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Texto: ReB Team
Fotografia: rayscorruptedmind
Publicado a: 06/01/2020

Ponto final e parágrafo.

#ReBPlaylist: Dezembro 2019

Texto: ReB Team
Fotografia: rayscorruptedmind
Publicado a: 06/01/2020

No último mês de 2019, rezámos e pecámos, dançámos e chorámos, aproveitámos os altos e os baixos com a mesma intensidade. Tudo isso foi também um reflexo da evolução dos tempos: é cada vez mais difícil pararmos, mas não queremos deixar de sentir tudo na mesma. Dentro dessa velocidade dos dias e desse paradigma de se viver entre dois mundos, há sempre a tentativa de condensar da melhor forma o que se passou e brincar com a própria noção de tempo. Esta é uma das nossas maneiras de fazê-lo: novas remisturas, novas versões e novos formatos são parte desta selecção que inclui temas de Brent Faiyaz, Allen Halloween, Nazar, Drake e André Henriques, entre outros.


[Sunday Service Choir] “Father Stretch”

Após um lançamento que desapontou muitos dos seus fãs, eis que Kanye West, pondo a voz de lado e pegando na batuta, criou finalmente aquilo que prometera com Jesus Is King mas que não conseguira atingir: lograr, em pleno final de 2019, reintroduzir a música gospel nos ouvidos das pessoas através do hip hop, com uma sensação de frescura sonora e conceptual que falhara no longa-duração lançado em Outubro deste mesmo ano. Kanye juntou-se ao grupo coral The Samples para criarem o Sunday Service Choir, que se juntam todos os domingos desde o início de 2019 para criarem um espectáculo que alia toda a glória e energia da música gospel ao cérebro do artista, que é talvez o mais megalómano deste século, culminando numa sessão semanal que une os meios de uma grande produção ao talento dos membros do coro, todos guiados pela espiritualidade, pela fé e pelo ritmo.

Lançado no dia 25 de Dezembro, data que não foi escolhida ao acaso, Jesus Is Born é o primeiro lançamento deste projecto que apresenta reinterpretações de músicas antigas do artista e novos temas (alguns deles fariam, supostamente, parte de Yandhi).

“Father Stretch” apresenta-nos uma versão fresca de Father Stretch My Hands pt.1, segunda faixa de The Life Of Pablo, mais ligada à música original que Kanye bebeu para construir estas duas obras, “Father Stretch My Hands” do Pastor T.L Barret, que data dos anos 70. A energia gospel da primeira é clara, e funda-se com a produção de Kanye West e com arranjos ligados ao hip hop através de sintetizadores e bateria acústica, ainda com os versos de Kid Cudi ligeiramente alterados — os versos de Kanye desaparecem, a promiscuidade não tem lugar neste novo projecto. O clima é de festividade e alegria, de partilha de crenças e de agradecimento a Deus, concebido com tamanha intensidade que não passará despercebido nem à pessoa mais agnóstica do vosso grupo de amigos. Apesar de uns últimos anos mais pobres (com pobres diga-se lançar um dos melhores álbuns de 2018, Kids See Ghosts, e produzir outro que entra na lista, Daytona), voltamos a ver um dos artistas do século voltar a marcar o panorama musical com algo que nos soa a novo nos ouvidos, e que, após uns últimos anos muito conturbados (artística e psicologicamente falando), aparenta estar a atingir tranquilidade e paz de espírito, paz essa encontrada em algo tão e poderoso que nem o seu próprio ego consegue ultrapassar.

– Francisco Couto


[Brent Faiyaz] “Rehab (Winter In Paris)”

Há algo de sedutor mas também de intimidante na voz e no discurso de Brent Faiyaz. Longe de ser o típico crooner da cultura r&b, que facilmente descai para a pop descartável pelo excesso de romantismo e frases feitas, os quadros pintados pelo artista de Maryland soam-nos bem mais reais do que as histórias de fantasia que qualquer adolescente quer consumir e associar a momentos da sua vida.

Provavelmente não teríamos Brent Faiyaz se este não se tivesse cruzado com os exemplos — e especialmente a entrega — de outras vozes como as de Usher, Mario ou R. Kelly, mas a forma como mistura os episódios de uma série que apenas se assiste nas ruas a declarações fortes de desejo e de pertença fazem-no ir de destemido a vulnerável num piscar de olhos. No vídeo que acompanha “Rehab (Winter In Paris)”, o segundo avanço do seu próximo disco, há um grupo de mulheres dispostas a servirem-no a qualquer hora do dia antes de se voltar a render aos encantos daquela que se destaca das demais. “I got too many hoes, but they ain’t you” é a conclusão que chega logo no arranque da balada movida a estalos com os dedos e uma linha de baixo mergulhada em banho de dub, que tem mão de No I.D. na produção.

