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Texto: ReB Team
Fotografia: Chikolaev
Publicado a: 04/10/2019

Slow J, Young M.A, Stormzy, DJ Shadow, AMAURA, Jenny Hval, Charli XCX e FKA twigs nas escolhas do mês de Setembro.

#ReBPlaylist: Setembro 2019

Texto: ReB Team
Fotografia: Chikolaev
Publicado a: 04/10/2019

Há vozes doces e nacionais (Slow J, Sara Tavares e AMAURA), há corpos pop mais leftfield(Charli XCX, FKA twigs e Jenny Hval), há rappers de mão-cheia (Young M.A e Stormzy) e há produtores veteranos que continuam na linha da frente (DJ Shadow). O que não há é vontade de fechar fronteiras, pelo contrário: daqui para a frente, a ideia é expandir até onde for minimamente interessante.


[Slow J] “Também Sonhar” feat. Sara Tavares

Sem qualquer tipo de aviso prévio ou promoção, Slow J lançou You Are Forgiven, disponibilizando uma banda sonora para os últimos dias de Verão para todos aqueles que esperavam ansiosamente pela sequela de The Art of Slowing Down. Mas o artista nascido João Coelho mostra-nos desde o início que este projecto vai ser diferente: “Também Sonhar” dá o mote para um álbum mais pessoal, introspectivo e emocional que tudo o que o antecedeu.

O crescendo de teclas que ouvimos a iniciar a música culmina na bonita voz de Sara Tavares e sentimos o começar de um novo dia, alguma clareza no meio da (por vezes) conturbada caminhada em que todos nos encontramos. Na primeira estrofe, Slow J soa despido, com as suas palavras a ecoarem pelo tema acompanhadas por um piano introspectivo. Fala das dúvidas e angústias da vida de músico, em que se ama o que se faz, e no refrão questiona-se sobre a sua escolha, sobre o que quis e o que quer realmente. A maneira como o faz é genuinamente sua: a sua voz, instrumento malabarista que desafia todo e qualquer rótulo, soa como um latido melódico, há algo de verdadeiramente tocante na maneira como entoa a pergunta. Não é arrependimento, mas soa ao processo mental que surge desse sentimento, o questionar das decisões que nos trouxeram até esse momento.

A segunda estrofe é mais esperançosa, com a batida sonicamente — e simbolicamente — a entrar a todo o vapor. O organizar de ideias, o redescobrir da chama que alimenta a sua veia criativa, o processo que o fez ultrapassar os obstáculos, tudo isso é acompanhado pelo piano ponderado que não sai de casa e a percussão que não sai da pista de dança. Depois deste momento surge a certeza, a confiança de que se está no caminho certo: ajudado por Sara Tavares, Slow J atinge a catarse: “Agora eu sei o que é que eu quis”. O outro final responde-nos a isso dizendo que o caminho é continuar a sonhar, não há espaço para dúvidas, e a parte instrumental serve simultaneamente de ponderação para Slow J e para o ouvinte. Porque no final de tudo, o que queremos é simples: “olhar ao espelho e saber que eu tentei o meu”. “Também Sonhar” é o título mas “sonhar sempre” é a mensagem com que Slow J abre o seu mais recente trabalho. E se é para sonhar ao som de temas como este, que nunca mais nos acordem.

– Miguel Santos


[Young M.A] “No Mercy (Intro)”

Young M.A tem nos alimentado bem até agora. Desde que explodiu em 2016 com o contagiante “OOOUUU”, a rapper de Brooklyn somou uma catadupa de hits que em pouco tempo colocaram-na num pedestal.

“PettyWap”, “Praktice” ou “EAT” confirmaram o talento e naturalidade para o wordplay, cheio de duplos sentidos, entregue sempre num tom sereno e despreocupado, como se rimar fosse a coisa mais simples desta vida.

É ainda do alto do pedestal que MA atira-nos “No Mercy (Intro)”, que, como o próprio título indica, é uma introdução ao novo álbum: Herstory in the Making, pronto a ouvir.

A faixa não foge muito ao que até agora conhecemos. Vídeos minimalistas, de uma conversa cara-a-cara com a câmara, punchline atrás de punchline. A fórmula é simples, mas funcional. O piano carrega a energia da faixa, amenizando a melodia e acelerando o ritmo a seu bel prazer. Do outro lado, a voz de MA acompanha a intensidade ditada pelas teclas, gabando-se do seu street status, origens e sexualidade.

Sem piedade nem de nada, nem de ninguém.

