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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/06/2021

A ironia e o cinismo enquanto facilitadores terapêuticos.

PZ: “Exponho-me mais no Selfie-Destruction do que nos outros álbuns”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/06/2021

Ainda ninguém conseguiu perceber se é hip hop ou não, mas parece que isso importa cada vez menos. PZ é Paulo Zé Pimenta, portuense que começou a sua jornada musical com apenas 16 anos e “um computador, um sampler, e um ou dois sintetizadores” no seu arsenal. A partir daí não houve nada que prendesse o potencial de Paulo Zé para criar universos paralelos. Muitos anos depois dos primeiros passos, o músico mantém o dom de criar sonoridades distintas e convertê-las em projectos únicos, criando mais do que um alter-ego para se exprimir musicalmente. Para além da sua capacidade de composição musical, o artista destaca-se também com os seus vídeos disruptivos e originais — “completo” é uma palavra que também não lhe fica mal.

De Paco Hunter — projecto desenvolvido com o seu irmão Zé Nando Pimenta — a Zany Dislexic Band — grupo de improviso criado pelos irmãos Pimenta –, o percurso de Paulo Zé conta ainda com os “devaneios puramente electrónicos” do seu alter-ego Pplectro que evoluíram para as viagens espaciais de Fancy Weapons. Mas é com PZ que Paulo Zé se mostra mais íntimo e introspectivo. Entre escárnio e sarcasmo, PZ é o universo trágicómico que escolheu para purgar a alma e onde a realidade supera a ficção.

Depois de cinco sólidos devaneios pijamísticos, PZ regressa com o seu sexto longa-duração, Selfie-Destruction, no qual “expõe as suas dúvidas, destrói as suas neuroses e usa o humor perante a trágica condição humana”, mais uma vez. Uma das próximas apresentações do álbum está marcada para o Lux Frágil, em Lisboa, a 10 de Julho.



Acho que a primeira pergunta deve ser: estás de pijama?

Isso não vou revelar. Não, neste caso não estou. [Risos] Já são três da tarde. 

O teu primeiro álbum, Anticorpos, é uma crítica a ti próprio. Depois lançaste mais quatro álbuns que são críticas ao mundo na tua perspectiva. E agora, em Selfie-Destruction, voltas ao teu “eu”. De que modo é que este trabalho descreve a tua nova luta interior? 

É um bocado como disseste, o Anticorpos é um álbum mais experimental e pessoal e, entretanto, lancei o Rude Sofisticado, depois o Mensagens da Nave-Mãe, o Império Auto-Mano. No Do Outro Lado acho que já começo a fechar um bocado o meu círculo interior e acho que este, realmente, revela-se mais pessoal, em que a inspiração, ou o que vai aqui dentro… Exponho-me mais neste álbum do que nos outros. 

E achas que isso foi uma consequência do confinamento e pelo facto de ter sido produzido em isolamento?

Pode ter ajudado, de certa maneira, mas acho que não está directamente ligado ao confinamento. Aliás, eu faço a minha música confinado no meu quarto já há algum tempo. E, nos meus outros álbuns, eu acho que cada um deles reflecte fases diferentes da minha vida e este reflecte esta fase que também passou pelo confinamento e pela pandemia. Haverá algumas letras que estão mais relacionadas com o que se está a passar, mas não foi o propósito deste álbum. 

Sendo que é um álbum muito mais íntimo do que os outros, como é que tu lidas com esta exposição? 

Esta exposição faz um bocado parte da minha terapia, de através da música exorcizar certos demónios que vão aqui dentro, ou deitar cá para fora o que sinto. E nesta altura, este álbum foi o que me fez sentido fazer. Eu não parto com uma ideia pré-concebida, as músicas e as letras vão-se desenvolvendo e no final é que eu vejo o resultado. E, lá está, se calhar nada como ouvir o álbum para se perceber o que vai aqui dentro; e serve como uma certa forma de purga pessoal e terapia usando também um certo cinismo e alguma ironia que estão presentes em algumas músicas, mas não sei porque o resultado foi este. Foi assim que me fez sentido. 

Há uma parte engraçada do press em que é explicado que este álbum é sobre a trágica condição humana e queria perguntar-te até que ponto isso é trágico-cómico acerca de um álbum feito durante uma pandemia mundial? 

Acho que tem de se tentar ver sempre o lado mais irrisório da vida e não levá-la demasiado séria. Nas minhas músicas gosto de inserir algum humor, ou variantes diferentes de aproximações musicais e literárias, e este não fugiu à regra. Mas realmente este momento que estamos a passar é muito surreal e o surrealismo também é outra das notas que eu gosto de incluir nas minhas músicas.



