pub

Fotografia: Joel Madeira
Publicado a: 09/11/2020

A batida industrial como arma de combate.

Nandele: “O FF EP explora a distopia e tem uma mensagem política”

Fotografia: Joel Madeira
Publicado a: 09/11/2020

Editado no final do mês passado, FF EP é o mais recente projecto de Nandele e assinala a sua estreia pela britânica Cotch International.

2020 trouxe-nos muita incerteza quanto ao nosso presente e futuro mas, para o produtor moçambicano, este está a ser um dos anos mais rentáveis no que toca à materialização de novos projectos, como a realização de uma banda sonora para o primeiro filme de sempre do seu país a ir parar à montra da Netflix ou o primeiro disco editado por uma editora norte-americana, entre vários outros feitos.

Quase dois meses após Plaffonddeinst ter visto a luz do dia, Nandele inspira-se no mítico franchise da Square Enix, Final Fantasy, para combater a opressão do seu povo usando a as “mágicas” do som. À semelhança dos lançamentos pós-Argolas Deliciosas, FF leva o beatmaker de volta à nave para partir à descoberta de novas texturas, aqui bastante vincadas pelo lado mecânico da cena industrial.



Tiveste férias este ano? Pareces estar com um output muito generoso… dá para descansar?

Artistas não têm férias, trabalhamos todos os dias, criamos, partilhamos, e fazemos actuações do que foi criado. Mas é preciso ter equilíbrio para que possamos descansar e recarregar as energias para voltarmos à fase de criação.

Falámos contigo há uns meses a propósito do Plafonddeinst e já aí tens novo trabalho. Podes começar por nos explicar em que é que diferem ou se complementam?

O Plaffonddeinst é uma álbum que está muito ligado ao dia a dia dos locais que tive nos últimos três anos. Por essa razão tem muitos ambientes, é um álbum em que puxei mais pela produção e pela colaboração com vários artistas nacionais e internacionais. Final Fantasy é um EP que explora a distopia, é um EP com uma mensagem política e uma playlist de um casal que vive num cenário como no filme Equilibrium. Estamos a viver num tempo com muita pouca empatia, muita informação para ter apenas atenção de 30 segundos. E o mundo melhor que todos sonhamos as vezes pode ser uma fantasia, nem ficção científica. Quis explorar esta ideia com os beats.

Como é que surgiu a ligação ao selo londrino Cotch International?

Já estava em contacto com o Joe desde 2019, conversámos sempre e a procura de formas de podermos colaborar com um projecto. Veio a pandemia nem com isso continuamos a trabalhar, Joe e João Roxo são as peças fundamentais deste projecto. A Internet é uma maravilha quando é bem usada, todo o processo criativo deste álbum foram feitas no Whatsapp, Google Drive e Gmail.

Este trabalho prossegue a tua via de experimentação, num campo crescentemente electrónico e abstracto. Quem dirias que tens como referências neste momento?

Concordo plenamente, estou a experimentar demais, e puxar a minha sonoridade para o além ou onde consigo fazer chegar. Neste momento estou a escutar muito Thom Yorke, Nicolas Jaar, Dion Monti, Stiff Pap, Trkz, Ras G, Ghorwane, Mapiko Mweya, Tool, Shlohmo, NIN, Deftones e Rage Against the Machine.

Esta tua agenda carregada (houve ainda a banda sonora do filme Resgate…) espelha alguma efervescência particular na cena musical de Maputo? Há mais produtores com quem sintas sintonia neste momento?

Eu acredito que sim, os produtores e beatmakers começam a ver outras utilidades, né? Beats agora já não precisam de um rapper para dar mais valia a obra do produtor ou beatmaker. Já começam a sair mais beat tapes em Moçambique, no underground, e mais colaborações com artistas visuais, estamos em galerias, spots publicitários, documentários e filmes. Mas é uma movimento ainda recente na minha opinião, temos muito por fazer.

