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Texto: Vera Brito
Fotografia: Manuel Abelho
Publicado a: 02/03/2019

Nada ficou ao acaso no concerto de ontem, mas tudo foi natural e sincero.

Mayra Andrade no Capitólio: a beleza e perfeição residem na simplicidade das coisas

Texto: Vera Brito
Fotografia: Manuel Abelho
Publicado a: 02/03/2019

Não ficou nem uma música por ouvir de Manga, o último disco de Mayra Andrade, na sua festa de apresentação ontem à noite no Capitólio, em Lisboa. Entre as suas 12 faixas que são de lambuzar e chorar por mais, houve também espaço para os clássicos “Tunuka” e “Lua”, de Navega, de 2006, para o sucesso “Reserva Pra Dois” de Branko (que ontem também celebrou um dia especial com o lançamento do seu novo disco Nosso) e ainda para “Ilha de Santiago”, de Lovely Difficult. Percebeu-se que, embora as mais antigas estejam na ponta da língua de todos, não houve qualquer diferença no entusiasmo com que cada música nova foi recebida, perto de nós havia quem cantasse todas as faixas de Manga de fio a pavio, em português e crioulo, como se estas melodias estivessem estado sempre presentes nos nossos dias. O último “filho” da cabo-verdiana com menos de um mês de vida já governa os nossos corações e a forma como foi recebido ontem fez da noite um mar de emoções, não só para Mayra Andrade, a quem o assomo das lágrimas deixava por vezes os olhos ainda mais brilhantes, como para todos nós que fomos testemunhas desta declaração de amor mútua entre público e artista.

“Linda de morrer”, como ouvimos alguém exclamar, pela noite fora seriam aliás constantes os elogios atirados ao palco, com o seu vestido preto de folhos transparentes e vaporosos, Mayra Andrade fascina-nos o olhar a cada passo combinando elegância com desinibição, suspendendo-nos a respiração a cada nota na sua voz de mel. Não nos conseguimos decidir quais os momentos que gostamos mais: se quando se solta pelo palco na batida forte de “Limitason” ou se quando nos explica que “Manga” é sobre esse amor tão intenso e concentrado que até transpira pelos poros, acelerando-nos o pulso na sua sedutora interpretação. Ou talvez o nosso momento preferido seja quando transforma o final da doce “Tan Kalakatan” em electrónica de pista de dança, brincando com o auto-tune e deixando-nos em suspenso para o drop final, ou quem sabe talvez seja a forma emocionada como dedica “Vapor di Imigrason” a todas as gerações de imigrantes arrepiando o ambiente da sala. Duvidamos novamente quando nos chega a sua entrega total de “Plena”, que se em disco já nos tinha desarmado, ao vivo, sentada ao lado da bateria jazz de Tiss Rodriguez a meia luz como se lua incidisse sobre si, nos deixa siderados por completo com a sua vulnerabilidade e força de flor de aço. É impossível decidir qual o momento que iremos guardar mais, embora por aqui a título pessoal, tenha sido precisamente esse: “Guardar Mais”, prenda da “querida” Sara Tavares, fechou a noite ao segundo encore, na interpretação mais singela e imaculada que vimos ontem de Mayra Andrade, silenciando o Capitólio no seu embalo. A beleza e perfeição residem de facto na simplicidade das coisas.

Foram muitos os momentos que trouxemos connosco para guardar em doces recordações. Nada ficou ao acaso no concerto de ontem, mas tudo foi natural e sincero, até a demorada e generosa apresentação de cada elemento da banda para quem Mayra Andrade pediu amor do público por igual: Nicholas Vella nos teclados, Euclides Gomes na guitarra, Swaéli Mbappé no baixo e Tiss Rodriguez na bateria, que irão acompanhá-la estrada fora nesta digressão de Manga que ainda agora começou, e também um agradecimento especial ao produtor iZem, presente no público, que ajudou na adaptação do disco para o palco. Generosidade e agradecimentos a jorros para todos e para o público que, depois de “Segredu”, não se conteve numa ovação espontânea desmedida que até fez Mayra Andrade recuar, deixando-a sem palavras.

À saída ouvem-se comentários esfuziantes dos muitos que vão abandonando o Capitólio com a alegria estampada pela cara, há quem vá ainda cantarolando as melodias e sacudindo o corpo. Já no regresso a casa, no metro, observamos várias pessoas em torno de vídeos que capturaram de muitos momentos do concerto. Paira no ar um sentimento de satisfação e uma leveza no peito, estamos saciados mas ainda assim não recusamos a ideia de repetir novamente a dose na noite de hoje, onde Mayra Andrade sobe novamente ao palco do Capitólio. Que mal pode haver afinal em comer esta manga sem moderação, se sempre nos ensinaram que a fruta faz bem ao coração?

E vocês? Já comeram fruta hoje?


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