Mas não falas só do presente, como também vais buscar memórias de infância, como a “Dona Elisa”. Como é que fazes esta viagem temporal, sendo, claro, que a tua infância sempre esteve muito presente nas tuas obras?

Acho que sim, e tem sempre uma nostalgia por esse mundo infantil mais livre e não tão bloqueado por certas e determinadas responsabilidades que vão aparecendo. Em algumas músicas gosto de explorar isso, um lado mais naive, que gosto de expor e que neste álbum está bastante representado na “Dona Elisa”, que é inspirado pelas tardes de domingo que eu passava em casa da minha avó. 

Depois também há uma parte do press em que dizes: “Eu quero mesmo é estar ‘Em Paz Na Minha Guerra’, mas é difícil quando dantes era só croquetes e agora é ‘Fruta e Canivetes’. Como é que tu traduzes isto? 

É jogar, uma frase que vai buscar aos títulos das músicas um certo trocadilho. “Em Paz Na Minha Guerra” é um bocado sobre a rotina, essa se calhar está mais ligada ao confinamento, em que eu quero que me deixem em paz e quero estar em paz na minha guerra, na minha luta interior. “Fruta e Canivetes” é outra música do álbum que é auto-referencial, tem a ver também com a música que eu fiz dos “Croquetes”, porque dantes era só croquetes e agora é fruta e canivetes, é uma fase diferente. No press quis fazer também esse jogo de palavras, mas eu tento fazer álbuns que tratem de temas diferentes e esse contraste entre uma música e outra acho que prova isso mesmo. Eu gosto de fazer álbuns ecléticos e que vão buscar coisas minhas e interiores, também coisas mais lá de fora. Apesar deste ser um bocadinho mais interior, aborda temas e musicalidades diferentes entre os vários temas. 

Tu tens vários projetos em que exploras identidades musicais diferentes, ainda que elas por vezes se cruzem, como no caso do Pplectro e o Fancy Weapons, o teu mais recente projecto de 2020, mas como é que tu “escolhes” que partes de ti é que queres pôr em cada projecto?

Tem a ver com processos diferentes. Eu gosto muito de fazer beats e há certos instrumentais que estão a pedir uma participação de PZ e outros não tanto. Pplectro e Fancy Weapons faço muito num programa de computador que é o Fruity Loops e que me leva a um mundo paralelo, diferente, em que apenas a música electrónica é explorada, não há cá voz nem letras. Mas gosto muito de brincar com os meus instrumentos, sintetizadores, caixas de ritmos e certas músicas depois desenvolvem-se e passam para o mundo de PZ e outras não, ficam aqui no lixo e depois podem ser editadas ou não. Mas é uma coisa natural, lá está, quando começo a fazer uma música não estou a pensar se vai ser PZ, ou se vai ser outra coisa qualquer, apenas tento divertir-me a fazer música. Há certos pedaços musicais que depois desenvolvo para se tornarem obras de PZ e depois tenho uma parte mais acústica, que eu também gosto de desenvolver, mas isso é para outro projecto que eu ainda não lancei, mas que vou lançar, que também vai ser um alter-ego diferente. Eu gosto de experimentar as várias vertentes musicais e géneros que existem, se bem que o lado mais pessoal e mais electrónico estará sempre associado a PZ.  

O que é curioso é que tu tens tantos alter-egos, tantos projectos em que te consegues diferenciar a nível sonoro e criativo… Como é que consegues manter um registo muito coerente em cada um, ainda que com PZ seja uma mistura de temas, principalmente depois de dizeres que começas a criar e só depois é que decides para onde é que vai, para que universo é que essa faixa se encaixa? 

Não sei… [risos] É como eu expliquei, não é uma coisa pré-definida. À medida que vão surgindo os novos alter-egos criam-se heterónimos e formas novas de desenvolver músicas diferentes e às vezes sinto necessidade de ir para coisas fora de PZ, outras vezes sinto necessidade de fazer coisas à PZ. É uma coisa que se vai definindo naturalmente e depois tem a ver com a vontade que eu tenho de expor ideias musicais e há umas que pertencem a compartimentos diferentes e cada compartimento é um alter-ego. Não sei, não consigo explicar melhor do que isto [risos].

E como é que esses alter-egos todos influenciam a vida do Paulo Zé? 

Influenciam porque é o meu modo de vida, que é estar ligado à música; e uma pessoa tem personalidades e estados de espíritos diferentes ao longo do dia, ao longo do ano; na música, para mim, também é assim, também tenho estados de espírito diferentes e é quase um reflexo da minha vida, e obviamente tenho uma vida paralela à música, mas a música é o meu modo de vida. 


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