada Records, a Matarroa… Por outro lado, também estamos a viver numa era diferente da música: hoje se calhar é mais importante lançar uma música e um vídeo com uma boa produção do que propriamente um álbum. Acho que não é culpa do hip hop, mas da evolução.

Do ponto de vista de um produtor e DJ continua a ser mais importante lançar uma mixtape ou um disco do que um vídeo?

Completamente. Lançar um álbum é muito importante. Se lanças uma música e um vídeo, daqui a um tempo ninguém se lembra! Um álbum faz história e ser relembrado para a vida toda: “Aquele álbum marcou a minha vida, marcou uma época, e eu tenho-o!” Acontece comigo em relação ao Ressurreição, com miúdos que me vêm dizer que começaram a ouvir hip hop por causa do disco. Esses valores já ninguém mos tira.

Depois de Ressurreição, e nestes 15 anos, quais são os discos do hip hop português que são verdadeiramente marcantes?

Os álbuns do Samuel – Entre(tanto), Sobre(tudo), e Pratica(mente); o Ritmo, Amor e Palavras do Boss AC; o primeiro disco dos Dealema; o Resistentes dos Nigga Poison; discos dos Mind Da Gap. Os discos do Chullage são um clássico; “Um outro lado da versão” do Kilú – que é intemporal. Aliás, são todos. O XEG, o Regula. Saiu também a compilação do D-Mars; o dos Micro. E o Valete, claro, que fez dois discos clássicos. Também o Kacetado, o Tekilla, o Halloween, que trouxe um estilo novo e conseguiu afirmar-se. São tantos…

E posso sugerir, para incluíres nessa lista, os discos dos Orelha Negra?

Mas isso é a minha banda! Não gosto de ir por aí! Estou a esquecer-me de alguns. NBC, Bob Da Rage Sense, Sir Scratch, o primeiro disco dos Expensive Soul ou os HMB

E a tua relação com este pessoal que participou contigo no Ressurreição? Ainda os encontras com frequência?

Sim, claro! O pessoal cresceu! Uns estão casados, outros ainda são músicos, outros já deixaram. A minha rota também mudou um pouco: hoje faço outro tipo de trabalho, como as semanas académicas, festivais, e o pessoal vai muito às festas de hip hop mais underground. Mas há sempre aquele respect, aquela admiração. Ainda vejo isso.

Nesta altura, o que estás a fazer? Orelha Negra e actuações com Dynamic Duo?

Sim, com o DJ Stikup. Também estou a trabalhar no disco do Sam The Kid e do Mundo que deve sair no fim do ano; também estou a fazer coisas minhas – gostava de fazer outra compilação. Já estou a preparar ideias.

A diversidade do hip hop português de hoje pode ser uma dor de cabeça caso penses em fazer uma nova compilação? Com a malta que continua a fazer o hip hop mais clássico e os rappers mais electrónicos, mais “bangers”.

Sim pode ser. Mas há que tentar encontrar um equilíbrio possível entre os dois!

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