Assistir a concertos calmamente é para meninos — que o diga o Rimas e Batidas e a catadupa de entrevistas em que se lançou a 11 de Junho, primeiro dia do NOS Alive 2019. Quando corremos para um rápido tête-à-tête com Loyle Carner, antes de uma conversa mais longa com o brasileiro Emicida, a nossa agenda teve como primeira vítima a actuação que ia enchendo o Palco NOS Clubbing com soul-pop caloroso e imbuído de gospel. O alvo? Samm Henshaw.
Hoje associado a Chance The Rapper e à lenda do gospel Kirk Franklin, o cantor do sul de Londres viu nascer a sua musicalidade em contexto doméstico, antes de fazer florescer os seus talentos de instrumentista no familiar e sagrado cenário da igreja. Acabou por ser a sua voz que o levou a assinar com a Columbia Records, tendo em 2015 e 2016 editado dois EPs com o título The Sound Experiment — em que o poder da fé continua subjacente às boas vibrações e às mensagens de esperança, aquelas que deseja, acima de tudo, potenciar na era em que vivemos.
Fechou-se um círculo quando, ao seguirmos para a nossa última entrevista do dia, percebemos com quem iríamos falar: ninguém mais do que um Samm Henshaw ainda incrédulo com a receptividade do público português. Antes de nos sentarmos, pede profícuas desculpas pela desorganização — mas parece que entre um camarim arrumado e centenas de vozes a gritar as suas letras na sua estreia em Portugal, um artista não pode ter tudo.
Acabaste de sair do palco [NOS Clubbing], como foi o espectáculo?
Estou tão chocado. Não acredito que existem pessoas em Portugal que conhecem a minha música. Quer dizer, não sei quantas pessoas estavam naquela sala — quão grande dirias ser a capacidade?
De algumas centenas, provavelmente.
Diremos algumas centenas.
E havia mais a entrar.
E havia mais a entrar! Isso chocou-me profundamente. Nós chegámos aqui e pensávamos que ninguém viria para nos ouvir, portanto estou realmente chocado, meu. Foi tão divertido.
Não pude ficar para o concerto na íntegra, mas durante o primeiro quarto de hora — não estava à espera que estivesse vazio, claro, mas também não que, à segunda canção, as pessoas estivessem a gritar as letras.
Foi uma loucura, ainda não consigo acreditar nisto. Foi muito divertido.
Tiveste-os a comer da tua mão. Já andaste em digressão pelo mundo fora com o Chance The Rapper, a Tori Kelly, o James Bay — quão diferente é a tua abordagem a esses concertos de aquecimento e estes em nome próprio?
É um pouco a mesma coisa, porque quando estás a abrir para essas pessoas, estás a tentar conquistar um público, queres consolidar o teu nome também. E é a mesma coisa num destes [de festival]: estás a tentar firmar o teu nome perante pessoas que não conheces ou pensas não te conhecerem. É algo semelhante, mas acho que é interessante, é fixe tentar conquistar as pessoas e vê-las responder à tua música.
É sempre esse o jogo que tens de jogar.
Sim. É divertido, é fixe.
Com a tua experiência de palco, como é que a tua performance e a tua preparação — até os teus nervos — evoluíram? Como achas tens lidado, ao longo do tempo, com defrontar o público?
Considero que quanto mais tu fazes algo, mais habituado vais ficar a isso, mas, para mim, pessoalmente, eu nunca ultrapasso os meus nervos. Há sempre algo com que ficar nervoso. Já ouvi algumas pessoas dizerem-no e acho que é verdade: no momento em que deixas de ficar nervoso sobre fazer espectáculos, é quase como se não te preocupasses verdadeiramente. Eu sou sempre um stressado, mas aprendi a simplesmente… a pior coisa que pode acontecer quando estás nervoso é não ires para a frente com [o concerto], isso é o pior que pode acontecer. Então, mais vale fazeres e veres o que acontece.
Não começaste propriamente do zero: a música permeou o teu percurso universitário; já fazes tudo isto há algum tempo.
Sim, sim, sim. Estou aqui há algum tempo, a trabalhar no duro e a tentar chegar a algum lado com isto. Há uma data de momentos stressantes, mas há muito disto que é incrível e com o qual aprendo muito. Já ganhei muito.
Tens passado a maior parte da tua vida a cantar, passaste da naturalidade de o fazer na igreja para alcançares os grandes festivais — mas há um lado extra que não é puramente musical e tem a ver com o negócio, a publicidade, as expectativas. Envolves-te nessas dinâmicas?
