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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/03/2023

Dicas do mês.

#ReBPlaylist: Fevereiro 2023

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/03/2023

Podia ser mais uma rubrica de Paulo Pena, mas é, na verdade, fruto de um trabalho em equipa: o hip hop domina na lista de canções que obtiveram maior airplay dentro da redacção do Rimas e Batidas e, dentro dessa esfera, é consensual a preferência pelas “barras” escritas na língua de Camões, com xtinto, Tilt e Wet Bed Gang a elevar essa mesma bandeira do rap cantado em português. Lance Skiiiwalker (com Isaiah Rashad), Ghetthoven e a colaboração entre Arooj Aftab, Vijay Iyer & Shahzad Ismaily dão por completa a segunda #ReBPlaylist deste ano.


[Ghetthoven] “Magical City”

Escutarmos a voz de Ghetthoven é, sem dúvida, um mote de que o dia vai ser excelente. Pode até ser um dia melancólico – daqueles onde a moleza quase nos conquista – mas o ritmo e o coração do timbre de Igor Ribeiro pulsa-nos sempre em frente. Em direção, pois claro, a uma pista de dança. É esse o destino que Ghetthoven nos propõe e uma faixa como “Magical City” é a banda sonora que nos cai aos pés, faz-nos abanar a anca, nesse club noturno onde queremos pernoitar infinitamente.

“Magical City” – o primeiro avanço de um disco a ser editado mais para o final de 2023 – é uma canção maravilhosa. É neo soul progressivo, r&b em junção com elementos de eletrónica minimalista, libertação pura na sua instrumentação esparsa onde se clamara por uma utopia onde a liberdade triunfa, a pista de dança é o local de comunhão – é uma cidade mágica, podemos dizer – e a música negra, sempre futurista, é a chave para desbloquear novos rituais e mundos. Mas isso, como sabemos, já o é – porque sempre o foi.

— Miguel Rocha


[xtinto] “Katrina”

Trovões e piano. É assim que xtinto nos introduz ao seu muito aguardado álbum de estreia, Latência. Mas desenganem-se aqueles que pensam que há algo oculto por estas terras sonoras: o talento de Francisco Santos está à vista de todos, que o diga a melódica e progressiva “Katrina”.

A faixa escolhida pelo rapper de Ourém para iniciar o seu projecto não foge ao que já nos habituou, mas a escala é diferente, há mais ambição e seriedade. É uma música populada por engenhosas metáforas desde o primeiro segundo – “Eu escondo pés de barro com o meu gigantismo” encapsula perfeitamente como a insegurança assola até o maior dos Golias – o seu instrumental é meticuloso, crepuscular e a voz serpenteante do artista transfigura-se eficazmente ao longo do tema. O refrão é dedicado a um amor profundo, seguindo as pisadas de outro rapper que já professou a sua paixão ardente pela musa sonora. Mas o caminho é outro, e xtinto sai da cama para as bocas do mundo com um tema que tem nome de furacão e toda a sua intensidade.

— Miguel Santos


[Tilt] “Espinhos”

“Isto é dedicado a todos os que sofrem da mesma maldição, e que merecem a tal lição”. Cedendo, reticente, ao pedido das vozes que lhe pedem para “baixar a guarda”, Tilt expõe-se em “Espinhos”, ao som da poesia que lhe sai da carne e gera ferida exposta, num contexto premeditado; afinal de contas, “p’ó artista o sangue é tinta” e estamos a falar do nosso mais distinto Picasso.

Pintando as mágoas com a voz e preso num eco de quem se diz isolado, esta música surge como um desabafo que se sente de longe, provando a léguas que tem “silvas na mente” e que não há grande escolha se não deixar brotar um jardim obscuro e forçado fora de si. Mas enquanto brada aos céus que o melhor é ficar afastado, em tom de aviso, somos puxados pelas ramificações da sua escrita tipo lasso e quando damos por nós estamos a ouvir isto em loop. E não é razão para menos: todos estes versos são disparados sobre um nostálgico instrumental de Martello Sousa, que soa exatamente ao que se sente ao voltar para casa numa noite fria, a arrastar os pés pelo cimento e guiados pela luz tímida dos candeeiros de rua, com demasiado na cabeça – algo perfeitamente captado por Sebastião Santana, no vídeo que acompanha esta confissão.

