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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 02/12/2021

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Norberto Lobo na Culturgest: curvas de nível de um caminho em construção

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 02/12/2021

Norberto Lobo — ano 2021. Como desenhar no mapa um conjunto de linhas topográficas imaginárias em que a curva de nível corresponde a um desfiar de memórias mais ou menos recentes, no caso de Norberto Lobo, não tão recentes no que se refere a concertos a solo. Foi o que se passou na passada terça-feira, dia 30 de Novembro, quando regressámos para ver o guitarrista de coordenadas e referências distintas. É pegar no mapa, é apontar caneta e num desenho livre percorrer as primeiras linhas — no aquário da ZDB, na primeira parte da banda catalã Cabo San Roque (algures em 2007?), desenhar outra e de espaçamento estreito passar para local não muito distante e recordar a noite no estúdio de Lidija Kolovrat a abrir para os norte-americanos White Magic (2010). E que concerto! Sucessão de discos que nos vão acompanhando nos inúmeros passeios e outras colaborações com Sei Miguel, César Burago, João Lobo, João Almeida, Marco Franco em inúmeros contextos que têm demonstrado a capacidade de Norberto para abraçar outras linguagens, mas sobretudo para acrescentar a sua marca em cada uma das participações. E mais uma linha, que nos relembra o texto de apresentação da Culturgest – 15 anos desde o lançamento de Mudar de Bina (Ed. Bor Land). 

Ano 2021 – Noberto Lobo. Auditório da Culturgest, em Lisboa, cadeira no centro, duas guitarras eléctricas a ladeá-lo e os inúmeros pedais dispostos em semicírculo no chão. Sente-se saudade de o entrever na penumbra de um palco com luzes mínimas, de alguém que se abre para uma plateia enorme e que somente com a guitarra na mão começa a entrelaçar, também ele, as curvas da sua memória. O que de enigmática tem a música de Norberto é o que mais nos aproxima dela. Torna-se quase impenetrável, tantas vezes insondável e por isso tão próxima de cada um. Não há Norberto Lobo, mas vários. Como se os heterónimos aparecessem à medida que um de nós o ouve. Não são criados por ele, talvez o sejam, mas são sobretudo órbita da percepção individual. A guitarra a ser dedilhada como outrora, a acrescentar camada através dos pedais que vai manipulando em momentos precisos e que conformam uma tela sonora que vai cruzando com a guitarra.

2021 — porque não só de memória, mas de presente. De outros caminhos que Norberto assume como prenúncio para novo disco e que embora com um pé no passado abraça já o passo seguinte. Solos a lembrar figuras maiores como Neil Young, mais próximos de um rock secular, se quisermos, recurso à voz de forma mais frequente que antes e com tonalidades ligeiramente mais díspares, pontilhado aqui e ali por percussões mínimas para carregar uma determinada atmosfera. Compreender que é uma espécie de “ensaio aberto” e tentar encaixar alguns momentos de guitarra não tão ricos e às vezes não tão bem-conseguidos – demasiadas tarefas para um homem só, mesmo falando de Norberto? Porque não se ter socorrido de outras vozes que, por exemplo, têm trabalhado com ele ultimamente? Ou mesmo a exímios percussionistas que cuidam os micro-sons de forma criteriosa? Interrogações de quem tenta acompanhar o percurso de Norberto e de quem sabe que a música deste é património que se deve construir diariamente e não cristalizado em memórias longínquas. Património actual que cativou uma plateia que se rendeu à sua música. Mesmo incessantemente pedido, não houve encore. Nas palavras do mesmo – “Para não estragar o de que bonito aconteceu”.

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