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Fotografia: Queragura
Publicado a: 13/12/2023

O primeiro disco da label, Frankie Diluvio Vol. 1, foi reeditado em CD.

TNT nos 10 anos da Mano a Mano: “Quando hoje lanço um projecto, tenho de estar envolvido”

Fotografia: Queragura
Publicado a: 13/12/2023

Foi há 10 anos que Daniel e Francisco Freitas, os irmãos TNT e Chikolaev, fundaram a editora independente Mano a Mano, que rapidamente se tornou num dos principais selos no rap nacional. Ao longo de uma década, editaram discos de Blasph (a solo e com Beware Jack), NERVE, TOM, AMAURA, Syer, Grilocks, Silab & Jay Fella e Mlk Mau Aluno, além dos próprios trabalhos de TNT e do seu grupo M.A.C., bem como do seu parceiro Kulpado.

10 anos passados, TNT explica ao Rimas e Batidas como as ambições mudaram e a Mano a Mano se tornou um projecto ainda mais pessoal, que já não tem a pretensão de ser a maior editora, ou a principal referência, do underground nacional. A relação entre as editoras e os artistas também mudou com a evolução da indústria e o aumento do acesso às ferramentas.

Daniel Freitas desvenda ainda os lançamentos que estão a preparar para o próximo ano, conta-nos como querem reeditar vários dos seus discos e explica a ideia para a reedição de Frankie Diluvio Vol. 1, primeiro álbum de Blasph e edição de estreia da Mano a Mano, que está novamente disponível em CD, com uma capa actualizada. Abordámos ainda o seu disco de instrumentais editado em Setembro, Drums & 35’s, que em breve ganhará uma nova vida com uma série de três remixes intitulada Bars & 35’s, com convidados a rimar por cima dos instrumentais.



Celebram-se agora os 10 anos da Mano a Mano, com uma reedição do Frankie Diluvio Vol. 1 porque foi a vossa primeira edição, embora o disco Muito a Contar, de M.A.C., tenha servido como uma espécie de teste no ano anterior, não foi?

Sim, foi um teste, foi o primeiro que fizemos por nós. O Chico tratou do design, eu tratei da produção do CD. Depois de nos desvincularmos da Footmovin’, foi a primeira edição. Aprendemos a fazer com aquela, e então depois decidimos aplicar o mesmo ao Frankie Diluvio Vol. 1, porque o Blasph na altura estava a ver se alguém o ajudava a pôr o CD cá fora. Ele já tinha o álbum feito, era mais a parte da produção do CD, da distribuição, da divulgação, isso tudo.

Mas, quando vocês têm a ideia de lançar o álbum de M.A.C. e de forma autónoma, já estavam a pensar em criar uma editora?

Não, mas depois deparámo-nos com uma coisa que existia muito na altura que era: “Então lançamos isto pelo quê?” Havia sempre aquela coisa da etiqueta. Às vezes lançavas pelo nome da crew… E ali não havia, havia Missão a Cumprir e mais nada. Então decidimos arranjar aqui uma etiqueta, uma label, para potenciar lançamentos nossos. Mas depois começámos, na verdade, a trabalhar nos dos outros. E foi assim que surgiu: o meu irmão tinha as skills visuais, a ideia dele era fazer vídeos, fotografias e capas; e eu tinha mais as skills de organização e produção, além da parte do áudio. E juntámos isso tudo.

E esta reedição serve para celebrar o marco dos 10 anos?

Sim, nós estamos um bocado desligados dos aniversários e das datas redondas, mas com este fizemos muita questão de assinalar por serem os 10 anos do início da aventura. Nem foi no mês certo penso que o disco tenha saído no Verão mas não queríamos fechar o ano sem assinalar o disco. E andámos a debater: “Vamos fazer um vinil?” Mas o CD tinha muitas músicas, não cabiam num vinil. “Vamos fazer um remaster?” Mas também não havia nenhuma música nova nem o Blasph queria voltar atrás. Então, deixámos o conteúdo como estava, mas fizemos uma capa diferente, actualizámo-la. Coincide também com um momento bom da carreira dele, porque está activo, e foi bom para todos. É uma edição mesmo pequena, só para celebrar.

E também já não havia CDs originais?

Não, já não existem há muito tempo. Houve bastante procura ao longo deste tempo, há uma questão que influencia muito, que é a ausência da procura de CDs no geral, mas havia sempre aquelas pessoas que têm uma lacuna na colecção e agora conseguem preenchê-la embora não seja exactamente igual. Nem nos fazia sentido que fosse, até porque fazia com que as pessoas que já o têm não o pudessem adquirir outra vez. Assim conseguimos chegar aos dois lados e está a sair bem. Acho que vai ser uma aposta futura, porque poderemos fazer mais reedições ao longo dos próximos anos. Vamos continuar a fazer edições limitadas de outros discos que entretanto cheguem a esse marco dos 10 anos. Há pessoal que os vai procurando ao longo do tempo e eu muitas vezes não encontro motivos para o fazer sem banalizar a obra…

E 10 anos depois, como é que olhas para a Mano a Mano? O que mudou nas tuas ambições e perspectiva sobre o projecto?