– Gonçalo Oliveira


[André Henriques] “E de repente”

Um ribombo troveja sobre a televisão: é o anúncio da nova digressão dos Linda Martini. Dos maiores consensos na música portuguesa desde 2006, o quarteto lisboeta continua a dar vida a rock mais pontiagudo, e faz pouco caso desta ronda de Coliseus; quando já é a segunda, trata-se de uma banda sedimentada. E, ainda assim, cada grão tem liberdade para se separar do bloco: Hélio Morais vive num rodopio entre os Martini e os PAUS; Pedro Geraldes é também metade da Mão Verde (com a parceira Capicua). “E de Repente”, é a vez de André Henriques, com um trovejo diferente.

Título certeiro, porque nos chega de rompante e em movimento pouco pronunciado. Os impulsos de guitarra, que se entrelaçam no pano de fundo, são a ambiência bem comportada; quase que dizem “silêncio, que vem aí história”. Começa com a paixão por uma “miúda da bomba”, à primeira vista e sem correspondência. Muda de figura com um assalto à mão armada, à chamada de um bombo, que esteve o tempo todo à espreita, ciente do destino. O nó-da-intriga que é um paradoxo, ao trazer logo a salvação do Deus ex-machina — e não termina.

A voz salgada de Henriques vai do mundano quase grotesco (“gasolina sem chumbo”) à violência transcendente (sem citação, para evitar o spoiler) em menos de um minuto. Linguagem íntima ou espumante, nos tempos certos. Um sonho à luz do dia, imersivo se não deludido; daqueles que se concebe para suportar a espera na fila para o café ou para o combustível, antes de o votarmos ao esquecimento. Tivesse Henriques feito o mesmo e não teríamos hoje esta explosão musical, da imaginação mais crua. E se 2020 for o ano em que levamos a nossa imaginação mais a sério? Precisamos de disfarçar tanto aquela coisa que nos leva avante?

– Pedro João Santos 


[Nazar] “UN Sanctions”

Nazar, o jovem produtor angolano, anunciou o seu primeiro álbum, Guerrilla, com data de lançamento para 13 de Março, também pela Hyperdub. Com o anúncio, o single “UN Sanctions” veio dar o mote para o que podemos esperar do disco. O sugestivo título é o primeiro passo de uma Guerrilla que promete ser tudo menos leve e festiva. Em vez disso, o produtor opta em olhar para o sofrimento da história bélica angolana da perspectiva deum realizador de filme, contando-nos sobre a memória colectiva de um povo que sofreu com a colonização portuguesa e com a prolongada guerra civil. Embora este tema de apresentação do álbum seja mais contemplativo, menos abrasivo que algumas faixas do seu EP Enclave, tanto a direcção como a temática desse registo mantêm-se vivas para o aguardado trabalho. O próprio Nazar afirmou que o kuduro normal é demasiado upbeat, pelo que a sua abordagem não só reinventa o género, mas sim recontextualiza-o. Como tal, o produtor de “rough kuduro” mantém o groove (mas torna-o mais lento) e adiciona sintetizadores agressivos e cortantes, preenchendo as frequências mais graves com baixos possantes. Confunde todas as texturas com a adição de samples de vozes faladas ou cantadas — inclusive de Klein –, e ainda sons de armas ou variados field recordings (que nos soam a vasos partidos, por exemplo, na segunda metade do tema), numa narrativa com fortes variações dinâmicas, desde o som pulsante que guia os primeiros segundos  ao crescimento gradual da faixa ou do momento mais harmónico, a meio da música, ao caos organizado do instrumental, que o conclui. Não há estagnação na conturbada história que Nazar quer contar. Afinal, quem disse que a rave não é política?

– Vasco Completo


[Rich Brian] “Drive Safe”

Se estão a ouvir Rich Brian pela primeira vez, então não vão acreditar em como tudo começou: em 2016, um jovem rapper indonésio chamado Brian Imanuel aprende a falar inglês no YouTube, assume o nome artístico Rich Chigga, e torna-se viral com a música “Dat $tick”, onde rima sobre experiências, no mínimo, improváveis (matar polícias e conduzir Maseratis), enquanto posa com uma fanny pack gigante.

Esta poderia ser a história de mais um meme rapper que num dia rouba-nos um click e no outro cai em esquecimento. Mas não foi. Nos últimos três anos muita coisa mudou. Chigga agora é Brian. O meme agora é músico. E “Drive Safe” é mais uma prova de evolução e maturidade. O single não é propriamente novo, mas ganha uma segunda vida no formato back to basics que o canal COLORS oferece.

Em “Drive Safe”, uma melodia quente e suave abre caminho para Brian despedir-se da sua suposta cara-metade, pedindo-lhe que tenha cuidado ao conduzir na estrada – o asfalto não é mais do que uma analogia para as escolhas que fazemos na vida – e volte para os seus braços o quanto antes.

Os quatro anos de “Dat $tick” parecem agora uma eternidade. Rich Brian é músico dos pés à cabeça. Levem-no a sério porque ele merece.