– Hugo Jorge


[Stormzy] “Sounds Of The Skeng”

Os mais puristas não se impressionaram facilmente com Gang Signs & Prayer. O rapper que pegou fogo às ruas de Londres com inúmeros freestyles assinou um contrato com a Warner Music Group para a distribuição do seu álbum de estreia, que se revelou um autêntico sucesso comercial embora a qualidade do produto final não se coadune com a alta expectativa criada, com a produção a ficar bastantes furos abaixo daquilo que a voz e os flows de Stormzyrequerem. Dois anos depois, podemos agora estar próximos de encontrar a sucessão desse primeiro disco. E as primeiras pistas não param de impressionar. Há quatro temas novos em 2019 por parte do homem que quer reclamar o trono do grime e do trap no Reino Unido, dos quais se destaca este “Sounds Of The Skeng”, um dos mais recentes singles, banger assombroso em que se denota um upgrade à produção do veterano Sir Spyro, no qual as rimas de Stormzy deslizam mais lubrificadas do que nunca numa prova de variações de velocidade, egotrip e conquistas em tempo recorde que envergonham até alguns dos feitos dos “colegas” americanos.

– Gonçalo Oliveira


[DJ Shadow] “Rosie” 

Depois de ter apontado caminho para Our Pathethic Age com “Rocket Fuel”, single que conta com participação dos De La Soul, DJ Shadow justificou a dualidade do seu próximo álbum com a revelação de “Rosie”, tema instrumental. É que o trabalho que o DJ californiano revelará em Novembro faz-se, precisamente, de duas suites, uma com temas vocais que recorrem a vários convidados, outra instrumental em que Shadow opera em modo solitário.

Tal como já tinha sucedido com “Rocket Fuel”, DJ Shadow voltou a contar a história por trás do sample que deu origem a “Rosie”, o último tema a ficar pronto de Our Pathethic Age. O sample é de um registo do início dos anos 60 do trio afro-americano de folk The Phoenix Singers. Percebe-se, tal como já tinha acontecido em “Rocket Fuel” em que recorre a um orelhudo sample de um grupo de doo-wop, os Belmonts, que Shadow pretende sair da sua zona de conforto sampladélica que sempre se estendeu entre os mais profundos terrenos do soul e do funk e os mais obscuros domínios do rock, sobretudo aquele de declinação mais psicadélica.

E é igualmente interessante que Shadow, outrora dedicado protector da identidade dos seus samples, que o levavam a “escavar” mais fundo do que qualquer outro produtor, esteja hoje disponível para abrir o jogo no que à origem da matéria com que alimenta o seu sampler diz respeito. Primeiro porque o seu estatuto de decano da cultura de sampling lhe impõe obrigações morais e legais perante os músicos que sampla, segundo porque obviamente Shadow já percebeu que é difícil manter segredos na idade da Internet.

O homem de Endtroducing continua a valorizar o processo da procura, portanto, quase tanto quanto o resultado final, o que é louvável numa era em que tantos produtores se limitam a procurar no YouTube a matéria-prima para as suas criações, menorizando o acto do mergulho e da imersão nos artefactos que retêm a memória. E, como “Rosie” deixa claro, nos seus três distintos “andamentos” com que o produtor ilustra o seu próprio percurso técnico, quando o processo é valorizado, o resultado final é quase sempre entusiasmante.

– Rui Miguel Abreu


[AMAURA] “Voyerismos De Memória”

Se existem géneros musicais com falta de representação em Portugal, o r&b e o neo-soul aparecem certamente no topo dessa lista. E, até aqui, nada de errado: não se tem de ter de tudo, mas nunca fez mal um pouco deste tipo de expressões específicas que, grande parte das vezes e em versões mais modernas, juntam a capacidade vocal dos seus protagonistas a escritas honestas e infalíveis, tudo isto suportado por instrumentais lentos, libidinosos e sem pressa para chegar ao destino. Afinal de contas, o que interessa é a viagem.

Encaixando em tudo o que se falou antes, AMAURA aparece depois de brilhar nas canções dos outros durante os últimos anos, erguendo-se agora a solo com uma confiança aparentemente inabalável. São vários os exemplos dessa atitude, mas o refrão da nona faixa de EmContrastesintetiza as suas principais qualidades. “Pego nos teus dedos, faço-os saber da minha história/ Vestes-te em segredos e hoje despimos-nos em glória/ Voyerismos de memória”, canta com a sensualidade (e elegância) de quem sabe o quer e como quer.

Os ouvintes, na sua posição de receptores, só podem fazer uma coisa: tentar resistir à tentação de entrar num loop infinito dos temas que compõem a mixtape de estreia de Maura Magarinhos. Coragem para essa missão.

– Alexandre Ribeiro


[Jenny Hval] “Ordinary” feat. Vivian Wang e Félicia Atkinson

É estranho imaginar um universo onde Hval seja acessível e conceptual. Grande parte dos trabalhos dela ganha um forte reconhecimento por parte da crítica por nos envolver no centro de cenários repressivos e abstractos, mas que tentam ao mesmo tempo esticar a mão ao que se anda a fazer no synth-pop.

De Viscera até Blood Bitch, o resultado é um casamento com direito a separação de bens. Contudo, em “Ordinary”, Jenny coloca-se directamente no centro da própria análise de estudo e mostra as componentes mais relevantes dos dois lados opostos: o conveniente e o oculto, o frio e o cálido.