Estamos em 2020, toda a gente parece, pelas razões óbvias, ter um pouco mais de tempo nas mãos e ter igualmente vontade de viajar de outra maneira, usando a net para explorar cenas musicais que se calhar não conhecia. Sentes que há mais atenção a ser-te devotada a ti e a outros músicos e produtores Moçambicanos?

A minha carreira chegou além-fronteiras graças à Internet. E tenho muita gratidão por aqueles que tiram os seus 30 segundos para explorar o cenário musical de Moçambique. A Internet tem muitas oportunidades que podemos explorar. Pessoalmente, eu tenho tido boas experiências. A Already Dead Tapes & Records e a Cotch International são prova disso. E acredita que tem muita coisa ainda por ser descoberta em Moçambique.

Este teu novo EP parece ter um som mais carregado, pesado se quiseres, mais denso e obscuro também. Na verdade, poderia igualmente ser uma banda sonora… Como é que o vês?

Acredito que sim, o feedback que tenho tido com a música é: elas podem ser bandas sonoras. Foi assim que fui convidado para trabalhar para o Resgate. Gosto de contar estórias com os meus beats, fazer com que o ouvinte tenha uma experiência visual ao escutá-las, levando-os a outras dimensões, desafiando as leis de física. Diria que a minha música é uma máquina que pode teleportar o ouvinte. Contudo, se a minha música tem uma “vibe” densa e obscura, isso é porque carregam o ADN do Likumbi, que considero o meu projecto mais gothic.

Em termos de ferramentas, mudou alguma coisa no teu arsenal? A evolução no teu som tem alguma razão de ser tecnológica?

A evolução da minha sonoridade está muito ligada ao tempo e ao espaço. Tudo à minha volta eu considero música, sample, etc. e isso reflete em como eu uso software e outros materiais analógicos. Tenho trabalhado com a Korg Monotron Analogue Ribbon, o meu telefone… São instrumentos que posso levar para qualquer espaço e criar a qualquer momento. Uso a AKAI Rhythm Wolf, que é uma drum machine que usei no tema “Module” do FF EP. Não posso esquecer os MIDI controllers da Novation, que uso para produzir e para performance. Boa parte do FF EP gravei como se tivesse a fazer performance ao vivo. “Virose” e “Impact 61+” foram performances em one take.

Como é que a cena de Maputo está a lidar com as questões da pandemia? Os locais para música ao vivo, os clubes, etc, estão também fechados por aí?

Está difícil, os tempos são outros. Alguns locais já começam a abrir as portas mas com lotação limitada de audiência para 40 pessoas por espectáculo. Ainda não tivemos lockdown desde o início da pandemia, a nossa economia é maioritariamente informal e por essa razão as medidas tinham que ser que acordo com a nossa realidade.

Como é que estes acontecimentos no mundo te têm afectado ou marcado a tua música?

O meus dois últimos trabalhos estão extremamente ligados aos últimos acontecimentos, a música sempre salvou a minha vida, porque através dela posso despejar tudo que estou a pensar e o que me está a inquietar. Música é a minha terapia.

Há mais alguma coisa tua planeada para este ano?

Estou trabalhar em algumas coisas no momento. Estou em duas residências artísticas como a Spaced Out Artist Residency (Zimbabué, Moçambique, Botswana), uma colaboração artística audiovisual, da Pro Helvetia a residência Proximal Distal (Alemanha, África do sul, Suécia, Moçambique), este projecto que explora espaços e a troca de ficheiros para criação de arte em tempos de pandemia. Estou trabalhar numa trilha sonora para uma peça de teatro que vai estrear em Lisboa em Dezembro deste ano. E já estou a pesquisar para as Argolas Deliciosas 2, que pretendo lançar no próximo ano.

Desejos para 2021: que objectivos pessoais tens para o ano que vem?

O maior desejo que tenho para 2021 é que haja mais e melhores condições de trabalho para todos os artistas no mundo, independentemente de pandemia ou não. Pessoalmente quero criar mais e partilhar com o público em geral os meus trabalhos. Gostaria de fazer várias actuações em Lisboa em 2021.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos