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Texto: ReB Team
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 10/02/2023

Uma caneta que não esgota.

Faixa-a-faixa: Latência de xtinto explicado pelo próprio

Texto: ReB Team
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 10/02/2023

Latência, o primeiro álbum de estúdio de xtinto, acaba de ser editado, três anos depois da estreia a solo do rapper de Ourém com o duplo lançamento de Ventre Inacabado, em finais de 2019. O novo disco conta com 12 faixas, entre elas os singles “Marfim”, “Éden” (com benji price), “Android” e o ainda fresco “Cadáver”.

Antes de Francisco Santos mergulhar a fundo numa entrevista sobre o seu mais recente trabalho, passou a pente, tema por tema, o seu primeiro longa-duração, em conversa com o ReB no estúdio da MUNNHOUSE, com a presença de Lunn, Beiro e Billy Verdasca, todos eles peças-chave na criação desta obra.


[“Katrina”]

“O ‘Katrina’ era uma faixa que eu tinha com o Billy [Verdasca]. Foi uma daquelas faixas que fizemos na quarentena, quando estávamos em Ourém — eu passei a quarentena quase toda em casa do Billy e estávamos a fazer música —, e foi daquelas faixas que eu guardei sempre numa gaveta especial, porque sabia que iria querer usá-la. E quando apresentei aqui no estúdio ao benji [price] — acho que nesse dia [também] estavam o Lunn e o Kidonov —, ele começou logo a dar um arranjo novo à cena; aquele piano que vocês ouvem ao longo do ‘Katrina’ foi feito pelo benji e pelo Kidonov. Depois, a faixa era só aquela parte inicial de ‘Escondo pés de barro no meu gigantismo…’, aquele, digamos, mega-hook. É assim que eu vejo as coisas estruturalmente: mega-refrão, depois um verso, outra vez o refrão, e no fim tem aquele switch, que surgiu mais tarde. Foi o benji que sugeriu que eu metesse aquele verso e que isto fosse a introdução do álbum, porque ele achava que era uma faixa forte para introduzir. O verso foi escrito já com a certeza de que isto ia ser a introdução — por isso é que é um verso que dá bem as boas-vindas do que vai ser o resto do álbum. A primeira dica é ‘Saí da cama para arrumar mobília do meu medo e dei ghost/Vim da lama para a honrar, eu escolho a família a dedo e ‘tou pronto’. É por isso que eu digo que esta é a introdução de um álbum que é íntimo. Depois, à medida do álbum percebe-se com os interlúdios e tudo mais.”


[“Pacemaker”]

“O ‘Pacemaker’ foi uma faixa produzida pelo TOMMAS e pelo Lazuli, e foi daquelas de surgiu de forma natural: estou em casa, vou ver o que é que os producers me andam a mandar, e essa faixa saiu logo. No dia a seguir estava no estúdio a gravar com o benji. E o ‘Pacemaker’ fala muito de ‘A tartaruga passa se o coelho se deita’ — de não dormir na baliza e não deixar que seja uma outra força, artificial, a motivar-nos a fazer algo. Daí a metáfora do pacemaker; fazer as coisas por nós. Também vai muito na vibe íntima que eu quis dar à cena, e quero que os meus oiçam e sintam que eu estou a pensar neles quando estou a criar.”


[“Android”]

“Depois é o ‘Android’, que é uma faixa que já está cá há algum tempo, o penúltimo single do Latência, e é uma faixa de amor que na altura fiz com o Naife numa residência artística que fizemos em Leiria. Surgiu essa malha e, depois, trouxe-a para trabalhar com o benji porque achei que tinha potencial. Foi um processo rápido.”


[“Tontura”] ft. Wugori

“É uma faixa mais gozona, digamos assim. É daquelas faixas que eu gosto no rap, que é punchlines e dicas que a malta acha piada. E decidi convidar o Wugori… Aliás, eu convidei-o para uma sessão sem saber o que ia sair dali. Por acaso tem piada, que a minha ideia era fazer meio que uma posse cut, então nesse dia convidei o Wugori, o L-ALI, o Chapz, o Guire também veio — que foi ele que produziu o ‘Tontura’ —, e não sei se tinha mais alguém na calha… Mas eu queria fazer um som com esses rappers, que são dos meus rappers preferidos aqui em Portugal, e nesse dia só apareceu o Wugori. Então, nesse dia, eu saquei esse refrão num beat do Guire, o Wugori escreveu aquele verso em uns 15, 20 minutos e gravou. A gente divertiu-se imenso nesse dia, mas eu nunca pensei que fosse uma faixa que fosse entrar num projecto meu. Mais à frente, quando a reouvi, pensei ‘vou escrever um verso para isto, e isto vai entrar no projecto’.”


[“Loop”]

“O ‘Loop’ acho que foi a primeira faixa que eu fiz com o Lunn. Há quase dois anos que ando a trabalhar com o Lunn — e a passar quase todas as minhas semanas com ele. E acho que foi mesmo no segundo dia em que a gente se conheceu: fomos para casa dele, sacámos essa música e isso, basicamente, partiu… Há muitas músicas minhas que começam com trocadilhos que eu tenho no telemóvel, coisas, frases que eu realmente quero usar, e esse é um caso. Queria usar o trocadilho ‘atento ao kumbu’ com o [Giannis] Antetokounmpo, o jogador da NBA. A partir daí foi-se tornando, também, uma faixa bué íntima, em que falo de Ourém, etc. Depois, a outro desse som foi magicada pelo Lunn e pelo benji, a parte mais mariachi da cena no fim, que a gente gosta muito [risos].”


