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Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 17/04/2023

Música portuguesa e espanhola no embalo da despedida.

Westway Lab’23 – Dia 4: na diferença está o ganho

Fotografia: Paulo Pacheco
Publicado a: 17/04/2023

Tudo o que é bom tem um fim e o do Westway Lab foi ao quarto dia com uma agenda deveras preenchida. Com alguma pena, os nossos afazeres retiraram-nos a possibilidade de passar uma tarde na zona histórica da cidade de Guimarães, onde o festival promoveu uma série de showcases de entrada gratuita em diferentes espaços, dando palco a artistas como EVAYA, Cave Story, Isa Leen ou X IT. Conformados com a situação, virámos todas as atenções para os concertos principais que estavam escalados para a parte da noite.

Já de estômago aconchegado, o pouco tempo que ainda tínhamos livre até ao início desta derradeira missão permitiu-nos conhecer Rui Torrinha, o homem responsável por fazer erguer anualmente o Westway Lab e um constante agitador cultural que presta um louvável serviço aos 150 mil habitantes da “cidade berço” através da programação de espectáculos de diferentes áreas artísticas — do teatro à música. Talvez mais importante do que a regularidade com que os organiza será a sua própria definição de curadoria, que o leva a optar por trazer até Guimarães nomes que orbitam em torno dos circuitos independentes, fintando a tentação de recorrer ao mainstream para provocar uma maior agitação ao nível da bilheteira e dando redobrado destaque àqueles cujas oportunidades têm escasseado face à qualidade que os seus trabalhos exibem. E o cartaz deste festival, que já vai no seu décimo ano de vida, defende essa mesma ideia — a de uma certa “teimosia” em criar algo inclusivo, plural e alternativo, porque só desta forma é que a arte em Portugal consegue continuar a dar passos em frente. Além do aplauso pela bravura da iniciativa, agradecemos-lhe também a hospitalidade com que nos recebeu ao longo destes belos dias.

A conversa com Torrinha tinha todos os motivos para se estender por mais tempo, mas os ponteiros do relógio não param e, às 21h30, tínhamos o primeiro show a ser iniciado no Auditório do Centro Cultural Vila Flor. Naquele que foi o registo mais minimal de todo o alinhamento, Nacho Vegas apresentou-se apenas munido de viola e microfone perante um público sentado. Não sendo sequer minimamente conhecedores da sua obra, facilmente lhe encontrámos paralelismos com outras figuras que crescemos a escutar. O trovador espanhol veicula nas suas canções um espírito — tão livre, sonhador e boémio quanto combativo e reivindicativo — semelhante ao de Bob Dylan, Leonard Cohen, Joni Mitchell ou Cat Stevens. A sua voz gasta reflecte o muito que já viveu e veicula fraseados que apontam à saudade e à melancolia, mas também ao amor, à esperança por dias melhores e até à luta anti-fascista. Na guitarra, as suas mão carburam, essencialmente, sequências de acordes não demasiado arrojados, sendo que, por vezes, adorna os temas com dedilhados mais rápidos que nos fazem lembrar arpeggios de flamenco, puxando por uma dose adicional de técnica que dá mais vida à sua prestação.



Embalados na cadência mais vagarosa do cantautor espanhol, apanhámos um “choque” quando nos dirigimos ao Café-Concerto para o momento que se seguia na programação. No centro palco, saltava à vista uma bancada que tinha desenhada um par de mãos algemadas acabadas de partir a corrente que as une. E que bem que esta figura representa La Furia, a endiabrada MC que tínhamos tido a oportunidade de escutar um par de dias antes num dos espectáculos que resultaram das residências artísticas promovidas pelo Westway Lab. Destemida, a espanhola não tem papas na língua quer nas suas letras quer na forma com que se dirige à plateia, ergue o punho por várias vezes e joga na defesa das minorias, dando especial destaque ao empoderamento feminino. As ganas eram as mesmas que lhe tínhamos detectado naquele primeiro encontro, mas por alguma razão os temas inéditos que compôs ao lado de Larie nos soaram alguns furos acima do material que já editou a solo e que trouxe para esta nova sessão. Apesar da energia patente na forma como debita os versos, estes não estavam a soar tão criativos, enquanto que os beats — ora de hip hop mais tradicional ora de fusão com géneros como a house e o reggaeton — não apresentavam grandes singularidades e pareciam rippados de um qualquer canal no YouTube que cessou actividades há uns valentes 10 anos. Acompanhda por uma DJ e duas bailarinas (que por vezes também lhe funcionavam como coro), a sua entrega ao longo daqueles 45 minutos, no entanto, conseguiu fazer o seu milagre e toda a gente que estava ali presente pareceu estar completamente focada no que estava a decorrer em cima daquele pedaço de chão mais elevado.