Costumava ter várias situações em que as minhas expectativas seriam demasiado altas e, por isso, acabava desiludido. Mas acho que- não sei, há muitas partes disso que te ensinam a crescer e a tornares-te uma nova pessoa e por aí além. Acho que, para mim, há imensas componentes de que não gosto, porque sou um músico — eu simplesmente gosto de música, percebes o que quero dizer? Não estou aqui para fazer um monte de outras coisas [extra-musicais]. O momento em que eu deixar de querer saber de música é o momento em que deixarei de a fazer. Sentirão isso.
A tua fé é uma boa armadura enquanto navegas essas zonas de menor conforto?
Definitivamente. Acho que — adoro isso, é mesmo uma boa armadura — me permite uma série de coisas. Protege-me, mas deixa-me olhar para certas situações e, mais do que qualquer outra coisa, ficar grato — porque há momentos em que odeio o que faço, odeio tudo isto, blá blá blá. Olhas e pensas, “espera lá: na verdade, estou a fazer aquilo que sempre quis fazer, a exercer algo que adoro e em que estou interessado, em que tenho paixão. Porque é que um momento tão pequeno me deixa assim?” [A fé] faz-me ser grato pelo quão rápido [aqui cheguei].
Enquanto artista influenciado pelo gospel, és naturalmente mais vocal sobre a fé do que a maior parte dos artistas. Quando lês os pequenos livros dos CDs, há sempre aquela nota de agradecimento a Deus, mas tu levas isso a outro nível.
Penso que vivemos numa altura em que todos proclamam a sua verdade, todos questionam como se sentem, toda a gente está a ser verdadeira. Então, porque me deverei afastar disso? Porque é que me devo isentar da verdade? Há imensas pessoas que precisam disto, então porque não? Estou numa posição e tenho uma plataforma que me permitem falar com as pessoas e partilhar isso com elas, então… faço-o! Se existe uma forma de dares esperança às pessoas, que é aquilo de que muito do mundo precisa agora, porque não fazê-lo?
Como é ter a aprovação do Kirk Franklin?
Oh, meu! Ainda não entendo. Ainda não consigo compreender. Eu… [pausa] Mais do que com outros músicos, eu adoro verdadeiramente o Tio Kirk — chamo-lhe Tio Kirk, desculpa [risos]. O facto de ele reconhecer algo que eu fiz é absolutamente insano para mim, e a melhor aprovação que já recebi.
Lançaste múltiplos singles durante este e o último ano, incluindo o “Church” — qual vai ser o culminar desta estratégia e o que dizem eles da tua arte neste momento?
Vão culminar num álbum, estou a chegar lá, estou a chegar lá.
Já suspeitávamos, mas tínhamos de ter a certeza que te gravávamos a dizer isso.
[Risos] Estamos a caminhar para um álbum — quem me dera poder dizer projecto, na verdade, torna-se mais fácil.
Já é um pouco difícil distinguir entre formatos, de qualquer maneira.
Exato. O que é cada um?
Aconteceu com os [teus EPs] The Sound Experiment…
Há quem ache que é um álbum, ou que é um EP — está um pouco all over the place. Mas sim, estamo-nos a dirigir para isso — acho, honestamente, se puder ser muito transparente contigo, que- estamos a olhar para as horas e a ver que as pessoas estão a consumir muita música. Simplesmente estamos a lançar música para expandir a base de fãs, fazer com que as pessoas oiçam e fiquem interessadas, e a apontar para a direcção [em que vamos], a tentar conquistar algum pessoal para embarcar nesta jornada connosco.
Com quem estás a gravar o disco?
Muito do trabalho actual tem sido feito com o Josh Grant, que é o produtor-executivo. Uni esforços com a lenda Harmony Samuels, que já fez tanto de incrível; trabalhei com o Bongo. Quem mais? Há um número de pessoas… há tanta gente… não me consigo lembrar de nomes, não porque não me recordo de quem são, mas… [pausa] Foram incríveis, e foi óptimo trabalhar com eles…
Veremos os créditos quando saírem.
[Risos] Verão os créditos.
Que mensagem pretendes exprimir com esse disco?
Neste momento, o mais importante é trazer esperança — é essa a única coisa que quero trazer às vidas das pessoas. Muita gente acha que [a esperança] não existe de momento, não a conseguem ver e portanto, para mim, isso é algo que eu quero fazer, [para além de] contar histórias, trazer alegria e felicidade… e um pouco de… aquele sentimento de não estares sozinho naquilo que estás a passar. Quero trazer muita esperança e reconforto, e às vezes precisas de um artista — esses seres humanos [supostamente] intocáveis — que o faça.