– Hugo Jorge


[Travis Scott] “Highest In The Room (Remix)” feat. Rosalía & Lil Baby

O toque de midas do texano Travis Scott, recentemente anunciado como um dos nomes que mais bilhetes há-de esgotar na próxima edição do Coachella, transforma qualquer ideia num hino. É o caso de “HIGHEST IN THE ROOM”, no qual, ao lado de Rosalía e Lil Baby, abre as portas do mais recente projecto, JACKBOYS, lançado como prenda de Natal atrasada. Nem tudo tem de ser perfeito: não será o caso de a comparar com uma “Stargazing” ou uma “Sicko Mode”. Mas quando a voz de Rosalía se encontra com a de Scott numa harmonia que embala os acordes suaves, antes da maior revelação do país vizinho se entregar a um exercício braggadocious numa língua que provavelmente nenhum dos colaboradores sequer conhece, sentimos a crepitar o rasgo de genialidade que habita grande parte das canções de Scott.

– Beatriz Negreiros


[Allen Halloween] “Cobradores de Impostos”

Há uma pergunta que surge mais do que todas as outras após soarem as primeiras cordas de “Cobradores de Impostos” de Allen Halloween: “Isto é mesmo dele?” O espanto e a incredulidade são válidos tendo em conta a natureza do tema: o loop de guitarra metálica que ecoa, o baixo “cacilheiro” que contrasta com o timbre mais agudo da voz cantada mais que declamada de Allen, o solo de teclas “tropical” e discreto… a música é uma entrada atípica na carreira do rapper de Odivelas, mas a sua interpretação com garra e carácter tornam-na mais do que digna.

Originalmente criada como uma música solta dedicada a Zeca Afonso quando se assinalaram 30 anos sobre a morte do icónico cantautor português, surge agora encapsulada em Unplugueto, a mais recente adição à obra ímpar e singular de Halloween, esse testemunho sonoro de um artista de culto que é também um dos mais respeitados na cultura musical portuguesa das últimas duas décadas. Este projecto é o último da carreira do rapper, e “Cobradores de Impostos” adquire neste contexto uma nova (e bem-vinda) vida. O seu folk incorruptível de farpas desprezíveis e incisivas transfigura-se como o encerrar definitivo de uma carreira genial e talentosa. “Eu dei a César o que é de César” surge não como um grito suplicante mas como um seguro ponto final. O tributo foi pago: para Halloween está terminado o seu contributo a uma arte que sempre abordou com uma visão única. Para o seu público, é mais uma oportunidade para revisitar este fenomenal tema — que ressoa mais do que nunca com a actualidade — e apreciar a simplicidade acutilante da sua letra ou o seu instrumental atípico. É daqueles casos raros em que a música imita a química: nada se perde, nada se ganha, tudo se transforma.

– Miguel Santos 


[Drake] “War”

Apesar do título, “War”, que Drake lançou na véspera de Natal, até aponta caminhos para a paz, já que na sua altamente codificada letra o 6God parece abordar a resolução de supostos problemas que mantinha com The Weeknd, por exemplo. Mas o que surpreende por aqui é a continua procura de novos caminhos: Drake não teme nunca testar novas águas, e do grime ao reggaeton, a verdade é que o rapper canadiano já experimentou de tudo. Agora, num beat assinado pelo produtor britânico de drill AXL Beats, Drake testa flows mais próximos da cena que, como ele confessou na entrevista ao Rap Radar, tanto lhe deu que ouvir em 2019. Diga-se o que se disser deste artista, a verdade é que não há-de ser fácil para quem já demonstrou ter tantas fórmulas que sempre lhe garantem sucesso arriscar em novos modos. E “War” prova que Drake é mesmo um artista versátil, destemido, capaz de ir à guerra em qualquer cenário.

– Rui Miguel Abreu


[Cintia x Mishlawi] “Grana (Remish)”

É sempre estranho falar de Mishlawi como alguém mais velho e experiente que dá a mão aos novos talentos, tendo em conta que ele próprio ainda é bastante jovem e com uma carreira que só começou a sério depois da segunda metade da década passada. Porém, é isso que ele tem feito com nomes emergentes (primeiro com Yuri NR5, agora com Cintia), mostrando-se sempre disponível para experimentar nesses “remishes” o seu extenso leque de flows e métricas.

Na sua versão de “Grana” (que também contém os acrescentos de Davwave na produção), o luso-português não altera o tom ditado pela newcomer no original e fala, sem grandes subterfúgios, sobre um lifestyle aparentemente dispendioso que, no fim, quando tudo acalma, também exige algum descanso e relaxamento.

Apesar de se encontrarem em fases bastante diferentes da carreira, Mishlawi e Cintia descobrem aqui um lugar-comum: a procura constante pelo “luxo” e a “grana”. E pela maneira como cantam, há pouca coisa que se possa intrometer no caminho…

– Alexandre Ribeiro

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