Em direção à Box com um gosto agridoce nos lábios, já sabíamos de antemão que era ali que íamos ouvir o canto revitalizante de uma sereia que já vem a enfeitiçar as cabeças que assinam nesta nossa publicação há algum tempo. Nunca é demais reportar um novo espectáculo de Rita Vian (já o fizemos aqui ou aqui, por exemplo), cantora que galgou terreno em plena pandemia e que se voltou a apresentar ao lado de João Pimenta Gomes, o multi-funções que lhe oferece dinâmica aos instrumentais durante as prestações ao vivo. Apesar de não nos ter oferecido nada de novo — CAOS’A, o seu EP de estreia, voltou a ser o farol que guiou o gig — deixou no ar a ideia de que já existe mais material a ser preparado. Do que já lhe conhecemos, destacam-se as interpretações de “HPA”, “Plana” ou de uma canção que cresceu a ouvir ser cantada em dueto pelos seus avós. Dois anos após a sua última edição (tendo pelo caminho contracenado com Dino D’Santiago num tema de homenagem a Sérgio Godinho) os novos fados já anseiam por mais composições suas.



Novamente decididos a arriscar, regressamos ao Café-Concerto às 23h45 para um primeiro encontro com a música de Catarina Munhá, mais uma voz feminina a despontar na cena indie-pop nacional. Fez-se entrar em cena com ukulele ao peito e teve ao seu lado José Blanco (violoncelo e voz) e Daniel Costa (que tocou, pelo menos, sete instrumentos diferentes, segundo as contas da autora). Música ligeira com alto teor de sofrimento e critica social (explicou o quanto a pandemia afectou a sua psique e os conteúdos do próximo projecto, que está neste momento a delinear), as cantigas que trouxe para o palco foram uma surpresa agradável mesmo na recta final do certame. Versátil, desdobrou-se também sobre um teclado Nord em alguns momentos, tendo recorrido a uma setlist que albergou o seu mais recente “Cópia Pirata” (uma música que teve Agir como produtor), partes do primeiro LP Animal de Domesticação e ainda alguns inéditos, já em jeito de antecipação ao EP que lhe vai valer uma nova entrada no seu catálogo pessoal. Uma vez mais — talvez pela tal ligeireza que o seu som aparenta — grande parte das pessoas que por ali se encontravam estavam mais preocupadas com conversas e galhofas, fazendo algumas pausas para filmar uns segundos aqui e ali, provavelmente para poderem escutar em casa o que não conseguiram fazer in loco

O horário do último dia do Westway Lab ainda exibia o nome de Criatura (projecto de Edgar Valente, um dos responsáveis pelo concerto de abertura do festival, que reportámos aqui), mas havia um comboio para apanhar bem cedo no dia a seguir e o cansaço não estava a gerar a melhor das disposições para nos deixarmos ficar pelo recinto até de madrugada. Em jeito de balanço, facilmente concluímos que esta edição do certame foi um sucesso pelos mais variados motivos: a começar na sempre importante bilheteira (quer se queira quer não, são estes os números que permitem que as iniciativas continuem a acontecer e, se possível, até mesmo crescer) que esgotou todos os ingressos e a terminar na ampla e plural oferta artística, num cartaz que dá igual espaço a mulheres e homens e que procura abraçar todo o tipo de sonoridades que integram os circuitos musicais mais independentes.


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