Acho que eu era um bocado naïf no início. Era mais numa onda de “vamos fazer isto para ajudar o pessoal!” Não é propriamente assim que as coisas funcionam. No início, havia um grande desconhecimento da nossa parte e continua a haver, por parte dos artistas, de como é que o mercado funciona, quais são as expectativas que devem ter de uma editora… E, na maior parte das vezes, os artistas acabam frustrados com as editoras, sejam grandes ou independentes. Porque acham que a editora, por vezes, podia correr um pouco mais atrás, poderia fazer coisas de que eles às vezes estão à espera, e isso nem sempre acontece por vários factores… E o mais decisivo é que, por vezes, um álbum não rola porque não rola. Não é porque é mau, não é porque o artista não tem qualidade, não é porque não está bem feito, é porque não acontece… E é muito difícil investir tempo, dinheiro e a tua vida num trabalho, e depois não consegue resultar naquilo que querias. E depois também há o reverso: álbuns que tu não esperas nada e que correm muito bem. Há fenómenos muito interessantes de álbuns que não resultam logo e que só um tempo depois é que resultam. OPROCESSO é um claro exemplo disso. Na altura, para a expectativa que tínhamos, não bateu aquilo que achávamos que poderia bater; mas tornou-se um clássico. Hoje em dia há uma procura e há pessoal que gosta mesmo, verdadeiramente, daquele disco. E nós na altura não sentimos tanto isso. Não houve uma procura muito grande de concertos, se calhar isso depois fez com que achássemos que o álbum não tinha tido tanto sucesso, mas na realidade teve. 

Mesmo a aceitação de projectos como OPROCESSO no mercado da música ao vivo mudou muito nestes anos que passaram, não é?

Sim, sim. Mas se quiseres que faça uma comparação, o meu objectivo quando hoje lanço um projecto é de facto estar envolvido. Não é só lançar. É, de alguma forma, eu estar envolvido quer seja ao nível da produção, de dar algum seguimento ao projecto, de não ser apenas uma coisa de “vamos lançar”. Tenho que assumir aquilo como meu. Ou porque tenho lá uma produção ou porque entro no projecto ou porque, de alguma forma, estou muito envolvido. Caso contrário, deixa de fazer sentido. E é um amadurecimento. É pensar que não tens de lançar quatro ou cinco projectos durante o ano, pode haver anos em que lanças só um, ou até pode não acontecer. E, na altura, pelo menos a minha ambição era ser a label de referência do underground. E isso deixou de ser uma prioridade. Passou a ser uma coisa muito mais de fazer aquilo de que gostamos.

Com projectos e artistas que acompanhas e com quem crias uma relação. 

Sim, sim. Houve coisas que mudaram. No próximo ano, vamos lançar um projecto colaborativo com o Rakim Badu, dos Soul Providers, e ele tem a própria label dele, mas este projecto em específico é uma parceria. Acontecem estas sinergias que acho que são interessantes e que dantes não havia. Democratizou-se bastante o acesso dos artistas a tudo: à distribuição, à própria produção de CDs e do merchandise… Um artista hoje em dia não precisa propriamente de uma label para poder fazer tudo. 

Era isso que te ia perguntar: se as editoras, sobretudo as independentes, são hoje menos valorizadas pelos artistas, tendo em conta que hoje eles têm mais esse poder e o acesso a essas ferramentas?

Acho que sim. Várias pessoas já mo perguntaram: “Se eu consigo fazer, porque é que vou fazer por ti e ainda ficar sem parte do valor?” Esse é um ponto-de-vista, mas muitas vezes o que acontece é que tu até consegues fazer a parte física, ou mesmo de distribuição digital, que é fácil, mas depois há toda uma série de conhecimentos, procedimentos, contactos, que vão ajudando a quem já está cá há mais tempo a abrir certas portas. Nesse aspecto, acredito bastante na interacção entre artista e editora. E a relação pode variar, não tens de ter uma label que faça exactamente a mesma coisa para todos os artistas, hoje em dia pode ser muito mais tailor-made

E também tem a ver com o selo de qualidade que uma label pode dar, no sentido em que vocês fazem, cada vez mais até, uma espécie de curadoria com os projectos que editam.

Sim, esse selo de qualidade de que falas até é algo inconsciente, não é? Eu tenho os meus padrões e coloco-os naquilo que faço. Mas há artistas que acham que isso não seja importante, depende muito da perspectiva. Por exemplo, é muito difícil explicar a um artista que é melhor esperar dois meses antes de lançar. E muitos preferem editar sozinhos, se é assim. Isto acontece muito. E muitas das vezes esses dois meses são importantes para amadureceres o produto que ali está, trabalhares em questões gráficas e de comunicação, e quando a cena sai tens tudo do teu lado e é só agilizar. Mas a maior parte do pessoal gosta de correr atrás e depois o vídeo está pronto um dia antes da data de saída e há todo um stress adicional que não ajuda ninguém… A editora não pode procrastinar, mas o artista tem de ter calma. E isso nem sempre se encontra.