[“Éden”] ft. benji price

“O grande ‘Éden’, essas plaquinhas chegaram ontem [aponta para as placas personalizadas que simbolizam o marco de single de ouro]. Essa é a do João Maia Ferreira, o nosso benji, atrás está a minha, que eu vou desembrulhar com os meus pais e com a Aurora, e pronto… o ‘Éden’, não há muito a dizer. Foi mesmo uma faixa que parecia destinada a sair: estávamos no estúdio um dia, ouvimos um refrão antigo do benji, eu disse que aquilo era um grande refrão, fizemos um verso cada um e no dia a seguir já estávamos a dizer ‘Billy, consegues fazer um clip para a gente lançar para a semana?’… foi uma pedra no charco. É a minha faixa mais ouvida — não é a dele [benji price], mas é a minha [risos].”


[“Carvão”]

“O ‘Carvão’ também resulta da minha convivência com o Lunn; uma das faixas que a gente fez na antiga casa dele. É das minhas faixas favoritas do projecto, e acho que deve ser o exercício mais lúcido que eu tenho no sentido de… o segundo verso é muito explícito, muito na cara das pessoas, que é uma coisa que eu não costumo fazer muito. Não há muito que pensar ali, é exactamente o que está ali escrito. 

Eu queria usar a dica do [Hospital] Júlio de Matos há algum tempo, e achei que esta faixa era o ideal. Depois, o skit do João César Monteiro acho que explica bastante bem o que eu sinto em relação a todas as coisas que faço, que é: estou satisfeito na medida em que é possível estar satisfeito, e digamos que não me envergonha. O reflexo de todo o trabalho que eu faço é esse. Como o Hélder [L-ALI] dizia, Raramente Satisfeito; como o benji disse imensas vezes quando lançou o ígneo, ‘trabalho não se acaba, desiste-se dele e entrega-se às pessoas’. E Latência é isto ao máximo — uma preguiça que se veio prolongando, e que teve de ter um fim.”


[“Iglu”] ft. Mike El Nite

“O ‘Iglu’ é uma faixa bastante trappy, bastante Think Music. Tem o meu caro amigo Mike El Nite, é produzida pelo benji e é uma faixa de punchlines. É dos meus versos favoritos, também — acho que tem boas punchlines, bons flows, que eu gosto bastante.”


[“Noé”]

“O ‘Noé’ também é daquelas faixas que surgem de frases que eu quero muito meter em sons, que é ‘ver se duvidam do Noé quando vier a chuva’ — tipo, ‘quando chover, não digam que não avisei’. Por isso é que, no fim, o skit é do DEZ a falar da nossa zona, que no início, quando fazíamos rap, não nos levavam tão a sério, e depois tivemos que dar provas para, finalmente, nos levarem mesmo a sério — até que agora levam. Quando oiço essa frase, penso sempre de forma mais local, da minha zona, porque é mesmo eu a dizer ‘eu avisei…’ [risos]. Se bem que a frase pode tomar vários sentidos, e é isso que é fixe na escrita.”


[“Diabo”]

“O ‘Diabo’ é a segunda faixa do álbum que é sobre amor, e vem exactamente na ressaca do ‘Android’. Ou seja, no ‘Android’ eu estou, explicitamente, a dizer que alguém de quem eu gosto me atormenta de certa forma, ou já não está e vai estando presente… E o ‘Diabo’ tem uma narrativa: o primeiro verso é ainda muito em retrospectiva do que foi essa relação, e depois o segundo verso já é mais a minha actual situação e, lá está, a tal superação. Por isso é que o último refrão depois também não tem a lead vocal, tem só o falsete atrás. Eu queria dar uma [perspectiva] de viagem, tanto que o ‘Diabo’ tem carros a passar, aquela vibe neon, estrada…”


[“Marfim”]

“O ‘Marfim’ foi o primeiro single, que ainda nem sabíamos que ia ser um single de um álbum que depois veio a ser o Latência. Digamos que foi o primeiro estímulo até ao resultado final. É uma faixa bastante importante para mim. Aquilo já tinha uma conotaçãoi muito forte quando a gravei com o benji, que foi uma sessão de estúdio mesmo intensa pelo texto que é, e depois o benji sacou aquele refrão… Foi mesmo daqueles dias de estúdio em que nos sentimos completos. Estávamos a voltar para casa, a ouvir a faixa 70 vezes no caminho… E depois ganhou um outro peso nos meus live acts, que o primeiro que eu tive foi logo em Coimbra, com uma crowd incrível, e ouvir aquela malta toda a cantar aquilo foi mesmo… eu lembro-me que nesse concerto nem estava a acreditar no que estava a acontecer.”


[“Cadáver”]

“É uma canção sobre o sucesso póstumo, e acho que é o ponto final ideal; o clip retrata muito bem isso, também. O clip tem uma ‘metáforazinha’, que é o xtinto do cadáver matar os outros alter-egos naquela sala de brainstorm. Se a malta quiser analisar aquele quadro que aparece, tem lá referências a todas as faixas. Na altura em que fizemos o clip ainda não estávamos certos do alinhamento, então decidimos que o alter-ego que íamos enterrar era o do ‘Android’, que tinha sido o single que antecedeu o ‘Cadáver’. 

A nível de produção, a base era toda do benji [price] ao início. Depois, fui ao Porto, mostrei essa faixa ao Beiro, e ele disse ‘neste switch tenho aqui umas ideias…’ — e eu estava a precisar que aquilo ficasse um bocado mais fresh, porque o meu ouvido já estava um bocado cansado da demo. Decidi aceitar, e adorámos tudo o que o Beiro fez: free jazzShout out, também, ao Fred Severo no baixo e ao Kidonov na mix. É uma faixa que eu gosto muito, e decidi escolher para single não por ser um single comercial óbvio, mas porque eu acho que é um statement fixe.”

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