Tal como em temas passados, a cantora fala gentilmente sobre reflexões gnómicas do corpo humano, sobre sexualidade e perversidade. A premissa da natureza humana é posta em causa no sentido da sua finalidade e potencial. Afinal, a tradição de “reproduzir e morrer” é a parte mais banal da nossa existência, um ponto menor na plenitude de um ser físico. Para ela, deve haver mais: deve haver prazer — quer este seja sexual como cognitivo — no processo; deve haver dor, nojo, catarse, euforia – toda uma panóplia de emoções que quebrem com as platitudes do mundo. Para ela, não há pretos nem brancos, mas uma mancha densa cinzenta que alberga todas as cores.

Jenny pode ser a princesa indie que estudou Camus e Sylvia Plath, mas ela sabe desconstruir uma música pop — e esta já está feita em pedaços.

– Miguel Alexandre


[Charli XCX] “Shake It” feat. Big Freedia, CupcakKe, Brooke Candy e Pabllo Vittar

Ser visionário raramente implica fazer tábua rasa de algo. Quem o quer ser na música pop, que cada vez mais define um universo difícil e escorregadio, tem sempre de se agarrar ao que já conhece (estruturas, apontamentos orelhudos de instrumentos e teclas) — nem que seja para o desfazer. Charli XCX já não tem de almejar a essa cátedra, que ocupou através da sua afiliação à cena PC Music e dos discos Number 1 Angel e Pop 2. Fê-lo como? Não exactamente pela invenção sonora, mas pela desfiguração de estéticas bem conhecidas, pela repatriação de elementos externos e pelo consórcio de vozes destemidamente díspares.

Charli é a conclusão lógica dessas premissas (acrescido de alguma gordura, nos únicos momentos em que faz pouco por se demarcar do modelo vigente na pop). Como o descrevemos na nossa crítica, “a fácil digestão é comprometida por um recheio de detritos metálicos e abordagens oblíquas, que seriam incompatíveis com canções prêt-à-porter”. Mas isso remete para os momentos que nos situam em território adjacente à rádio — claro que em ondas distorcidas e numa utopia transgressiva. “Shake It” não é um deles.

“I shake it, I shake it, I shake it, ooh”: o pedaço da abertura é uma repetição oca e de textura vaga (aparentemente…). XCX não diz nada, porque é suposto não dizer nada. As artérias desta música, desenhada à imagem de “I Got It” (de Pop 2), são os artistas convidados, cujos versos dispostos em formato corte-e-costura são unidos pela cola desse refrão rudimentar de XCX. Mas ainda antes de chegarmos a este ponto, há um momento para congelar a terra. A voz de XCX é modulada para chegar a dois extremos: vai a uma frequência altamente metálica e aguda, como se convertida em cobre; de repente, é água a ser bochechada, a gingar nos ouvidos.

Por cima de teclados como sirenes e um groove digno do seu estilo, Big Freedia continua a propagar o bounce de Nova Orleães que ajudou a definir nos anos 90; o estilo mais pervertido e perturbador de Brooke Candy ruma ao sexual, para depois CupcakKe espetar a sua bandeira no solo, com barras que não se reproduzem aqui por risco de indecência (começa por sussurrá-las, o que é um toque de génio). É um brutal crescendo até à estonteante, terminante participação de Pabllo Vittar, que sobe à estratosfera ao passo da radicalização da música.

Se isto é pop, é na medida de aglutinar mil coisas sem nexo e torná-las numa embalagem compreensível de quatro minutos. Mas o que nos diz esta música sobre a pop actual, quando parece tê-la dissolvido, ou saltado para outro universo? Esta é a sua visionária, mas até quando?

– Pedro João Santos


[FKA twigs] “holy terrain” feat. Future

Mantendo a típica estranheza (ou individualidade…?) do sampling ou dos timbres da música de FKA Twigs, “holy terrain” destaca-se como uma das suas músicas mais simétricas, não literalmente. Mas a estrutura de canção, a batida electrónica e pratos de choque muito voltados para o trap, revelam não só atenção relativamente ao que se passa na música dos últimos anos, mas também alguma sensação de conforto num registo musical apetecível. Mais facilmente consumida, o mais recente tema não deixa de ter a personalidade de Tahliah Barnett no que toca à sempre distinta performance vocal.

twigs não é estranha a colaborações com rappers: já tinha trabalhado na incrível “Fukk Sleep”, canção pertencente a TESTING, de A$AP Rocky. No entanto, esta colaboração com Future parecia, na teoria, mais arrojada. No entanto, e ouvindo o verso do rapper americano, um cenário no qual esta junção não faz sentido passa a ser uma ideia estapafúrdia. Mais curiosa, ainda assim, é a presença de Skrillex e de Jack Antonoff (trabalhou com Taylor Swift e Lana Del Rey) nos créditos da produção de “holy terrain”. Quartetos improváveis que só poderiam acontecer nos meandros da pop.

Salva-se a singularidade da artista num sample de música búlgara que surge no princípio e no fim. Um excelente avanço para um muito aguardado disco.

– Vasco Completo

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