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Publicado a: 23/11/2017

O Incrível Oddisee

Publicado a: 23/11/2017


[TEXTO] Alexandre Ribeiro

Oddisee não diz nomes no tweet, mas, sem estar a incitar à revolta das massas, J. Cole é a primeira pessoa que nos vem à cabeça. E não é assim tão descabido: os dois artistas já estiveram juntos em estúdio – Kendrick Lamar até esteve metido ao barulho – , mas a música acabou por ficar na gaveta. Sem mágoa, o homem de The Iceberg pede para que se coloquem os egos de lado e se atirem ao trabalho. No entanto, não pensem que Oddisee está à procura de algum tipo de escape para uma carreira decadente. Pelo contrário: trabalhar com as super-estrelas norte-americanas é um dos seus últimos grandes desafios. O sucesso, esse maldito objectivo que toma formas tão diferentes, está nas suas mãos, podendo gabar-se de acumular milhões de visualizações e plays nas diferentes plataformas ou concertos esgotados nos Estados Unidos da América e Europa. Melhor: “After Thoughts”, a sua música mais ouvida no Spotify, conta com 11 milhões de audições e, brade-se aos céus, é um instrumental.

 



A carreira de Amir Mohamed el Khalifa tem tido, desde o início, um percurso ascendente. Filho de mãe americana e pai sudanês, Oddisee produz arte que resulta directamente do ambiente em que cresceu. Curiosamente, a casa de Garry Shieder, membro dos Parliament Funkadelic, foi onde o amor pela música despertou. “Ser de Washington D.C., que é uma cidade de música ao vivo, crescer numa zona predominantemente negra, onde havia uma mistura de vários tipos de música e culturas, e simplesmente estar ali ajudou a moldar a sonoridade da minha música”, explicou em conversa com o Rimas e Batidas. Em 2015, o MC trouxe o país-natal do seu lado paterno para “Counter-Clockwise”, tema que fez parte do alinhamento de The Good Fight. Rimar em 5/4 foi um desafio auto-proposto que demonstrou a audácia, a coragem e o nível técnico e artístico em que se encontrava.

Design gráfico e ilustração eram as suas “praias” – chegou a ser aceite no Instituto de Arte de Filadélfia – , mas a música ganhou a luta. E se a sua estética musical é diferente de tudo o resto, muito se deve às influências não-musicais. Frank Lloyd Wright, reconhecido arquitecto que projectou, por exemplo, o museu Guggenheim, em Nova Iorque, e Tinker Hatfield, designer da Nike, são dois criadores que o ajudam, confessa o próprio, a aliar o pragmatismo à beleza. A expressão artística deve ser um compromisso entre a educação e o entretenimento. Dançar e pensar são verbos que podem co-existir.

 



Hiperactivo a nível criativo, o músico criou 8 trabalhos nos últimos 7 anos. O mais surpreendente nisto tudo nem é o volume de trabalho, mas sim a consistência e a evolução que sentimos na sua sonoridade. Entrando na onda de peditório para os Grammys – Vince Staples disse recentemente que merecia ser nomeado para uma série de categorias – , The Iceberg é, de caras, um candidato a melhor álbum. De hip hop? Não. De r&b contemporâneo? Nem por isso. Melhor álbum, ponto. Afinal de contas, e numa era em que o género nascido no Bronx assume a quota mais importante no mainstream, entregar um dos maiores prémios da música popular a um disco que consegue aliar uma instrumentação variada – “Things” poderia ter sido co-produzida por Kaytranada e “Waiting Outside” encaixaria perfeitamente em Black Messiah de D’Angelo – a uma escrita criativa (“Like Really”), consciente (“You Grew Up”) e provocadora (“Rights & Wrongs”) não seria totalmente descabido. Suceder a Taylor Swift e a Adele? Bem, isso é mais difícil do que parece…

“If record sales and talent was ever one and the same / I’d be running the game if that rule were ever to change”, rima em “Yeezus Was a Mortal Man”. Confiança e ambição nunca lhe faltaram, mas a qualidade é mais óbvia a cada música nova que nos chega aos ouvidos. Good Compny, a banda que o acompanha em palco, é parte importante neste sucesso. Depois de criar o álbum sozinho, Oddisee pede-lhes para retocarem tudo com os seus instrumentos. O sabor orgânico da sua música vem daí. No álbum editado este ano, os drums foram a única “peça” que não foi mexida. Na vinda a Portugal, o grupo fica em casa. Que isso seja o propósito para uma nova viagem até Portugal em 2018. 

Com um percurso umbilicalmente ligado à Mello Music Group – o primeiro lançamento da editora foi 101 – , Oddisee é o porta-estandarte dos seus ideais. Independente, criativo, talentoso e auto-suficiente, tal como outros nomes daquele catálogo como Open Mike Eagle, L’Orange ou Quelle Chris. O que separa o MC de Washington D.C. dos restantes nomes citados é o tal apelo pop não-forçado. Ele, sozinho, pode mudar o mundo. Por enquanto, escolhe fazê-lo na sombra, concerto a concerto, país a país, continente a continente. Todavia, o púlpito ainda não está numa sala suficiente grande. Oddisee 2020?

 


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