Ao longo de quase quatro minutos, testemunhamos uma clara luta entre ambos os lados de alguém que se fecha em copas e mete na fachada um sinal a dizer “cuidado com o cão” – e ai de quem se aproxime – mas que, no fundo, de onde nasceu a semente, sabe que deveria “guardar a espada e destruir muros, limar os espinhos”, sem negar a quem estende uma mão amiga, em prol de um espírito mais sossegado. E é sob este manto denso que, mesmo sombrio, se revela como uma enticante paisagem, montada ao jeito de um dos maiores génios do oculto, que Tilt nos presenteia há anos com algumas das melhores faixas que se ouvem por estes jardins proibidos do hip hop português, com uma consistência que não só é de louvar, como certamente ficará na história. Assim, ignorando os avisos e qualquer ameaça, há que aprender a tal lição e ver para além dos espinhos, sem medo de vazar uma vista, recebendo como recompensa o vislumbre de humanidade deste monstro da escrita, que dá aulas de como purgar os confins de alma a qualquer que seja o curioso que se atreva a olhar para lá do arame farpado.

— Beatriz Freitas


[Lance Skiiiwalker] “Sample Talk” feat. Isaiah Rashad

Cada um com as suas, mas há umas piores que outras: por exemplo, quem retira prazer de sons e barulhos desconcertantes, caracterizados nos confins menos apelativos da Internet pela sigla “ASMR”. Se é para nos falarem ao ouvido, que seja como Lance Skiiiwalker e Isaiah Rashad — e, de preferência, com alguma coisa para dizer. Daí que a (boa) conversa de “Sample Talk” seja música para os nossos tímpanos: pôr em palavras (à boleia da deixa do baixo) o sentimento de descobrir “O” sample desbloqueador da criação é feito pelos dois artistas da TDE com uma simplicidade de tal forma certeira, que a experiência se torna relacionável até na perspectiva do mais comum consumidor que não ocupa domingos e feriados a vasculhar vinis em caves. O efeito boom, capaz de partir a quarta parede aos mais sensíveis a este truque de ilusionismo, é, por isso, universal tanto a criadores como a meros ouvintes. Mais: é a partir daí que uns comunicam com os outros. E é, precisamente, nessas — por vezes ínfimas — amostras reinventadas que a magia do hip hop acontece.

— Paulo Pena


[Wet Bed Gang] “Visão Noturna”

Coroaram um arranque de ano fulminante para o hip hop português. Depois de T-Rex e xtinto, foram os Wet Bed Gang quem deu um passo em frente para editar Gorilleyez ainda antes de findar o segundo mês de 2023. Com três fortes contenders a disco do ano cá fora, a trupe de Vialonga ganha pontos extra em cima do palco: os anos de experiência aliados a um portfólio recheado de clássicos (de “Devia Ir” a “Bairro”) ajudaram a protagonizar noites memoráveis no Campo Pequeno, em Lisboa, e na Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, no Porto. Envoltos neste momentum, o quarteto composto por Gson, Kroa, Zara G e Zizzy Jr. assinou um das descargas líricas mais electrizantes em “Visão Noturna”, o tema não-single de Gorilleyez que mais tracção tem ganho de forma orgânica pela demanda que está a ter lugar nas plataformas de streaming.

— Gonçalo Oliveira


[Arooj Aftab, Vijay Iyer & Shahzad Ismaily] “To Remain/To Return”

É um profundo pedaço de estranha magia, este encontro entre o pianista Vijay Iyer, a cantora Arooj Aftab e o multi-instrumentista Shahzad Ali Ismaily. Explica-nos Iyer: “A nossa música é um processo. Este fragmento de ‘To Remain/To Return’ revela não apenas a melodia, mas o nascimento de uma canção. Ouço Shahzad e eu próprio a estabelecer estes ciclos assombrados, depois lenta e delicadamente transformando-os, enquanto Arooj desliza como uma lua escura”. Nuff said: este é um momento de uma tão rara quanto funda beleza, música espiritual na mais plena acepção da palavra. Música em que todos nos podemos e devemos perder.

— Rui Miguel Abreu

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