Além desse projecto com o Rakim Badu, têm mais planos em andamento para os próximos tempos?

Sim, em nome próprio tenho um trabalho por editar que está embrulhado há muito tempo. Talvez porque me dedico demasiadamente aos trabalhos dos outros [risos]. Gostava de dizer uma data, mas vai sair, sem dúvida, no próximo ano. É um EP dividido em dois, são dois pequenos EPs. E em Janeiro ou Fevereiro teremos o do Rakim Badu, Relationships Vol. 2. E estamos a tentar expandir-nos um pouco à área de eventos e curadorias fora do contexto de edição de discos. Nós desenvolvemos um evento anual, este ano vai ser um pouco diferente dos anteriores, estamos a olhar mais para essa parte fora das edições. Eu estive dois anos e meio, quase três, à volta do disco da AMAURA e são processos muito arrastados e cansativos. Às vezes também é bom ter uma outra área a desenvolver, então é para aí que caminhamos.

E a questão de procurar talentos novos é um processo constante? Ou não necessariamente, porque isso já acontece de forma natural e só alguns é que poderão fazer sentido tendo em conta a linha da Mano a Mano?

Acima de tudo, só alguns é que fazem sentido. Houve uma altura em que de facto queríamos ser eventualmente uma referência nacional, e sobretudo na Margem Sul, porque a maior parte do pessoal que editávamos era de lá. Mas, entretanto, cresceu uma nova geração que é independente e que nunca precisou da Mano a Mano para nada. A abertura que existe neste momento é para, quando houver projectos que façam sentido ter esse apoio e back-up, e nós sentirmos que contribuímos de alguma forma, haver abertura para isso. Mas, muito sinceramente, as coisas hoje em dia quase que se descobrem por elas próprias. Não gosto nada de estar a assumir essa posição de andar a descobrir pessoal, porque a malta aparece e, a determinada altura, surge alguém com um projecto que acha que o poderia levar um pouco mais à frente, e percebes claramente que essa pessoa vai ficar limitada nalgum nível, em que tu podes ajudar. E, acima de tudo, que sejam coisas que nos dêem prazer fazer. 

Mudando de tema para uma das mais recentes edições da Mano a Mano, que é o teu álbum de instrumentais Drums & 35’s, conta-me como é que surgiu a ideia: já querias lançar um disco instrumental há muito tempo?

Sim, só que nunca tinha tido a coragem, digamos assim, de me agarrar aos instrumentais. Porque vou ser sincero: menosprezo sempre um bocado a questão dos instrumentais. Faço porque gosto, ultimamente até me tenho dedicado bastante a isso, mas é uma coisa que faço sem grandes ambições. Gosto pouco daquela questão de estar a produzir para outros, porque muitas vezes o processo todo desde que passas um beat a alguém e até o tema estar terminado é muito longo, às vezes demora anos, e eu compreendo porque estou dos dois lados. Então, desta vez o que eu pensei foi: “Em vez de estar a passar beats ao pessoal, à espera que eles utilizem, porque é que eu não junto aqueles beats de que eu gosto e tento construir aqui uma história?” Só que não lhe quis chamar uma beatape, como às vezes o pessoal chama. É um álbum instrumental, em que construí as coisas com um conceito por trás e juntei esta minha paixão semi-recente da fotografia e dos recortes de fotografias que encaro muito como o sampling. Acima de tudo foi um exercício de auto-confiança, de provar a mim próprio que sou capaz de fazer as coisas, de não ter medo de falhar e conseguir ultrapassar… Por exemplo, eu passei por várias pessoas para fazer a capa, e ninguém conseguia concretizar aquela ideia que eu tinha na cabeça. Fiquei muito frustrado com isso, porque não achava que eu o conseguiria fazer… E houve um dia em que disse que ia fazer e fiz e até continuei a fazer para outras coisas, nomeadamente estes três remixes que vão sair agora. E tudo isto é um exercício de superação. 

E como é que têm sido as apresentações do disco ao vivo? Já fizeste algumas, e vais agora actuar ao Porto, no Natal do Marginal.

É muito esquisito porque é um repensar da tua postura. Por norma, estou habituado a cantar, não é? E foi sempre essa a minha postura. Ali até assumo uma posição sentada, a olhar para a máquina, com pouco contacto com o público e pode chegar a ser esquisito. Mas tive a hipótese de já o fazer umas quantas vezes, o que é sinal que há pessoal que gosta de ouvir aquilo. E a mim também me dá muito gozo. Tenho é de fazer este exercício de separar as duas coisas. Quando vou fazer isto dos beats, é para fazer beats, é para estar a mexer na máquina e eventualmente convidar alguém para cantar por cima, mas eu não canto… É outra faceta. Porque, ao princípio, a minha ideia era misturar um pouco as duas e isso para mim estava muito confuso. E a recepção tem sido muito fixe.

Acho que também se valorizam cada vez mais os álbuns instrumentais.

Sim, e há uma cultura de beats, pessoal que está até mais virado para os beats do que para o rap em geral ou para a cultura hip hop — é mesmo ouvinte de beats. Isso está a crescer cá e acho interessante acompanhar essa wave.


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